A poucos dias do início dos Jogos Olímpicos, no Rio de
Janeiro, Literatura na Arquibancada resgata uma obra fundamental da literatura
esportiva: “Os senhores dos anéis –
Poder, dinheiro e drogas nas Olimpíadas Modernas” (Editora Best
Seller/Círculo do Livro, 1992).
O livro é apenas uma sugestão aos que sabem que, apesar
dos fatos denunciados pelo polêmico autor, Andrew Jennings (mesmo autor de dois
livros-bomba sobre a Fifa: “Jogo Sujo – O
mundo secreto da Fifa” (Panda Books, 2011) (http://www.literaturanaarquibancada.com/2013/10/jogo-sujo-o-mundo-secreto-da-fifa.html
) e “Um jogo cada vez mais sujo: o padrão
Fifa de fazer negócios e manter tudo em silêncio (Panda Books, 2014) (http://www.literaturanaarquibancada.com/2014/05/um-jogo-cada-vez-mais-sujo.html
), quase nada mudou nas altas esferas do poder dos poderosos do esporte
mundial, sejam eles ligados aos esportes ditos “olímpicos” ou do futebol
(Fifa).
É incrível como tanto tempo se passou e as coisas só
pioraram. A Rio 2016 pode ser apenas mais um triste capítulo desta longa
jornada de exploração aos que realmente fizeram a história dos Jogos Olímpicos:
atletas e, nós, torcedores.
Literatura na Arquibancada resgata o texto de
apresentação de Jennings e um trecho do primeiro capítulo da obra. É leitura
obrigatória. Basta procurar um sebo virtual e boa leitura.
Introdução
Será que o
esporte é isso?
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Juan Antonio Samaranch |
Este livro revela os fatos que a televisão e os jornais
não contam a respeito das Olimpíadas e do esporte internacional. Durante quatro
anos procuramos descobrir quem controla o esporte, para onde vai o dinheiro e
porque um mundo considerado belo e puro há dez anos, tornou-se antidemocrático,
obscuro, cheio de drogas e acabou leiloado para servir ao marketing das
companhias multinacionais.
Para nossa surpresa, nos deparamos com a investigação
mais difícil de nossas vidas. Nos últimos anos escrevemos e fizemos
documentários para a televisão sobre a Máfia, o caso Irã-Contras, o terrorismo,
a corrupção na Scotland Yard e outras áreas sombrias da vida pública.
O mundo do esporte amador olímpico provou ser o mais
difícil de penetrar. Jamais encontramos tantas dificuldades em conseguir
entrevistas autorizadas, documentos e fontes primárias. Um dirigente olímpico
respeitado chegou ao ponto de contratar advogados, para tentar impedir a
publicação das críticas às lideranças olímpicas, feitas durante uma longa
entrevista gravada!
Esta foi nossa grande descoberta sobre o mundo do moderno
esporte olímpico. Trata-se de um domínio secreto, elitista, onde as decisões
sobre o esporte, o nosso esporte, são tomadas a portas fechadas, onde se gasta
rios de dinheiro para criar um estilo de vida fabuloso para um círculo restrito
de dirigentes em vez de providenciar melhores condições para os atletas, onde o
dinheiro destinado ao esporte acaba desviado para contas bancárias no exterior
e onde os dirigentes se perpetuam no poder, sem se perturbar com eleições.
Este livro, portanto, não fala dos competidores que lutam
pelas medalhas de ouro. Trata do mundo oculto dos homens engravatados, dos
homens que manipulam o esporte segundo seus próprios objetivos.
Não somos jornalistas esportivos. Não fazemos parte do
círculo onde muitos repórteres preferiram concentrar a atenção nos eventos
esportivos, ignorando o modo como o esporte vem sendo destruído pela cobiça e
pela ambição. Como resultado, um dos momentos mais reveladores para nós foi
quando sofremos críticas veementes do diretor de informação do Comitê Olímpico
Internacional (COI), na Suíça, só porque fizemos perguntas diretas a um alto
dirigente olímpico. Agimos como um repórter age, em qualquer matéria. Tal
comportamento não é aceitável no mundo clandestino e egoísta do COI. Se o
esporte pretende sobreviver, necessitará da atenção de muitos outros
jornalistas sem vínculos ou compromissos com os Senhores de Lausanne.
Ao avançar além da pompa e da hipocrisia das Olimpíadas
modernas e de seu líder, recordamos repetidamente do comentário de uma criança
no dia em que o imperador desfilou com seu novo traje: "O rei estava
nu". Isso deveria ser óbvio para qualquer pessoa a quem a propaganda não
conseguiu cegar.
Como no restante de nosso trabalho de muitos anos, não
podemos agradecer em público às fontes que mais nos ajudaram. Depois de muito
esforço, os documentos chegaram às nossas mãos, e pessoas gentis, preocupadas
com o esporte, deram sugestões e apontaram áreas que exigiam investigações e
denúncias. Esperamos que este livro as ajude em suas batalhas para tirar o
esporte das mãos de um pequeno grupo.
Capítulo 1
BEM-VINDOS A
BARCELONA
Bem-vindos à Espanha. Bem-vindos a Barcelona, a antiga
cidade romana de Barcino, a "Cidade dos Condes" medieval, rodeada de
muralhas.
Bem-vindos a Barcelona. Capital da Catalunha orgulhosa e
independente, segunda cidade da Espanha, e, por séculos, rival ferrenha de
Madri, a capital.
Bem-vindos a Barcelona. Cidade para onde Cristóvão
Colombo retornou após a descoberta do Novo Mundo, em 1492.
Bem-vindos a Barcelona. Cidade de Salvador Dali e Pablo
Picasso, de Pablo Casais e José Careiras e de Cobi, o cão surrealista.
Cobi, o cão surrealista? Certamente. Pois Barcelona
também é a sede dos Jogos Olímpicos de 1992, e Cobi, um cachorro de gibi é o
mascote olímpico da cidade.
Estamos às vésperas da estreia das Olimpíadas. A capital
da Catalunha, abarrotada de gente. Quatrocentos mil espectadores são esperados
em Barcelona. Eles incharão a cidade, a ponto de explodi-la. O maior espetáculo
da terra vai começar. Bem-vindos a Barcelona.
O comitê organizador dos Jogos Olímpicos, para os
responsáveis pelo planejamento e financiamento das duas semanas fantásticas,
aproxima-se a hora da verdade. O comitê, como acontece com quase tudo no mundo
do esporte internacional, tem uma sigla: COOB'92 (Comitê Organizador das
Olimpíadas de Barcelona). Seu presidente é o prefeito socialista de Barcelona,
Pasqual Maragall. Ele fala com entusiasmo sobre o "caso de amor"
entre sua cidade e as Olimpíadas. A paixão de Barcelona custou a Maragall e sua
diretoria executiva mais de 1 bilhão de libras, apenas para sediar um evento de
duas semanas.
Mais 2 bilhões de libras do dinheiro público foi gasto
pela cidade, para comprar e desapropriar terrenos, construir a Vila Olímpica e
43 quilômetros do novo anel viário, reformar ou erguer do zero quarenta e três
locais exigidos pelo extenso programa esportivo das Olimpíadas e, finalmente,
para ampliar o aeroporto de Barcelona.
Seis anos antes, em outubro de 1986, Barcelona derrotou
Brisbane, Paris, Amsterdã, Belgrado e Birmingham na corrida para sediar os
Jogos Olímpicos de 1992. Os bate-estacas, guindastes e máquinas de
terraplenagem tomaram conta da cidade. Desde então, os moradores de Barcelona
vivem em um gigantesco canteiro de obras. Mas o prefeito Maragall e sua equipe
podem dormir sossegados, sabendo que tudo está pronto para as Olimpíadas.
No dia 2 de outubro de 1988, na cerimônia de encerramento
dos Jogos de Seul, a bandeira olímpica criada pelo fundador dos jogos modernos,
barão Pierre de Coubertin, foi entregue a Maragall. No sábado, 25 de julho de
1992, a bandeira branca com os cinco anéis entrelaçados representando os cinco
continentes, que se tornou o símbolo mais conhecido no mundo depois da cruz
cristã, será içada no estádio Montjuic de Barcelona. Tudo estará pronto para a
cerimônia de abertura da 25? Olimpíada.
O estádio de Montjuic é a peça central na orgia de
esportes de duas semanas e na orgia de gastos de seis anos. Nesta cerimônia, 70
mil espectadores rodearão reis e rainhas, príncipes e princesas, xeques e
rajás, primeiros-ministros e presidentes acomodados na Tribuna de Honra. Os
ingressos valerão US$ 500.
O estádio se destaca no "Anel Olímpico", nome
dado pelo comitê organizador para a área de Montjuic de onde se pode avistar a
cidade, a oeste, e o Mediterrâneo, a leste.
O estádio tem uma longa história olímpica. A pedra
fundamental foi colocada há 64 anos, pelo conde Henri Ballet-Latour, então
presidente do comitê olímpico. Montjuic fora construído na tentativa anterior
feita por Barcelona para sediar os jogos. Em 1931 a 30? sessão — ou reunião
anual — do Comitê Olímpico Internacional, detentor dos direitos dos Jogos
Olímpicos, realizou-se no Hotel Ritz, em Barcelona.
Dez dias antes da abertura, o novo governo esquerdista da
Espanha proclamou a república no país. Um marquês e cinco condes encontravam-se
entre o grupo refinado que se reuniu no Ritz de Barcelona, mas a maioria de
seus pares se manteve a distância. Eles resolveram promover pelo correio a
votação que escolheria a cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 1936. Quando os
votos retornaram, Barcelona descobriu que perdera a indicação para a Berlim de
Adolf Hitler.
Desapontados e revoltados, os cidadãos radicais de
Barcelona promoveram uma competição alternativa no novo estádio de Montjuic.
Balizaram o evento de "Olimpíada Popular de Barcelona",
caracterizando seu desafio. Em julho de 1936, 5 mil atletas e 20 mil
espectadores foram recebidos em Barcelona pelo prefeito da cidade e
participaram da Olimpíada Popular.
Os jogos de Barcelona terminaram pouco depois do início.
O dia seguinte foi marcado pelo início do levante militar que deu origem à
Guerra Civil Espanhola. A Olimpíada Popular foi cancelada, e muitos atletas e
espectadores juntaram-se às forças republicanas concentradas na capital catalã.
Barcelona tornou-se um polo de oposição ao general Franco e seus seguidores
fascistas. O ditador jamais perdoou esta oposição, e fez com que os cidadãos de
Barcelona pagassem um alto preço por ela, nos quarenta anos seguintes. Milhares
de opositores de Franco morreram, e muitos outros milhares foram presos, mas os
catalães que se dispuseram a erguer os braços na saudação tradicional do
Movimento fascista do ditador prosperaram.
A vingança do Generalíssimo sobre Barcelona incluiu até
as ambições olímpicas da cidade. Em dezembro de 1965 Barcelona competiu contra
Madri pela indicação como candidata da Espanha à sede dos Jogos de 1972. A
reunião para decidir entre as duas cidades foi marcada para a véspera do Natal.
Poucos dias antes, o representante de Barcelona recebeu um telefonema e foi
avisado que não precisava se dar ao trabalho de comparecer à reunião. "Não
será importante. Apenas uma prestação de contas", disse o autor da
chamada.
Barcelona fora lograda. Três dias antes do Natal, a sede
do movimento olímpico na Suíça recebeu a informação de que Madri era a cidade
espanhola escolhida como candidata para sediar o evento em 1972.
— Naquele tempo o homem de El Pardo ainda vivia — lembra
um catalão, referindo-se ao poder absoluto do general Franco. Mas agora o líder
está morto. A Espanha tornou-se novamente uma democracia, e os fascistas
companheiros de Franco trocaram os uniformes por ternos. Em 1992, o estádio de
Montjuic realizará finalmente seu destino olímpico.
Nos últimos seis anos o local passou por uma reforma
completa. Reconstruído, manteve a aparência de 1930, preservada como "um
tributo ao esporte e ao espírito olímpico das pessoas da cidade, das gerações
que lutaram desde o início do século para sediar os Jogos."
Quatro escadas rolantes gigantescas levarão 14 mil
pessoas por hora para o Anel Olímpico, onde acompanharão os lances das estrelas
do atletismo contra os recordes mundiais; assistirão os embates entre as
estrelas da ginástica, vôlei e basquetebol no ginásio esportivo futurista de
Palau Saint Jordi; acompanharão os esforços dos nadadores nas magníficas
piscinas de Picornell.
Em Poblenou, à beira-mar, encontra-se o Pare de Mar. Um
terreno de 640 mil metros quadrados abriga prédios de seis andares, com vista
para o mar. Pare de Mar é a Vila Olímpica, recebendo por duas semanas 15 mil
atletas de mais de 160 países. Toda a área foi rodeada de uma cerca de
segurança alta. A segurança dos atletas ganhou prioridade desde que onze
competidores israelenses foram assassinados por terroristas em Munique, em
1972.
Por trás da cerca, o complexo possui restaurante, agência
dos correios, banco, agência de viagens, aluguel de carros, supermercado,
livraria, farmácia, bar, salões de descanso e leitura. O restaurante servirá
aos atletas mais de 900 mil refeições durante as Olimpíadas.
Próximo ao estádio Montjuic, na borda do Anel Olímpico,
situa-se o Centro de Imprensa Principal. Liga-se a centros de imprensa
satélites instalados nos locais de competição, na Vila Olímpica, e nas duas
"vilas de imprensa", especialmente construídas em Badalona e Vai
d'Hebron, nos subúrbios de Barcelona. O Centro de Imprensa receberá 10 mil
profissionais credenciados, representando jornais e emissoras de rádio e
televisão de todo o mundo que se encaminharão para Barcelona.
Finalmente, na famosa Diagonal, a rua mais comprida de
Barcelona, fica o luxuoso Hotel Princesa Sofia. Nos últimos dois anos, os
proprietários espanhóis investiram US$ 10 milhões em reformas. O hotel foi
redecorado luxuosamente, para receber os hóspedes mais importantes dos jogos.
Não haverá ali estrelas do atletismo, natação ou ginástica. O Princesa Sofia
será, nas duas semanas dos Jogos Olímpicos, sede do Clube.
O "Clube" é uma das sociedades fechadas mais
poderosas, lucrativas e secretas do mundo. Por intermédio do Clube, um punhado
de "presidentes" nomeados comanda o esporte mundial.
A suíte presidencial do Princesa Sofia receberá o membro
mais importante do Clube, o supremo pontífice olímpico, o rei inconteste do
esporte mundial, o espanhol Juan António Samaranch. (...)
Sobre o autor:
É repórter investigativo há mais de trinta anos,
cineasta, consultor e comentarista. Trabalhou nos jornais britânicos The Sunday Times e Daily Mail, na
BBC, além de contribuir em diversas publicações. Autor de documentários e
livros sobre corrupção nos esportes, Jennings tornou-se conhecido no mundo todo
como o “único profissional de imprensa banido das coletivas da Fifa”. Traduzido
para mais de 12 línguas, Jogo Sujo (Foul!) foi transformado em documentário da
BBC e exibido em todo o mundo.
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