Um dos maiores
camisas 10 de todos os tempos do futebol mundial, Rivellino, tem agora mais uma
obra para entrar na história da literatura esportiva brasileira. “Rivellino”
(Editora Contexto) foi escrito pelo experiente jornalista Maurício Noriega. Um
livro para conhecer, “por dentro e por fora”, um dos grandes gênios do planeta
bola.
Sinopse (da editora):
Conhecedor
profundo de futebol, o jornalista Maurício Noriega nos conta a vida e a
carreira de um dos maiores jogadores do futebol brasileiro.
Os fãs descobrirão
os bastidores da vida do Roberto e saberão como o menino que saiu da várzea de
São Paulo se transformou no grande Rivellino, destaque até na maior seleção de todos
os tempos.
“É claro que
ele está na lista dos cinco melhores jogadores da história do futebol! Até hoje
eu cito o Riva em minhas entrevistas como um craque fora de série. Era muito
habilidoso, tinha uma grande visão de jogo e também era um excelente cobrador
de faltas. Pelo Santos, todas as vezes que íamos jogar contra ele, tinha um
jogador especialmente escalado para marcá-lo.”
– Pelé
– Pelé
Apresentação
Por Maurício Noriega
A cobrança,
em tom ríspido, mas sem disfarçar certo ar de galhofa, me fez rir e sentir uma
pontinha de orgulho. Fiquei imaginando se era assim que ele cobrava seus
companheiros em treinamentos ou em jogos com as camisas do Brasil, do
Corinthians, do Fluminense.
A
cena foi reproduzida todas as manhãs em que eu o encontrei para enfileirar
entrevistas como ele enfileirava adversários. Cena e cenário se repetiam em seu
refúgio. Uma pesada porta de ferro afasta os sons frenéticos da metrópole. Em
meio ao silêncio e ao canto dos pássaros, ele devora as páginas esportivas do
jornal, banhado pela luz do sol. Aproveitando-se do transe informativo do dono,
um papagaio sai da gaiola e, sorrateiramente, busca a porta. O bicho só não
conta com a visão espacial privilegiada do leitor, que rapidamente se levanta,
gira o corpo e, em tom duro, mas com carinho de dono, ordena que a ave retorne
à gaiola, não sem ouvir uma bronca.
“Ele
acha que pode me enganar”, gaba-se, enquanto brinca com o animal. Embora a
paisagem tenha mudado radicalmente em mais de 50 anos, ele conhece cada
centímetro daquele território. Desde os tempos em que em vez de carros corria
um riacho do outro lado da porta de ferro. Tempos em que havia campos de
futebol de várzea onde hoje existem viadutos, pontes e centros comerciais.
Embora
haja futebol por todos os lados, nada naquele ambiente sugere fausto,
ostentação, mesmo que nas fotos desfilem legítimos integrantes da realeza dos
craques – como ele, o interlocutor de dezenas de entrevistas e bate-papos que
foram o material fundamental para este livro. A proposta aqui é fazer um perfil
do jogador e buscar os motivos que o transformaram em mito.
Não
haveria lugar melhor para vasculhar a história de um dos maiores gênios do
futebol. Foi respirando aqueles ares e vendo aquela paisagem, hoje
definitivamente transformada, que o garoto Roberto aprendeu os truques que o
tornaram Rivellino, o Reizinho do Parque, a Patada Atômica, o maior jogador do
Fluminense, o campeão do mundo pela seleção brasileira de 1970.
Convido
o leitor a embarcar comigo nessa viagem ao tempo de um futebol iluminado, sob o
comando da canhota mais reverenciada de todos os tempos. No caminho, minha meta
é tentar explicar por que gente como Maradona, Zidane, Platini e Beckenbauer,
só para citar alguns, idolatra Rivellino; além de buscar as razões pelas quais
o futebol brasileiro desaprendeu a nos brindar com jogadores como ele. A
mudança de um país rural para urbano, o negócio se impondo sobre o jogo e a
tendência a copiar o modelo de jogo europeu aparecem como os principais
“marcadores”.
Boa
viagem!
Literatura
na Arquibancada destaca abaixo o início do primeiro capítulo da obra. A versão
completa da degustação deste primeiro capítulo você encontra no site da editora
em http://editoracontexto.com.br/lancamentos/rivellino.html
De canoa. Para ver o ídolo Chiquita
De como o garoto Roberto
descobriu o futebol nas ruas e nos campos de
várzea de uma São
Paulo que não existe mais.
É
difícil acreditar que onde hoje há asfalto e veículos corria o leito de um
riacho cujas águas límpidas se espalhavam numa várzea em tempos de cheia. O
córrego desaguava no rio Pinheiros, que até os anos 1960 era sinuoso como a
natureza projetara – seu curso ainda não havia sido retificado pelo ser humano.
A
cidade de São Paulo da transição dos anos 1940 para 1950 ainda era provinciana,
com poucos ares de metrópole. Era possível, por exemplo, ir de canoa de uma
casa no bairro conhecido como Brooklin Paulista, próximo de onde fica o Esporte
Clube Banespa, até as margens do rio Pinheiros. O local era infestado por
nascentes cujos cursos de água seguiam até dois vales.
Ali
transformados em rio, eles finalmente alcançavam seu destino final, o
Pinheiros. Daí veio o termo “águas espraiadas”, que era o nome da avenida
atualmente chamada de Roberto Marinho.
Entre
uma pescaria e outra no riacho, a diversão da molecada era ir de canoa até os
campos de futebol de várzea que ficavam à beira do rio Pinheiros.
Recém-chegados da Aclimação, bairro mais próximo do Centro, os irmãos Abílio e
Roberto se adaptaram rapidamente ao novo bairro e engrossaram a turma da rua
Joaquim Guarani, que acompanhava alguns dos principais clássicos de várzea da
Zona Sul de São Paulo, nos quais se reuniam times lendários como América de
Santo Amaro, Vila Carmem, Durex, Minister. Brilhavam ídolos daqueles moleques
com os pés enlameados – craques de fama local, como Chiquita e Airton.
Galinha
para um lado, pena e milho para outro; um escarcéu no quintal da família que
rendeu uma bela bronca do patriarca e proprietário do galinheiro, Nicolino, que
descansava lendo no jornal as notícias de seu time, o Palmeiras.
Foi
assim, sem glamour
ou grandes
planos, que teve início a saga de um dos maiores jogadores de futebol de todos
os tempos. Seguramente um dos dez melhores e mais marcantes artistas desse jogo
apaixonante.
O
destruidor do galinheiro do seu Nicolino foi o filho Roberto Rivellino, que
cerca de 15 anos mais tarde seria conhecido como Reizinho do Parque e Patada
Atômica. A transformação do futebol de brincadeira de rua em profissão
aconteceu naturalmente. Nada foi sonhado nas noites de infância e adolescência.
“Quando era garoto, nunca pensei que seria jogador de futebol, que chegaria a
jogar em times grandes e na seleção brasileira. Eu gostava de jogar bola na
rua, nos campinhos de terra, como qualquer moleque da minha idade. Nada mais do
que isso”, recorda, simples assim.
Eu
sempre gostei de jogadores que tratavam bem a bola, com categoria, batiam com
estilo. Lembro-me desses caras da várzea, do Chiquita, do Airton, e também
gostava do que falavam do Zizinho, do Didi. Mas não posso dizer que foram minha
inspiração.”
A
vida corria tranquila na região conhecida como Baixada do Brooklin Paulista. O
clã chefiado pelo patriarca Biaggio Rivellino, avô paterno de Roberto, era
proprietário de uma vasta área que ia do cruzamento das atuais avenidas Santo
Amaro e Vicente Rao até
quase a margem do rio Pinheiros.
As
peladas não tinham times definidos, era tudo na base da brincadeira. A única
regra pregava que os irmãos Abílio e Roberto não podiam atuar no mesmo time,
porque era covardia. Abílio era ponta-direita. Rápido e driblador, humilhava os
marcadores com extrema facilidade. O canhoto Roberto era hábil, inteligente e
chegava a machucar com a força de seu chute. “Uma vez eu quebrei o braço de um
menino com meu chute. Tinha um amigo nosso chamado Maurício, que era
descendente de índios e ficava com aquela porra do arco e flecha o dia inteiro.
Aquilo me irritava. Um dia peguei uma varada e acertei a cabeça dele, que
desmaiou. Falavam que eu tinha matado o Maurício, que seria preso. Eu chorava
feito um desesperado”, recorda.
Quem
organizava as peladas, com a condição de que Abílio e Roberto estivessem em
equipes diferentes, era um senhor que fazia questão de ser chamado pelo nome
completo: Maurício Celso de Rezende Simões. Ele apitava os jogos, expulsava
jogadores e gostava de interromper e orientar os jovens atletas quando entendia
que tinham feito alguma coisa errada. Gabava-se para os amigos dizendo que
tinha ensinado Rivellino, o Roberto, a chutar de perna esquerda.
A
versão de Simões é contestada pela memória de Roberto. “Nunca ninguém me
ensinou a chutar. Claro que você aprende muita coisa, mas o meu chute é dom, é
natural; eu fui aprimorando jogando na rua, na várzea e depois nos clubes.
Tenho fotografias de quando tinha 3, 4 anos de idade e já tinha a postura de
bater na bola que eu mostrei depois como profissional”, afirma.
Um
diretor do Banespa viu Rivellino jogando futebol na rua Joaquim Guarani, onde a
família vivia, e convidou ele e os amigos para uma partida contra o time de
futsal (à época, futebol de salão) do clube. “Demos uma porrada neles com nosso
time, que só tinha moleque de rua. Gostei do salão e comecei a jogar também no
campo, pelo juvenil do Banespa”, lembra. Apesar da nova rotina, o futebol era
apenas mais uma entre muitas brincadeiras. “Eu não ficava curtindo futebol no
rádio, eu queria jogar bola. Gostava de um time – no meu caso, esse time era o
Palmeiras – mas não ficava ligado nos jogos. Ia jogar minhas peladas. Ou ficava
no peão, na pipa”, conta. A paixão pelo Palmeiras vinha da família de origem
italiana. Seu Nicolino fazia questão de ressaltar que era Palestra. Roberto
tinha um papagaio chamado Totó, a quem ensinou gritar “gooooooool do
Palmeiras”.
“Quando
eu era garoto, o Palmeiras veio treinar no Banespa. Eu subia na cerca, pulava o
muro, queria ver Valdir de Morais, Djalma Santos, Aldemar, Waldemar, Zequinha,
Chinesinho, Vavá, Romero, Ferrari. Nunca neguei que eu era palmeirense; somos
descendentes de italianos.”
Claro
que a família Rivellino também ia aos estádios. Para o jovem Roberto, dois dias
de arquibancada ficaram marcados na memória. “Lembro-me da inauguração do
Morumbi, tinha muita gente. Mas nunca me esqueço de ter visto um Santos e
Botafogo, no Pacaembu. Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe no Santos.
Garrincha, Didi, Quarentinha, Amarildo e Zagallo no Botafogo. Foi 4 a 2 para o
Botafogo. Eu ali, moleque, olhando Pelé, Garrincha, Didi...”, recorda,
nostálgico.
O
sucesso no futsal do Banespa e no futebol de campo do clube Indiano transformou
Roberto em uma espécie de celebridade entre os caçadores de talento do futebol
paulistano. Seu chute com a perna esquerda chamava a atenção dos olheiros dos
grandes clubes.
Até
que os dois maiores rivais do futebol paulista, Corinthians e Palmeiras,
travaram mais uma de suas muitas batalhas. Dessa vez, não apenas pelos pés, mas
também pelo coração de um jovem craque.
Sobre o autor:
Maurício Noriega,
paulista de Jaú, cidadão de Bariri, é jornalista formado pela Faculdade Cásper
Líbero de São Paulo, com Master em Jornalismo Digital pelo Instituto
Internacional de Ciências Sociais. Em mais de 25 anos de carreira, trabalhou
nos jornais Folha da Tarde, Diário Popular, A Gazeta Esportiva, Lance!
e na Rádio Bandeirantes. Organizou a operação editorial brasileira do portal
esportivo internacional SportsJÁ! Participou de diversas coberturas
internacionais, entre elas Jogos Olímpicos, Jogos Pan-americanos, Copa América,
Eurocopa, Copa do Mundo, GPs de Fórmula 1, Atletismo e Mundiais de Vôlei e
Basquete. Desde 2002 é comentarista e apresentador do canal SporTV, com
passagem pelo jornal Bom Dia São Paulo, da Rede Globo. Ganhou por cinco vezes
(2005, 2006, 2007, 2010 e 2011) o prêmio Ford/Aceesp de melhor comentarista
esportivo. Pela Editora Contexto, publicou os livros Os 11 maiores técnicos do
futebol brasileiro e Oswaldo Brandão.