Os bastidores do futebol mundial vasculhado por um craque
do jornalismo investigativo. Jamil Chade, correspondente internacional do
jornal O Estado de São Paulo, revela,
em ampla pesquisa, o submundo das negociatas e corrupção que acabaram levando à
prisão, vários dirigentes do futebol mundial, incluindo o ex-presidente da CBF,
José Maria Marin.
Uma obra fundamental na literatura esportiva brasileira e
mundial: "Política, Propina e Futebol" (Editora Objetiva).
Calendário de lançamentos: dia 24/11, Livraria Cultura, em Porto Alegre. Dia 27/11, Livraria Cultura, Conjunto Nacional, em São Paulo. Sempre às 19hs.
Calendário de lançamentos: dia 24/11, Livraria Cultura, em Porto Alegre. Dia 27/11, Livraria Cultura, Conjunto Nacional, em São Paulo. Sempre às 19hs.
Sinopse:
Em um
trabalho de denúncia que é o resultado de 15 anos de cobertura da Fifa, o autor
entra na intimidade de vários dos cartolas hoje detidos, revela conversas
esclarecedoras e desvenda acordos milionários.
O autor,
porém, não se limita a investigar apenas o mundo do futebol. Em seu livro,
Chade apresenta a rede de cúmplices – na política e no mundo empresarial – que
alimentou um esquema de corrupção e troca de favores.
Em “Propina,
Política e Futebol”, o autor traz importantes revelações:
- Detalhes
de como funcionava o pagamento de propinas.
- Revelações
de como o dinheiro que deveria ser usado para obras sociais e construção de
campos para jovens foi desviado para contas secretas.
- Os acordos
secretos da CBF que transformaram a seleção brasileira em um produto explorado
comercialmente pelos dirigentes, sem qualquer plano esportivo.
- O uso de
paraísos fiscais para desviar milhões de dólares dos amistosos da seleção
brasileira.
- Chade, ao contrário
da tendência de apontar a Fifa como única responsável pela corrupção, revela
como os dirigentes tiveram cúmplices em diversos dos escândalo, inclusive de
político.
Literatura na Arquibancada apresenta abaixo um dos
capítulos da obra:
“A vez do
torcedor-cidadão”
Por Jamil
Chade
Talvez em nenhum momento na história do Brasil e das Copas do Mundo a
política tenha se articulado tanto com o esporte. Desde junho de 2013 a
política acompanhou o desenrolar do torneio. Às vésperas da abertura havia um
clima de desmobilização torcedora, uma apatia torcedora, e isso foi se
modificando. Aquilo começou a se transformar em uma mobilização da torcida
verde-amarela e curiosamente na desmobilização das manifestações sociais e
mesmo dos movimentos grevistas de várias categorias que haviam se apresentado
no mês de maio e começo de junho.
De fato, se o governo alertou dias antes de o Mundial começar que quem
usasse a Copa para ganhar votos “quebraria a cara”, foi justamente o Palácio
do Planalto que se apressou em instrumentalizar o fato de que o caos não
aconteceu para ganhar créditos políticos. O governo federal convocou a imprensa
e informou que 1 milhão de turistas estrangeiros visitaram o Brasil, superando
a meta dos organizadores. Desse total, 95% disseram que queriam voltar no
futuro e deixaram no país o equivalente a US$700 milhões. Dilma Rousseff
declararia, na época: “Nós vivemos, nesses dias, uma festa fantástica. Mais uma
vez, o povo brasileiro revelou toda a sua capacidade de bem receber. Mais uma
vez, os brasileiros, aí incluídos o governo federal, os governos estaduais nas
doze cidades-sede, os prefeitos das doze cidades-sede e, sem sombra de dúvida,
os torcedores e todos os amantes do futebol, asseguraram uma festa que, eu
tenho certeza, é, sem dúvida, uma das mais bonitas do mundo. A gente dizia que
ia ter a Copa das Copas. Tivemos a Copa das Copas. Tivemos, sem tergiversar, um
problema que foi a nossa partida, nosso jogo com a Alemanha. No entanto,
acredito que tudo na vida é superação. Derrotamos, sem dúvida, essa previsão
pessimista e realizamos, com imensa e maravilhosa contribuição do povo, essa
Copa das Copas”.
Tanto o governo como a oposição mudaram de discurso sobre a Copa do Mundo
em cada novo lance. Em 30 de maio de 2014, antes de a Copa começar, o ministro
da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que o evento ajudaria a melhorar a
economia do país e que o resultado do PIB no segundo trimestre de 2014
provavelmente seria mais favorável que nos três primeiros meses do ano. Mas,
semanas depois de o Mundial terminar, o mesmo Mantega tinha outra avaliação. Na
verdade, a Copa havia prejudicado o PIB do trimestre.
“[A Copa] foi um sucesso do ponto de vista da organização. Do ponto de
vista da produção e do comércio, prejudicou”, afirmou Guido Mantega em
entrevista à Folha de S.Paulo no dia
14 de agosto. “[Durante o evento] tivemos muito poucos dias úteis. A produção
industrial caiu e o comércio cresceu pouco. De fato, não foi um bom resultado”,
completou.
Nos meses que se seguiram ao torneio, o Brasil entrou em recessão, a
dívida pública explodiu, o desemprego voltou a assustar e o país mergulhou em
uma fase dramática diante das descobertas de casos de corrupção. Nenhuma previsão
otimista do governo feita nos dias seguintes à final do Mundial se concretizou.
E a população rapidamente viu a elite do país abandonar menções à Copa, para
nunca mais falar do assunto.
Os estádios vazios se transformaram nos monumentos de um projeto que
serviu a poucos com o dinheiro de muitos. O Mundial não garantiu uma nova fase
ao futebol nacional. Na manipulação de um sentimento popular, da emoção do gol,
do simbolismo da entrega de um troféu, na instrumentalização da vaia, a
realidade é que a Copa terminou no Brasil sem vencedores entre a classe
política. Talvez alguns tenham perdido mais que outros. Mas todos saíram de
alguma forma derrotados, e, sabendo que a sociedade não aturaria ver santinhos
distribuídos nas portas dos estádios, candidatos e políticos acabaram
neutralizados pelos verdadeiros astros em campo e pelas torcidas na
arquibancada.
Em um poderoso e inesperado legado, a Copa de 2014 foi um ponto de virada
na história do futebol, que culminaria nas prisões de cartolas um ano depois,
em Zurique. O evento demonstrou às classes políticas de todo o mundo que não
havia mais espaço para confundir torcedores e eleitores. Não existe, em uma democracia,
lugar para o patriotismo servil, muito menos quando ele é associado ao futebol.
Em 1976, Pelé, Carlos Alberto Torres e Leão subiram ao camarote do Maracanã em
um jogo da Seleção e homenagearam o general Ernesto Geisel, então
presidente. Além de entregarem ao ditador uma Bíblia, deram um troféu
agradecendo pela regulamentação da profissão de atleta.
Em 2014, foi a sociedade que ganhou um troféu e foi ela mesma que o
entregou. Uma sociedade que se dá o poder de rejeitar a manipulação política de
um evento, de questionar gastos e de sair às ruas demonstra o fortalecimento de
uma democracia capaz até mesmo de abalar teses como a do cientista político e
senador italiano Gaetano Mosca, que no início do século XX apontava para o
aspecto ilusório de um sistema político que, segundo ele, apenas serviria para
legitimar o poder de uma elite.
Politizada em cada gesto, em cada gol, em cada estádio e em cada hino
nacional, a Copa de 2014, ironicamente, ajudou de maneira sinuosa a fortalecer
a democracia no Brasil. Das ruas de 2013 aos cartazes contra a Fifa. Das
exigências, ainda que descabidas, ao temor de deputados e políticos, que, às
pressas, modificaram leis. Da arrogância da Fifa aos acordos sujos da CBF com
políticos locais. Do racismo mais que vigente na sociedade brasileira e que
deixou milhões sem acesso aos estádios ao impacto mundial da festa. Da paixão
inabalada pelo futebol no Brasil aos candidatos perdidos, sem saber como reagir
diante de cada gol, o Mundial escancarou todas as contradições, limites e
forças presentes no país.
Assim que a sociedade se deu conta de que, com seu dinheiro, uma classe
política e cartolas se aproveitariam do evento para ganhar popularidade, essa
mesma sociedade sequestrou de volta a ocasião para mostrar ao mundo que não
toleraria tal manipulação. Quando políticos ensaiaram uma crítica de que aquele
“não era o momento” de fazer protestos, foi a sociedade que os lembrou de que
tampouco era o momento de pedir votos entre gols e jogadas de efeito.
O movimento contaminou de uma vez por todas a Fifa, com cobranças cada
vez maiores sobre como a entidade agiu para dar o Mundial ao Catar em 2022,
sobre como os acordos com Putin tentam blindar a Copa de 2018 e sobre como
seus dirigentes teriam construído um império com base na fraude e na lavagem de
dinheiro.
Quando, no dia 27 de maio de 2015, a polícia entrou no saguão do hotel em
Zurique, não estava apenas cumprindo um pedido de cooperação do FBI. Também
estava, de certa forma, chancelada por um sentimento generalizado de que um
“basta” tinha de ser dado a uma estrutura corrupta. Mesmos seus cúmplices —
políticos, televisões e multinacionais — chegaram à constatação de que já não
teriam a mesma força para blindar esses caudilhos.
Por enquanto, não se sabe o resultado final de um processo que abalou os
pilares do poder do futebol. Mas dificilmente o que foi iniciado poderá ser
revertido.
A revolta começou quando o suposto país do futebol questionou o esporte e
seus ídolos e se completaria um ano depois, com a ajuda da polícia de um país —
os EUA — que não tem por hábito suspender a vida e a morte por noventa minutos
para ver um jogo da Copa.
Se no Carnaval as máscaras servem para criar uma nova realidade, ainda
que temporária, a fantasia da Copa dessa vez apenas acentuou a realidade de uma
sociedade complexa, desigual e com profundos problemas sociais, mas que deixou
clara a recusa em ser tratada apenas como “torcedora”. E isso contaminou o
mundo do futebol.
Longe de ocultar, a máscara da festa do futebol que seduziu o mundo por
tantos anos acabou sendo insuficiente para esconder a existência de um saque.
No futebol, em mais de um século de história da Fifa, nunca o momento foi mais
legítimo como agora para uma transformação. Que a bola possa continuar rolando.
Mas que o berro sincero do torcedor se confunda com seu grito legítimo de um
protesto cidadão.
Sobre o autor:
Jamil Chade é
correspondente do jornal O Estado de S.
Paulo na Europa desde 2000. Com viagens a mais de 70 países, acompanhou
presidentes e papas, e esteve em campos de refugiados no Iraque, na Somália, em
Darfur e na Libéria. Já cobriu três Copas do Mundo, além de Olimpíadas e
Eurocopas. Publicou os livros “A Copa como ela é”, “Rousseff” e “O mundo não é
plano”, finalista do Jabuti e vencedor do Nicolas Bouvier, principal prêmio
jornalístico da Suíça. Em 2011 e em 2013, foi eleito o melhor correspondente
brasileiro no exterior pelo grupo Comunique-se. Em 2015, Chade foi convidado
para fazer parte de uma rede mundial de especialistas no combate à corrupção,
sob o comando da entidade Transparência Internacional. Ele vive em Genebra,
Suíça, e é pai de dois são-paulinos.
Se não bastase todos esses ladrões usufruindo do nosso futebol, ainda temos que aquentar a Globo com suas maracutaias.
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