Ainda são
poucos, mas lentamente autores brasileiros começam a explorar o gênero romance
na literatura esportiva. A conquista do prestigiado prêmio Portugal Telecom
2013, com o livro “O Drible” (Companhia das Letras), de Sérgio Rodrigues,
talvez estimule muitos escritores a explorar a ficção no universo do futebol
brasileiro.
É o que fez o
mineiro Vinícius Neves Mariano com o seu “Empate”,
livro de estreia do escritor, mas que ainda depende de um “pequeno empurrão”
para se tornar “realidade”. É que a editora responsável pela publicação, a
Simonsen, construiu uma bela campanha de financiamento coletivo para a obra.
Você pode participar acessando o link a seguir:
Ficamos honrados: http://youtu.be/HG_0nLbNoMo
Abaixo, você confere a sinopse da obra e
ainda trecho do primeiro capítulo de “Empate”.
Sinopse (da editora)
O romance
histórico tem início quando o protagonista, sem resistir à superlotação do Maracanã
naquela tarde de 1950, cai dentro do fosso que separa as arquibancadas do
campo. Com ele cai também outro homem, de personalidade completamente oposta.
Juntos eles terão que imaginar o momento histórico que está acontecendo a
poucos metros de suas cabeças.
“É um livro de
vingança. Tudo o que Aureliano, o protagonista, quer é que o Brasil sofra um
golpe tão duro quanto o que ele levou. Mas como toda boa trama de vingança,
esta também é uma história de redenção.”, afirma Vinícius Neves Mariano,
autor da obra.
“Os nomes de
Zizinho, Ademir e Jair sambavam em profecias despudoradas. Gritos jogavam gols
para cima como quem joga confetes no salão. O burburinho alegre embriagava qualquer
um de esperanças. Estavam todos convencidos de que o jogo seria uma
formalidade; o título era uma flor que certamente desabrocharia depois dos
noventa minutos desnecessariamente obrigatórios.”
Foi essa combinação de linguagens que chamou a atenção da
editora:
“É um livro
cinematográfico. O trabalho de reconstrução do estádio tem detalhes tão nítidos
e vivos que podem ser acompanhados por uma câmera. Mas, ao mesmo tempo, tudo é
descrito com o viés traumatizado de um personagem.”, confirma Rodrigo
Simonsen, editor do livro.
“Foram meses de pesquisa intensa. Hoje sinto que visitei o Rio de Janeiro de 1950.
Sou uma daquelas 200 mil pessoas que assistiram a esse jogo”, conta o autor.
Empate será
lançado via financiamento coletivo, uma estratégia escolhida pela editora para
reduzir os riscos.
Segundo Rodrigo Simonsen, “o financiamento coletivo é um
caminho mais seguro para publicar novos talentos”.
Capítulo 1
Aureliano parou
diante da rampa de acesso e tirou a carteira de cigarros do bolso esquerdo do paletó
– cigarros
no esquerdo, chaves no direito. Desejou que fosse um Yolanda. A mulher loira da
embalagem amarela, de lábios formosos e pescoço delgado, foi sua companhia
feminina mais fiel nos campos de batalha. Yolanda. Cabelos cacheados, sobrancelhas
grossas e a inscrição “Cia de Cigarros Souza Cruz”
logo abaixo, que impedia a
fantasia de ir longe demais. Yolanda. Acendeu pensando sobre quão patético era sentir
saudade de uma embalagem de cigarro. Que bom que era um Continental.
O fumo queimou em
um laranja vivo e um fio de fumaça dançou provocante diante de seu rosto indiferente.
Por trás da pequena cortina branca que se desfazia frustrada, revelou-se o olhar apertado
de um Aureliano completamente tomado pelo tamanho da construção. “O maior do mundo”, como chamavam-no com pretensão e orgulho pelas ruas,
parecia ser capaz de guardar o próprio mundo em si. Um ano antes havia lido por
aí que Jules Rimet comparava as obras do estádio à construção do Coliseu, na Itália, “pela majestade de sua concepção
arquitetônica”, ou qualquer exagero
do tipo. Na época, descartou o delírio senil. Hoje, contudo, Aureliano compreendeu
o que o velho havia sentido.
Agora o Rio
Maracanã estava canalizado e o estádio se agigantava sobre as residências assustadas do
bairro. O entorno era só entulho. A construção parecia ter brotado da terra, rasgando
o solo em ferimentos ainda expostos. O verde de outrora virou cinzas. Na falta
de cores, lembrou-se de ler nas páginas rosas do Jornal dos Sports a campanha incessante de Mário Filho em
prol daquela construção: “O Rio de Janeiro precisa de um estádio à sua altura”, argumentava
o jornalista. Aureliano se questionou, diante da grandiosidade da obra que
tomava sua vista, se o Rio de Janeiro, ou o Brasil, estavam à altura daquele estádio.
Tinha como certo que não.
Aureliano deu
uma última tragada em seu cigarro e o atirou no chão. Eram quinze para as oito da manhã. Um
homem que passava por ele se abaixou, apanhou o cigarro e fumou, sem nem olhar
para seu antigo dono. Ainda parado, Aureliano observou a cena enquanto soltava a fumaça do
último trago pelo nariz. O homem andava apressado; nem os esbarrões em outras
pessoas o faziam diminuir o passo. Aureliano o seguiu com os olhos – só assim podia
seguir alguém tão ligeiro, e entendeu que até a bituca do seu cigarro entraria no
campo primeiro que ele.
Perdeu de vista
o homem que levara seu cigarro e voltou a si. Se queria ser testemunha da vingança que
tanto desejava, teria que encarar aquela subida. Com a perna esquerda, deu o
primeiro passo em direção aos portões de entrada. Atrasada e fraca, vinha a
direita, desritmada, no contratempo do que lhe era natural. Era este seu
compasso: esquerda e direita politicamente desencontradas. Aureliano havia sido
forjado em um homem cujo até o andar é conflituoso.
Pouco depois da metade
da rampa, parou atrás da multidão aglomerada ante ao portão de ferro trancado. A
perna manca já começava a sentir o esforço; Aureliano se curvou para massagear
a coxa dolorida. Seus sapatos pretos já tão desgastados agora estavam sujos com
a poeira das obras inacabadas do estádio. Não eram só os seus. Todos ao seu
redor tinham as calças e os sapatos empoeirados. A poeira os fazia iguais. Era
parte da massa, como um rebanho marcado pela imundice. Maldito Ary Barroso. Ele
era um dos culpados. Tinha que continuar é compondo música e não fazendo política.
Conseguiu apoio quase irrestrito da população em uma discussão com Carlos
Lacerda sobre a relevância da obra para o país. Encomendou uma pesquisa que revelou
que o mesmo povo que hoje sobe a rampa se sujando de terra porque essa
monstruosidade não ficou pronta a tempo estava
até disposto “a arcar com algum sacrifício” para
que o maior estádio do mundo fosse erguido no Rio de Janeiro. Aureliano lembra-se
de ter rido quando leu sobre isso nos jornais. O que essa gente sabe sobre
sacrifício? Maldito Ary Barroso. Maldita Aquarela ufanista.(...)
Sobre o autor:
Vinícius Neves Mariano é publicitário, roteirista e agora escritor.
Trabalhou por anos como redator em algumas das principais agências de
publicidade do país antes de se especializar em
roteiro para cinema e
televisão. Como roteirista, além de outros trabalhos, foi co-criador de Várzea,
série de TV lançada em 2014.
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