Hoje, 31 de outubro, Dia de Drummond, o Literatura na
Arquibancada dará sua colaboração reunindo alguns textos do poeta relacionados
com o tema futebol.
No dia 31 de outubro de 1902, nascia o grande poeta
brasileiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Para comemorar a data, o
Instituto Moreira Salles criou há alguns anos o Dia D – Dia Drummond
–, que passou a fazer parte do calendário cultural do país. Assim como os
irlandeses (e hoje o mundo inteiro) festejam a vida do escritor James Joyce
todos os anos no dia 16 de junho com o Bloomsday, os brasileiros começaram a
homenagear um de seus maiores poetas sempre no dia de seu nascimento. O
objetivo do IMS é promover e difundir a sua obra.
O conteúdo da programação do IMS e também das instituições
parceiras estão disponíveis no site http://www.diadrummond.com.br.
Poema
da noite
Futebol
Carlos Drummond de Andrade
Futebol
Carlos Drummond de Andrade
Futebol se joga no estádio?
Futebol se joga na praia,
futebol se joga na rua,
futebol se joga na alma.
A bola é a mesma: forma
sacra
para craques e
pernas-de-pau.
Mesma a volúpia de chutar
na delirante copa-mundo
ou no árido espaço do
morro.
São vôos de estátuas
súbitas,
desenhos feéricos, bailados
de pés e troncos entrançados.
Instantes lúdicos: flutua
o jogador, gravado no ar
- afinal, o corpo
triunfante
da triste lei da gravidade.
Para quem quer conhecer o trabalho de Carlos Drummond de
Andrade sobre o tema futebol vale a pena conhecer a tese de doutorado em Letras
de Fabio Mario Iorio, na UFRJ, em 2006.
RASTROS DO COTIDIANO:
FUTEBOL EM VERSIPROSA DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE é leitura
obrigatória para os admiradores de Drummond e também para se descobrir que o
autor não escrevia apenas poemas sobre o futebol. Mais detalhes, acessar o
link:
http://docplayer.com.br/5229203-Rastros-do-cotidiano-futebol-em-versiprosa-de-carlos-drummond-de-andrade.html
http://docplayer.com.br/5229203-Rastros-do-cotidiano-futebol-em-versiprosa-de-carlos-drummond-de-andrade.html
No trecho abaixo, Fabio Iorio detalha um livro considerado
referência para conhecer o Drummond apaixonado pelo futebol:
“Em 2002, a Editora Record editou o livro Quando
é dia de futebol de Carlos Drummond de Andrade, como resultado de
uma pesquisa e seleção de textos feitas pelos netos Luiz Maurício Graña
Drummond e Pedro Augusto Graña Drummond, reunindo as raras crônicas
futebolísticas desde 1931. O projeto editorial foi se configurando a
partir de uma consulta preliminar de Luiz Maurício sobre os dados
importantes dos textos de Carlos Drummond de Andrade, estabelecendo uma
lista de assuntos abordados e pessoas mencionadas. Como um dos temas mais
citados era o futebol, ele e o irmão Pedro Augusto realizaram de forma
mais completa a pesquisa desse material jornalístico específico, que se
concentra entre 1954 a 1986.
A edição do livro reúne as crônicas, alguns poemas e trechos de cartas familiares, percorrendo os arquivos pessoais de Carlos Drummond de Andrade, do colecionador Edgard de Almeida Loural (doado à Biblioteca Central da PUC-RJ) e do acervo da Biblioteca Nacional. Os textos seguem a cronologia de suas produções, abordando principalmente os momentos da seleção brasileira masculina nas competições oficiais da Federation International of Football Association - FIFA e completando a coletânea com as homenagens aos maiores jogadores do futebol profissional: Pelé e Garrincha.
A edição do livro reúne as crônicas, alguns poemas e trechos de cartas familiares, percorrendo os arquivos pessoais de Carlos Drummond de Andrade, do colecionador Edgard de Almeida Loural (doado à Biblioteca Central da PUC-RJ) e do acervo da Biblioteca Nacional. Os textos seguem a cronologia de suas produções, abordando principalmente os momentos da seleção brasileira masculina nas competições oficiais da Federation International of Football Association - FIFA e completando a coletânea com as homenagens aos maiores jogadores do futebol profissional: Pelé e Garrincha.
Ainda se encontram pedaços de crônicas que relacionam o futebol com outros
assuntos e episódios da sociedade, destacando inclusive a sua linguagem
codificada e uma de suas principais influências na adolescência do
torcedor: o futebol de botão. O comentário final do livro pertence
a Edmílson Caminha, que resume o foco da abordagem, sublinhando ainda
a correspondência na comemoração centenária entre o cronista e o primeiro grêmio
carioca, Rio Football Club.
A dimensão do futebol nos textos de Carlos de Drummond de Andrade é ampla, traça uma leitura paralela aos cronistas esportivos mais destacados, de Nelson Rodrigues a João Saldanha, o primeiro com seu discurso épico-lírico de olhar barroco e o segundo situado nos liames do ideológico e do especialista com a moderna linguagem da crônica futebolística, sustentando na afetação simbólica um saber singularizado.
Carlos Drummond de Andrade e seus ilustres companheiros têm no futebol a rica contribuição da arte popular para o debate reflexivo da sociedade brasileira. Drummond relaciona também o futebol e a poesia, aproximando–se do outro mineiro, Paulo Mendes Campos.”
A dimensão do futebol nos textos de Carlos de Drummond de Andrade é ampla, traça uma leitura paralela aos cronistas esportivos mais destacados, de Nelson Rodrigues a João Saldanha, o primeiro com seu discurso épico-lírico de olhar barroco e o segundo situado nos liames do ideológico e do especialista com a moderna linguagem da crônica futebolística, sustentando na afetação simbólica um saber singularizado.
Carlos Drummond de Andrade e seus ilustres companheiros têm no futebol a rica contribuição da arte popular para o debate reflexivo da sociedade brasileira. Drummond relaciona também o futebol e a poesia, aproximando–se do outro mineiro, Paulo Mendes Campos.”
Deste mesmo livro, Quando
é dia de futebol (Editora Record, 2005), Literatura na
Arquibancada destaca algumas reflexões do poeta sobre o tema: Vitória x Derrota. Vencer e perder é o
resumo do jogo que tanto encantou Drummond em vida.
“E chego à conclusão de que a derrota, para a
qual nunca estaremos preparados, de tanto não a desejarmos nem a
admitirmos previamente, é afinal instrumento de renovação da vida. Tanto
quanto a vitória, a derrota estabelece um jogo dialético que constitui o
próprio modo de estar no mundo.
Se uma sucessão de derrotas é arrasadora, também a sucessão constante de vitórias traz consigo o germe de apodrecimento das vontades, a languidez dos estados pós-voluptuosos, que inutiliza o indivíduo e a comunidade atuantes. Perder implica remoção de detritos: começar de novo. (pg.181)
Se uma sucessão de derrotas é arrasadora, também a sucessão constante de vitórias traz consigo o germe de apodrecimento das vontades, a languidez dos estados pós-voluptuosos, que inutiliza o indivíduo e a comunidade atuantes. Perder implica remoção de detritos: começar de novo. (pg.181)
*******
Não me venham insinuar que o futebol é o
único motivo nacional de euforia e que com ele nos consolamos da
ineficiência ou da inaptidão nos setores práticos. Essa vitória no estádio
tem precisamente o encanto de abrir os olhos de muita gente para as
discutidas e negadas capacidades brasileiras de organização, de
persistência, de resistência, de espírito associativo e de técnica. (pg.
37)
********
********
Diante de tamanha angústia adormecida, porém
não pacificada, fica-se na dúvida: o esporte será hoje uma fonte de
prazer individual e coletivo, ou mais uma contribuição valiosa para
as estatísticas mortuárias? (...) O torcedor, na sua impotência, joga ainda
mais do que o jogador...
O sofrimento esportivo se agrava com os equívocos de linguagem e os golpes publicitários, assumindo formas políticas e belicosas que espantariam os próprios e inocentes torcedores, se eles se detivessem a examiná-las. (...) Os sofrimentos, irritações e depressões que provoca estão longe de ser imaginários, e perturbam nosso perturbado viver. Somos campeões do mundo, é verdade, mas isso não nos deve torturar mais do que, por exemplo, as misérias do subdesenvolvimento. O campeão não é campeão 24 horas por dia; chega uma hora (...) de não sofrer mais do que o estritamente necessário (...) não somos 60 milhões de campeões. (pg. 43)
**********
O sofrimento esportivo se agrava com os equívocos de linguagem e os golpes publicitários, assumindo formas políticas e belicosas que espantariam os próprios e inocentes torcedores, se eles se detivessem a examiná-las. (...) Os sofrimentos, irritações e depressões que provoca estão longe de ser imaginários, e perturbam nosso perturbado viver. Somos campeões do mundo, é verdade, mas isso não nos deve torturar mais do que, por exemplo, as misérias do subdesenvolvimento. O campeão não é campeão 24 horas por dia; chega uma hora (...) de não sofrer mais do que o estritamente necessário (...) não somos 60 milhões de campeões. (pg. 43)
**********
Hoje,
manuscritos
picados em soluço,
chovem
do terraço chuva de irrisão.
Mas
eu, poeta da derrota, me levanto
sem
revolta e sem pranto
para
saudar os atletas vencidos.
Que
importa hajam perdido?
Que
importa o não-ter-sido?
Que me
importa uma taça por três vezes,
se
duas a provei para sentir,
coleante,
no fundo, o malicioso
mercúrio
de sua perda no futuro?
É
preciso xingar o Gordo e o Magro?
E o
médico e o treinador e o massagista?
Que
vil tristeza...
Nem
valia ter ganho
a
esquiva Copa...
no
jogo livre e sempre novo que se aprende...
qualquer
dos que em Britânia conheceram
depois
da hora radiosa
a hora
dura do esporte,
sem a
qual não há prêmio que conforte,
pois
perder é tocar alguma coisa
mais
além da vitória, é encontrar-se
naquele
ponto onde começa tudo
a
nascer do perdido, lentamente.
Canta,
canta, canarinho...
Nem
heróis argivos nem parias...
O
dia-não completa o dia-sim
na
perfeita medalha. Hoje completos
são os
atletas que saúdo:
nas
mãos vazias eles trazem tudo
que
dobra a fortaleza da alma forte.”
(pg.
85-87)
Literatura na Arquibancada destaca abaixo mais um texto escrito pelo poeta
sobre o tema futebol. Uma crônica que só mesmo o poeta poderia escrever e que
foi encontrado nos arquivos do Jornal do
Brasil do dia 18/06/1974.
******
Bem-aventurados os que não entendem nem aspiram a entender de futebol, pois deles é o reino da tranqüilidade.
Bem-aventurados os que, por entenderem de futebol, não se expõem ao risco de assistir às partidas, pois não voltam com decepção ou enfarte.
Bem-aventurados os que não têm a paixão clubista, pois não sofrem de janeiro a janeiro, com apenas umas colherinhas de alegria a título de bálsamo, ou nem isto.
Bem-aventurados os que não escalam, pois não terão suas mães agravadas, seu sexo contestado e sua integridade física ameaçada, ao saírem do estádio.
Bem-aventurados os que não são escalados, pois escapam de vaias, projéteis, contusões, fraturas, e mesmo da glória precária de um dia.
Bem-aventurados os que não são cronistas esportivos, pois não carecem de explicar o inexplicável e racionalizar a loucura.
******
Bem-aventurados os que não entendem nem aspiram a entender de futebol, pois deles é o reino da tranqüilidade.
Bem-aventurados os que, por entenderem de futebol, não se expõem ao risco de assistir às partidas, pois não voltam com decepção ou enfarte.
Bem-aventurados os que não têm a paixão clubista, pois não sofrem de janeiro a janeiro, com apenas umas colherinhas de alegria a título de bálsamo, ou nem isto.
Bem-aventurados os que não escalam, pois não terão suas mães agravadas, seu sexo contestado e sua integridade física ameaçada, ao saírem do estádio.
Bem-aventurados os que não são escalados, pois escapam de vaias, projéteis, contusões, fraturas, e mesmo da glória precária de um dia.
Bem-aventurados os que não são cronistas esportivos, pois não carecem de explicar o inexplicável e racionalizar a loucura.
Bem-aventurados os fotógrafos que trocaram a documentação do esporte pela dos
desfiles de modas, pois não precisam gastar tempo infindável para fotografar o
relâmpago de um gol.
Bem-aventurados os fabricantes de bolas e chuteiras, que não recebem as primeiras na cara e as segundas na virilha, como os atletas e assistentes ocasionais de peladas.
Bem-aventurados os que não conseguiram comprar televisão a cores a tempo de acompanhar a Copa do Mundo, pois, assistindo pelo aparelho do vizinho, sofrem sem pagar 20 prestações pelo sofrimento.
Bem-aventurados os surdos, pois não os atinge o estrondar das bombas da vitória, que fabricam outros surdos, nem o matraquear dos locutores, carentes de exorcismo.
Bem-aventurados os que não moram em ruas de torcida institucionalizada, ou em suas imediações, pois só recolhem 50% do barulho preparatório ou comemoratório.
Bem-aventurados os fabricantes de bolas e chuteiras, que não recebem as primeiras na cara e as segundas na virilha, como os atletas e assistentes ocasionais de peladas.
Bem-aventurados os que não conseguiram comprar televisão a cores a tempo de acompanhar a Copa do Mundo, pois, assistindo pelo aparelho do vizinho, sofrem sem pagar 20 prestações pelo sofrimento.
Bem-aventurados os surdos, pois não os atinge o estrondar das bombas da vitória, que fabricam outros surdos, nem o matraquear dos locutores, carentes de exorcismo.
Bem-aventurados os que não moram em ruas de torcida institucionalizada, ou em suas imediações, pois só recolhem 50% do barulho preparatório ou comemoratório.
Bem-aventurados os cegos, pois lhes é poupado torturar-se com o espetáculo
direto ou televisionado da marcação cerrada, que paralisa os campeões, ou do
lance imprevisível, que lhes destrói a invencibilidade.
Bem-aventurados os que nasceram, viveram e se foram antes de 1863, quando se codificaram as leis do futebol, pois escaparam dos tormentos da torcida, inclusive dos ataques cardíacos infligidos tanto pela derrota como pela vitória do time bem-amado.
Bem-aventurados os que, entre a bola e o botão, se contentaram com este, principalmente em camisa, pois se consolam mais facilmente de perder o botão da roupa do que o bicho da vitória.
Bem-aventurados os que não confundem a derrota do time da Lapônia pelo time da Terra do Fogo com a vitória nacional da Terra do Fogo sobre a Lapônia, pois a estes não visita o sentimento de guerra.
Bem-aventurados os que, depois de escutar este sermão, aplicarem todo o ardor infantil no peito maduro para desejar a vitória do selecionado brasileiro nesta e em todas as futuras Copas do Mundo, como faz o velho sermoneiro desencantado, mas torcedor assim mesmo, pois para o diabo vá a razão quando o futebol invade o coração.
Bem-aventurados os que nasceram, viveram e se foram antes de 1863, quando se codificaram as leis do futebol, pois escaparam dos tormentos da torcida, inclusive dos ataques cardíacos infligidos tanto pela derrota como pela vitória do time bem-amado.
Bem-aventurados os que, entre a bola e o botão, se contentaram com este, principalmente em camisa, pois se consolam mais facilmente de perder o botão da roupa do que o bicho da vitória.
Bem-aventurados os que não confundem a derrota do time da Lapônia pelo time da Terra do Fogo com a vitória nacional da Terra do Fogo sobre a Lapônia, pois a estes não visita o sentimento de guerra.
Bem-aventurados os que, depois de escutar este sermão, aplicarem todo o ardor infantil no peito maduro para desejar a vitória do selecionado brasileiro nesta e em todas as futuras Copas do Mundo, como faz o velho sermoneiro desencantado, mas torcedor assim mesmo, pois para o diabo vá a razão quando o futebol invade o coração.
*******
Nenhum comentário:
Postar um comentário