Assim como no Brasil, o México tem um povo apaixonado
pelo futebol. E um de seus grandes escritores, consagrado no país e pelo mundo,
Juan Villoro, construiu uma história, classificada como literatura
infanto-juvenil, mas que encanta a todos os tipos de leitores.
“O estádio dos desejos” (Editora Terceiro Nome) conta as
peripécias do garoto Arturo, fanático por futebol, mas que nunca viu a seleção
de seu país vencer um jogo. Para tentar reverter essa situação, Arturo recorre
ao pai, um cientista, para tentar descobrir uma “fórmula mágica” para a
vitória.
O livro teve a tradução de Eric Nepomuceno e ilustrações
de Francisco França.
Apresentação
Juan Villoro é um dos maiores, senão o maior escritor
mexicano da atualidade. Aliás, essa afirmação é fácil de confirmar: ele mede
quase dois metros de altura.
Acontece que ele é também um dos maiores em todos os
sentidos, e confirmar isso é igualmente fácil: basta ler o que ele escreve.
São romances, contos, ensaios, histórias infanto-juvenis e
peças de teatro – e tudo que Villoro faz tem recebido a admiração e o carinho
dos leitores, bem como elogios da crítica.
Alguns de seus livros, como o romance Arrecife e o infanto-juvenil O livro selvagem, já foram publicados
no Brasil. Assim como eles, os romances Llamada
de Amsterdam e El testigo, os
contos de La noche navegable e Los culpables e o infanto-juvenil Cazadores de croquete, estão entre os
mais bem-sucedidos da sua geração de autores latino-americanos.
Prestigiado e premiado, respeitado e reconhecido,
agradece todas essas honras, educado que é.
Mas Villoro faz questão de ressaltar que, no fundo, no
fundo, seu verdadeiro ofício é torcer apaixonadamente pelo Necaxa, um time da
segunda divisão do futebol mexicano.
Muito mais que seu diploma de sociólogo, seu amplo e
vasto trabalho jornalístico, sua trajetória consistente e variada, os dois
grandes orgulhos de sua vida são torcer pelo Barcelona (seu pai, o grande
filósofo Luis Villoro, nasceu na Catalunha e se exilou no México logo depois da
Guerra Civil Espanhola), time ganhador, e pelo Necaxa, time perdedor.
Porque ele sabe que a vida é exatamente assim, feita de
vitórias e derrotas. E que o importante é torcer, ou melhor, viver.
Enquanto vive e torce, Villoro escreve – para alegria de
todos nós. Boa prova disso é esta pequena
joia chamada O estádio dos desejos.
Um estádio
formidável
Por Juan Villoro
![]() |
Arte: Chico França |
No quarto de Arturo havia um globo terrestre. Antes de ir
dormir, ele acariciava o globo e o fazia girar. Gostava do globo porque parecia
uma bola de futebol.
Quando comia, quando tomava banho e quando dormia, Arturo
imaginava gols possíveis e impossíveis. Seu pijama tinha o número 9 e as cores
do Atlântida, seu time favorito.
Ficava fascinado quando ia com o pai ao estádio
Atlântida, o maior e mais moderno da cidade, onde também jogava a seleção.
A arquibancada se enchia de gente enlouquecida e contente
que pintava a cara e tocava tambores, cornetas e apitos num tremendo alvoroço.
Cem mil gargantas gritavam quando alguém fazia um gol e cem mil narizes
deixavam de respirar quando o juiz marcava um pênalti.
O estádio do Atlântida tinha uma cobertura prateada onde
quatro falcões faziam ninho. Os ferozes falcões eram chamados de Pelé, Maradona, Di Stéfano e Pancho. Os três primeiros falcões tinham
nomes de jogadores históricos; o quarto tinha o nome de um centroavante de que
todo mundo gostava muito, mas que nunca tinha ganhado um campeonato.
Pancho era o camisa 9 do Atlântida e da seleção. No pátio
do colégio, Arturo tentava imitar sua célebre jogada do cavalinho adormecido, ou seja, ficar quieto feito um cavalo que
dorme de pé e arrematar a jogada com um chute de calcanhar, com a força de um
corcel que dá um coice.
Pancho tinha dribles incríveis. Tinha passado a bola no
meio das pernas do alemão Peter Kaspa, conhecido como Mel de Arsênico, tinha feito Ivo Tundaz, zagueiro húngaro conhecido
como Gulash, o Terrível, dançar uma valsa, e tinha metido um gol de peixinho em
Tito Granola, o goleiro argentino de formosa cabeleira que todo mundo chamava
de Cabelinho de Anjo.
Arte: Chico França |
Infelizmente, a seleção precisava de mais do que isso
para ganhar.
O querido Pancho era quem dava mais autógrafos e em todos
fazia o desenho de um cavalinho com os olhos fechados. Era desconhecido no
mundo, mas adorado no estádio Atlântida. E isso explicava o fato de um dos
falcões levar seu nome.
O trabalho dos falcões, aves de rapina, consistia em
afastar os intrusos. O estádio do Atlântida tinha grama de qualidade e sementes
saborosas. Por isso, os pássaros gostavam de bicar o gramado, e volta e meia
cruzavam o campo justo quando a bola zunia rumo ao gol. Para evitar esses
choques, nos dias de jogo os falcões ficavam à espreita, lá em cima, assustando
os pássaros gulosos e famintos.
Era fácil identificar os falcões: Pelé era negro;
Maradona, gordo; Di Stéfano, careca; e Pancho, brincalhão (era o único que
sabia voar de ponta-cabeça).
Arturo sonhava ser um grande centroavante. Era bom
cabeceando, chutava bem com a perna direita e estava aprimorando seu toque com
a canhota. Essas habilidades tinham feito dele o artilheiro da escola. Mesmo
assim, seu pai dizia:
– Futebol, a gente joga com a mente.
O pai de Arturo era o doutor Jerónimo Gómez, um cientista
especializado em magnetismo. Tinha fabricado uns ímãs famosos e, além disso,
era conselheiro da seleção.
Antes das partidas, ele descia para o vestiário e dizia
aos jogadores:
– Rapaziada gloriosa, o futebol é um esporte magnético: a
bola chega para quem mais a deseja!
Os jogadores ficavam observando com olhos arregalados.
Depois coçavam a cabeleira e esfregavam as tatuagens, sem entender direito o
que aquele sábio dizia.
Nem sempre era fácil captar as ideias do doutor
Gómez. O filho Arturo tinha conseguido
entender o seguinte: a Terra tem uns ímãs que atraem os metais, mas o
magnetismo mais forte está no interior das pessoas.
– Se você se concentrar de verdade, as coisas vão chegar
até você – dizia o pai de Arturo. – Como é que você acha que eu conquistei sua
mãe?
Arturo gostava de uma menina chamada Sofia. Quando ela
atravessava o pátio do colégio, podia sentir sua presença, mesmo se estivesse
de costas ou concentrado numa jogada para garantir o domínio da bola.
– Existem pessoas cuja presença a gente percebe sem
precisar olhar para elas – comentava o doutor Gómez.
Emocionado com suas próprias teorias, passava as mãos
pela cabeleira e se despenteava ao afirmar:
– No Japão, os melhores arqueiros disparam suas flechas
com os olhos fechados. O alvo é uma coisa que a gente sente. A pontaria está
dentro da gente. Se você quiser alguma coisa, querendo com força você consegue.
O magnetismo é a ciência da atração.
Será que era verdade o que o doutor Jerónimo Gómez dizia?
De noite, Arturo sonhava que estava em campo. Lá no
fundo, via a bola. “Eu quero muito você”, pensava, e a bola rolava até seus
pés, como um cachorro que volta para o seu dono.
Sobre o autor:
Juan Villoro
nasceu em 1956 na Cidade do México e é um dos intelectuais latino-americanos
mais ativos da atualidade. Sociólogo, jornalista, tradutor e professor
universitário, já recebeu diversos prêmios por seu trabalho. Tem mais de trinta
livros publicados em diversos gêneros, como romance, ensaio e teatro e escreve
para revistas como Letras Libres e Etiqueta Negra, além dos jornais El País e Reforma. Assim como Arturo, o
protagonista de O estádio dos desejos, Villoro é
apaixonado por futebol. Torce pelo Barcelona (seu pai, o filósofo Luis Villoro,
nasceu na Catalunha e se exilou no México depois da Guerra Civil Espanhola) e
pelo Necaxa, time da segunda divisão do campeonato mexicano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário