Biografias de atletas que não pertençam ao mundo do
futebol são raras na literatura esportiva. O argumento é a “falta de apelo
popular”. Mas e no país em que o vôlei é praticamente o segundo esporte, em
número de público e conquistas? Então, a biografia de Giba, ultra medalhista no
esporte, no Brasil e no mundo, é de leitura obrigatória.
“Giba neles!”
(Globo Livros) é uma autobiografia em que o atleta assina a obra com o
jornalista Luiz Paulo Montes. A amizade entre ambos não deixou a obra “chapa
branca” (aquela em que só se vem as coisas boas da vida do biografado). Pelo
contrário. Logo no texto de apresentação (ver abaixo), Giba revela em detalhes um
dos episódios mais polêmicos de sua trajetória campeã: o dopping por maconha que poderia encerrar uma das mais brilhantes
carreiras do vôlei mundial.
Sinopse (da
editora):
Seis vezes escolhido o melhor jogador, dono de três
medalhas olímpicas, capitão da seleção brasileira. Giba trouxe muita alegria
aos torcedores com seu talento nas quadras e vai emocionar os brasileiros mais
uma vez ao contar a história de sua vida. O comentarista acaba de lançar Giba neles!, autobiografia escrita
em parceria com o jornalista Luiz Paulo Montes.
Sem medo de se expor, Giba fala sobre seu diagnóstico de
leucemia aos quatro meses de idade, de sua relação com a família e de um
acidente, aos 11 anos, pouco depois de descobrir sua paixão pelo vôlei. Se 150
pontos no braço pareciam o fim do sonho, para ele foi mais um desafio a ser
superado. Além das dificuldades que forjaram seu caráter e o estimularam a
seguir em frente, Giba conta os momentos emocionantes de sua carreira e comenta
episódios polêmicos como sua suspensão devido a um exame antidoping, na Itália,
em 2003.
Giba Neles!
revela a humanidade do ídolo ao falar da paternidade, das amizades e da
família. O esforço para se recuperar de lesões, as negociações delicadas com
times, a dedicação e o foco nos treinamentos. O Brasil viu Giba brilhar nas quadras,
conquistar títulos e fazer história. Sua biografia mostra os bastidores de suas
vitórias e derrotas. Em seu prefácio, o técnico José Roberto Guimarães, que
levou o jogado para a seleção brasileira, recomenda: “Não fuja do encontro com
um dos maiores ídolos do esporte brasileiro”.
Apresentação
(Por Giba e Luiz Paulo Montes)
Para começar, um
set decisivo
“É tudo
verdade, mãe.” Ela acabara de receber uma ligação de Glenda Kozlowski, repórter
da Rede Globo. “O que a senhora tem a dizer sobre o doping do Giba?” “Nada”,
respondeu ela. “Acho que há algum engano. Ele não foi pego no doping”,
completou. Solange Santamaria, minha mãe, ainda não sabia, mas eu, de fato,
havia sido flagrado em um exame feito no dia 15 de dezembro de 2002.
Minha mãe
estava ao lado de Marino, o italiano com o qual tinha se casado pouco mais de
um ano antes. Foi ele quem atendeu a ligação da repórter. Assim que conseguiu,
minha mãe foi à varanda e me telefonou. Atendi confirmando. Já sabia o que
havia sido publicado na imprensa, e ela só poderia estar me procurando para
saber se o que havia acabado de ouvir era verdade. E era. Não prolonguei a
conversa. Combinamos de falar sobre o assunto pessoalmente.
Dias antes,
eu tinha sido comunicado do caso pela direção do Estense Ferrara, meu clube na
época. Estava sozinho em casa, no centro da cidade. Meu telefone tocou, era
Alessandra Principi, manager do clube. “Senhor Giba, preciso que compareça
imediatamente ao escritório.” O trajeto de meu apartamento ao clube não era
longo. Alessandra me esperava em sua sala. Parecia aflita — e estava. A notícia
acabara de chegar aos dirigentes: meu teste havia dado positivo. O exame
encontrou o metabólito thc, da maconha, em minha urina.
O fim de
2002 estava complicado. Meu primeiro casamento, com a fisioterapeuta Fabiane
Pereira, com quem troquei alianças em 7 de maio de 2000, havia acabado. O lado
psicológico estava afetado. Em quadra, eu não rendia tudo o que podia — e que gostaria.
Eu tinha conhecido uma italiana, moradora de Ferrara, e haveria uma festa
naquele 14 de dezembro. Mas como sair de casa se teria jogo na tarde seguinte?
“Não vou”, disse a ela, “mas pode ir, vá curtir.” “Negativo. Se você não vai,
vou ficar aqui com você. Tudo bem?”
Uma festa,
na verdade, talvez fosse algo de que eu precisasse naquele momento. Para
relaxar, curtir, deixar de pensar um pouco nos problemas da vida, nos
obstáculos e percalços que surgiam a cada instante. Mas não naquele dia. Não
era a hora. Eu e a tal italiana ficamos em minha casa. Uma noite agradável,
deitados na cama, vendo um filme, tomando vinho. Minha cabeça estava longe.
A sensação
foi momentânea, e o que ficou foi a angústia, que me acompanhou durante alguns
dias, desde o momento em que realizei o teste. Sabia que daria positivo. Não
havia como escapar. O tempo foi passando, em uma semana sairia o resultado e a
bomba explodiria. Mas não explodiu. Quinze dias e nem sinal. “Não deu em nada”,
imaginei. Não tinha com quem desabafar. Não poderia jamais externar, para quem
quer que fosse, que eu havia fumado maconha na véspera de uma partida.
No dia
seguinte, foi difícil tirar aquilo da cabeça. A partida, marcada para as seis
da tarde, foi mais complicada do que imaginávamos. O Padova, nosso adversário,
estava apenas na 13ª e penúltima colocação do campeonato, enquanto nós
estávamos em sexto. Além disso, jogávamos com o apoio da nossa torcida, cerca
de 1.600 pessoas. Mas isso não tornou nossa vida fácil. Pelo contrário.
Ganhamos o primeiro set, perdemos o segundo, triunfamos no terceiro e eles
levaram o quarto. Vencemos no tiebreak. Saí de quadra como maior pontuador de
nossa equipe, com dezoito pontos. Gustavo Endres, companheiro de seleção, foi o
MVP — Most Valuable Player, o
equivalente a melhor jogador — do jogo. Durante a partida, porém, minha cabeça
não ficou cem por cento focada no que acontecia em quadra. No começo do
terceiro set, enquanto me preparava para receber um saque, vi a comissão de
antidoping entrando no ginásio. Foi uma das poucas vezes que permaneci em
quadra com a cabeça fora dela. Eles estavam ali para testar todos os 24 jogadores
inscritos na partida. E foi exatamente esse o problema: eu estava entre eles.
Não havia como fugir.
No dia 27 de
janeiro a notícia se espalhou. As agências internacionais logo dispararam o
texto para o mundo inteiro. Os sites brasileiros demoraram poucos minutos para
estampar em suas manchetes: “Giba flagrado no exame antidoping pelo italiano”.
Na Itália, a repercussão foi bem menor. Lá, a preocupação deles é muito maior com
o lado humano de cada um. Noticiaram meu erro sem maiores alardes ou
estardalhaços. Dias depois, ninguém mais falava nisso. Preocupavam-se mais em
publicar fotos minhas ao lado de minha mãe. Sinal de fortaleza. Eu estava bem
cuidado, bem acompanhado.
Foi pela
imprensa que minha mãe e todos os familiares e amigos souberam de meu erro. Aos
poucos recebi ligações e mensagens de apoio. Todos dizendo que estavam a meu
lado e pedindo que não abaixasse a cabeça. De fato, todos ficaram comigo. Na
época, as redes sociais não eram tão difundidas, o que não permitia tanto o contato
entre fãs e atletas. Se fosse hoje, sei que seria massacrado publicamente —
ainda assim, no Brasil algumas pessoas me tacharam de maconheiro. Eu, como
exemplo para muitos, não poderia ter feito aquilo. Mas sou humano. Todos erram.
Que atire a primeira pedra aquele que jamais cometeu um erro em sua vida.
Fui suspenso
provisoriamente pela minha equipe até que houvesse o julgamento. O Comitê
Olímpico Italiano recomendava a suspensão de oito meses, o que provavelmente me
deixaria fora dos Jogos Pan-Americanos de 2003, em Santo Domingo. No Brasil,
falava-se até em dois anos de exclusão das competições. Minha carreira corria
risco. Recebi, na Itália, a visita de Bernardinho, que tinha compromisso marcado
e esticou a viagem para nos encontrarmos. Ele me deu um voto de confiança.
Disse que estava a meu lado e pediu que aquele erro jamais fosse repetido.
Pediu também que, aos poucos, eu cortasse o cigarro.
Minha mãe
chegou de Módena e conversamos sobre a minha suspensão. Ela jamais brigou
comigo por meu ato. Mas não passou a mão na minha cabeça. “Mãe, e agora? Minha
carreira vai acabar.” “Não vai. Errou? Agora pegue o avião, vá ao Brasil e se
desculpe publicamente. Sobretudo com as crianças, que se espelham em você.” Prometi
a ela que pensaria no assunto. “Não tem o que pensar. Vá, admita seu erro e se
desculpe. Você tem muitos fãs. Embarque e vá conversar com a imprensa.”
De longe, eu
entrei em uma espécie de retiro. Mudei meu número de telefone para acabar com
as ligações insistentes de jornalistas brasileiros. Já tinha decidido que não
falaria com ninguém exclusivamente. Quando falasse, seria na coletiva que Ary
ficou de organizar por meio da CBV. Mas ela só aconteceria após a divulgação da
minha punição pela Federação Italiana. Enquanto isso, fiquei afastado dos
jogos, mas continuava concentrado nos treinos. Minha mãe e Marino estavam
sempre a meu lado, hospedados em casa, inclusive. Não me deixavam sozinhos.
Impedido de jogar, não deixei de acompanhar a equipe nas partidas. E lá estavam
eles comigo. Especialmente minha mãe, que saiu em diversas fotos de jornais a meu
lado. Mesmo em viagens — as relativamente curtas, de até cem quilômetros —, eu
ia acompanhado. O importante era que eu não tivesse espaço. Não para uma
recaída, pois quanto a isso eu estava bem decidido. Mas para ficar cabisbaixo,
chateado. O fundamental era pensar no futuro. A vida tinha de caminhar. Ainda
tinha muito a dar ao vôlei. E o vôlei a mim.
Sobre o autor:
Luiz Paulo Montes é
jornalista, foi repórter de jornal e mídia online, trabalhou em alguns dos mais
importantes veículos de imprensa do país. Fã de Giba desde a infância, hoje é,
mais do que seu assessor pessoal, um grande parceiro e irmão de consideração.
show de bola.giba neles
ResponderExcluir