Mais um “livraço” do
corintianíssimo Celso Unzelte está na área. “20 Jogos Eternos do Corinthians” é mais um título da Coleção Memória de
Torcedor, da Maquinária Editora. Os jogos foram escolhidos por corintianos
ilustres (como se precisasse ser ilustre para ser corintiano de verdade!).
Há jogos para relembrar para todos os gostos e épocas. O que importa é
recordar ídolos envolvidos nessas histórias como Luizinho Pequeno Polegar,
Sócrates, Neto, Marcelinho Carioca e tantos outros. “Costurando” as histórias,
todo o contexto político e social dos “jogos eternos”.
Literatura na Arquibancada agradece ao autor, Celso Unzelte, pela cessão de
um dos capítulos da obra para divulgação.
Uma noite em 77
Por Celso Unzelte
Não foi só uma noite, aquela noite de 13 de outubro de 1977.
Foram 22 anos, oito meses mais sete dias e sete noites como aquela, contados,
um a um, a partir de 6 de fevereiro de 1955. Tempo suficiente, por exemplo, para
o Brasil ter sete presidentes da República: Juscelino Kubitschek, Jânio
Quadros, João Goulart e os militares Castello Branco, Costa e Silva, Médici e
Geisel. Fora os interinos Café Filho, Carlos Luz, Nereu Ramos, Ranieri Mazzilli
(esse duas vezes) e a Junta Provisória formada pelos ministros do Exército, da
Marinha e da Aeronáutica que governou o país por dois meses em 1969.
Naquele período, o mundo conheceu
três papas — Pio XII, João XXIII e Paulo VI. Foram disputadas seis Olimpíadas
(em Melbourne, Austrália, 1956; Roma, Itália, 1960; Tóquio, Japão, 1964; Cidade
do México, 1968; Munique, Alemanha, 1972; e Montreal, Canadá, 1976) e cinco
Copas do Mundo (Suécia 1958, Chile 1962, Inglaterra 1966, México 1970 e
Alemanha Ocidental 1974), das quais o Brasil ganhou três. Deu tempo para os
húngaros, em 1956, e os tchecos, em 1968, se rebelarem e serem sufocados em
seguida pelo regime soviético.
Em 1957, a própria União
Soviética colocou em órbita o Sputnik, primeiro satélite artificial. Em 1958,
surgiu nos Estados Unidos a boneca Barbie. Em 1959, a revolução comandada por
Fidel Castro assumiu o poder em Cuba. Em 1960, Brasília foi inaugurada e a
capital do país deixou de ser o Rio de Janeiro. Em 1961, ergueu-se o Muro de
Berlim, separando as Alemanhas Ocidental e Oriental. Em 1962, foram fabricados
os primeiros disquetes para computadores. Em 1963, o presidente americano John
Kennedy foi assassinado. Em 1964, eclodiu no Brasil o golpe civil-militar que somente
treze anos depois começava a dar sinais mais evidentes de distensão. Em 1965,
surgiu a Jovem Guarda, movimento musical liderado por Roberto Carlos. Em 1966,
os americanos foram às ruas para protestar contra a Guerra do Vietnã.

Em 1967, da África do Sul, o
doutor Christian Barnaard realizava o primeiro transplante de coração,
inspirando também o casal Manoel Ferreira e Ruth Amaral a compor a marcha de
Carnaval Transplante de Corinthiano. Gravada
pelo apresentador de TV Sílvio Santos, a música dizia:
Doutor, eu não me
engano, o coração é corintiano.
Doutor, eu não me
engano, o coração é corintiano.
Eu não sabia mais o
que fazer, troquei o coração, cansado de sofrer.
Ai, Doutor, eu não
me engano, botaram outro coração corintiano.
Em 1968, estudantes protestaram
nas ruas de todo o mundo, enquanto no Brasil foi baixado o terrível Ato
Institucional número 5, instrumento da ditadura que suspendia vários direitos
constitucionais dos cidadãos e permaneceria em vigor por quase dez anos, até 13
de outubro de 1978. Em 1969, o homem chegou à lua, com o americano Neil
Armstrong. Em 1970, os Beatles se separaram. Em 1971, começou a Era de Aquário,
preconizada pelos hippies. Em 1972, a TV em cores chegou ao Brasil. Em 1973, um
outro golpe militar, dessa vez no Chile, depôs o socialista Salvador Allende.
Em 1974, abalado pelo escândalo de espionagem que ficou conhecido como
Watergate, o presidente americano Richard Nixon foi obrigado a renunciar. Em
1975, finalmente terminou a Guerra do Vietnã. Em 1976, começou a ser
comercializado nos Estados Unidos o Apple I, primeiro modelo de computador
pessoal.
“É, 22 anos foi mesmo tempo
suficiente pra acontecer muita coisa. Menos para o Corinthians voltar a ser
campeão.” Era só nisso que ele conseguia pensar enquanto dirigia o Fusca
azul-calcinha na direção do Estádio do Morumbi, com o filho e a futura nora no
banco de trás. Quantas vezes na vida havia repetido aquele ritual? Na maioria
delas, é verdade, o destino foi outro, em geral o Pacaembu, pois até 1960 o
Morumbi nem sequer existia e até 1970 era pouco utilizado. Muitas dessas vezes aconteceram
sem o filho, que ainda nem havia nascido, e sem o Fusca, que só pôde ser
comprado em 1971. A futura nora, então, ele estava levando ao estádio pela
primeira vez justamente naquela noite em que o Corinthians decidiria o título
de campeão paulista de 1977 contra a Ponte Preta. Será que a mocinha ia dar
sorte?

Naqueles mais de 22 anos, sua
vida também tinha mudado bastante. Havia concluído o curso técnico em
contabilidade, se casado, se tornado pai e agora estava às portas da
aposentadoria. A paixão, no entanto, foi sempre a mesma. Levava-o a perseguir
por mais de duas décadas uma alegria que teimava em não voltar. Orgulhava-se de
ter estado no Pacaembu naquele fim de tarde de 6 de fevereiro de 1955, comemorando
o título do IV Centenário. Depois daquilo, se o Corinthians nunca mais havia
voltado a ser campeão paulista ou mesmo brasileiro (apesar de continuar
ganhando alguns torneios nacionais e internacionais, entre eles o Torneio
Rio-São Paulo de 1966, dividido com Santos, Botafogo e Vasco), não havia sido
por falta de insistência dele. Afinal, também esteve presente na maioria dos
jogos do vice-campeonato paulista de 1955 e do terceiro lugar de 1956. Na
alegria do empate por 3 a 3 diante do Santos, com um gol no último minuto que
valeu a conquista definitiva da Taça dos Invictos, e na tristeza da derrota por
3 a 1 para o São Paulo que custou o título paulista na última partida, ambas em
1957.
Continuou firme mesmo a partir de
1958, quando a provação começou a ficar mais evidente e ele já estava
comprometido, perto de se tornar pai de família. Mas sempre que ressurgia a
esperança do Corinthians ser campeão ele voltava aos estádios. Foi assim quando
o clube contratou Almir, o Pernambuquinho, chamado de “Pelé Branco”, em 1960,
Garrincha, em 1966, e mais recentemente Palhinha, naquele mesmo ano de 1977.
Para ver mais um craque estrear, em uma manhã de domingo, ele e o filho acotovelaram-se
entre mais de 60 mil outros corintianos.
Também havia acompanhado o
“Faz-me Rir” de 1961, time que a cada derrota fazia os adversários lembrarem
ironicamente o bolero de mesmo nome. Vibrado com os gols da dupla Silva e Ney,
que valeram um vice-campeonato dividido com o São Paulo, em 1962. Assistido in loco o time dar adeus ao título
paulista de 1964, quando já se completavam dez anos, com uma incrível derrota
por 7 a 4 para o Santos, na penúltima rodada, em que Pelé, sozinho, marcou no
segundo tempo os quatro gols que fizeram toda a diferença entre aquela
decepcionante goleada e uma vitória que chegou a parecer possível. Viu
Rivellino surgir como o maior craque da história do clube, em 1965. Testemunhou,
em 1967, o Timão, mesmo já eliminado, impedir que o São Paulo fosse campeão
depois de dez anos, empurrando-o para uma decisão em jogo extra afinal vencido
pelo Santos, graças a um gol de canela de Benê, que empatou o clássico com o
tricolor em 1 a 1 no último minuto.

Quando Paulo Borges e Flávio
acabaram com o tabu contra o Santos, em 1968, ele estava lá. Quando o
lateral-direito Lidu e o ponta-esquerda Eduardo morreram juntos em um trágico acidente
automobilístico em 1969, justo quando parecia que o Corinthians ia tirar o pé
da lama, ele também chorou. Recepcionou Zé Maria em 1970, acreditou que
Adãozinho ajudaria a virar para 4 a 3 um jogo que parecia impossível diante do
Palmeiras, em 1971, aí já ao lado do filho. Também juntos, eles acompanharam a chegada
do Timão às semifinais do Brasileiro e a queda por 2 a 1, de virada, diante do
Botafogo, em 1972. A decepcionante derrota por 1 a 0 na final do Paulista para
o Palmeiras, em 1974. A invasão do Maracanã, ele, dessa vez, só por procuração,
representado pelo filho e pela futura nora, em 1976. Agora, na noite em que o
Corinthians finalmente podia voltar a ser campeão, ele não poderia estar ausente.
Imaginava que para o “garoto”,
como costumava chamá-lo apesar de já ter até namorada, aquela noite devia ser
ainda mais importante. O filho havia nascido, crescido, ido para a escola,
depois para o ginásio, depois para o colégio e o Corinthians continuava sem ser
campeão. Sabia muito bem que os meninos que torciam para o São Paulo falavam
dos títulos paulistas de 1970, 1971 e 1975. Que os que torciam para o Palmeiras
enchiam o peito para falar dos títulos brasileiros de 1967, 1969, 1972 e 1973,
fora os paulistas de 1972, 1974 e 1976. Que os que torciam para o Santos... Ah,
deixa pra lá! Sabia, enfim, que existia um adjetivo terrível associado a todo
torcedor do Corinthians, coisa que os outros faziam questão de repetir: “sofredor”.
Corintiano era sofredor. Ele era sofredor. O filho era sofredor, e muitas vezes
sentia-se culpado por isso.
Assim, logo que o trio adentrou
as arquibancadas do Morumbi, ele procurou exorcizar a lembrança da fatídica
decisão perdida para o Palmeiras, naquele mesmo lugar, menos de três anos antes.
Repetiu mentalmente o mantra emprestado de uma das muitas faixas levadas pela
Fiel naquela noite: “Eu te amo, não me mates! Eu te amo, não me mates! Eu te
amo...” Os dois primeiros jogos daquela decisão ele, o filho e a futura nora
também haviam assistido juntos, mas pela TV. O primeiro, 1 a 0 para o
Corinthians, na quarta-feira da semana anterior, gol de Palhinha marcado com a
cara no rebote de uma saída precisa do goleiro Carlos, foi porque, naquele dia,
ainda não se definiria nada — aquela final era uma disputa em melhor de quatro
pontos. A segunda partida, 2 a 1 para a Ponte Preta, de virada, em um domingo
ensolarado, teve que ser vista de casa simplesmente porque não haviam
conseguido ingressos. Naquele dia em que, caso vencesse, o Corinthians teria
sido campeão, 138.032 pagantes, mais 8.050 menores, bateram o recorde de público
no Morumbi. Eram, ao todo, 146.082 pessoas acomodadas como e onde podiam,
inclusive nas marquises de cimento originalmente construídas para acomodar
refletores, no alto do estádio. Quando Vaguinho, que havia entrado durante o
jogo no lugar de Palhinha, contundido, fez 1 a 0 para o Corinthians, no final
do primeiro tempo, os três comemoraram e ao mesmo tempo se amaldiçoaram por não
estar lá. Quando Dicá, cobrando falta, e Rui Rei viraram o jogo para 2 a 1,
forçando a realização da terceira partida, eles ficaram tristes, mas ao mesmo
tempo esperançosos por terem ganhado mais uma chance de estarem presentes no momento
que tanto esperavam.

Graças a seu inseparável radinho
de pilha (naquela noite, parecia mais inseparável, até, que a própria namorada),
o filho informava ao pai que o Corinthians não iria contar mesmo com seu melhor
jogador, Palhinha. Ele, que sofrera um estiramento ainda no primeiro tempo do
jogo do domingo, estava irremediavelmente fora do jogo, substituído por Luciano.
O quarto-zagueiro titular, Zé Eduardo — e isso todos já sabiam —, estava suspenso
por ter levado o terceiro cartão amarelo na falta que originou o gol do empate
da Ponte no domingo. Em seu lugar, entraria Ademir, aquele mesmo que, em 1974,
não havia conseguido tirar a bola de Ronaldo no lance do gol palmeirense. Pai e
filho gelavam só com aquela lembrança. O goleiro Tobias, que no domingo havia
cumprido suspensão pelo terceiro cartão amarelo, voltava ao gol, no lugar do
gigante Jairo. Basílio e Zé Maria, dúvidas durante toda a semana por causa de
contraturas musculares, estavam escalados. Do lado da Ponte Preta, o desfalque
era o lateral-esquerdo Odirlei, também suspenso, substituído por Ângelo.
Fundada em Campinas, em 1900, a
Ponte disputa com o Esporte Clube Rio Grande, do Rio Grande do Sul, a condição
de clube mais antigo do Brasil. Buscava o primeiro título de sua história e
tinha uma equipe tecnicamente até superior à do Corinthians, com o goleiro
Carlos e os zagueiros Oscar e Polozi (todos convocados para defender a Seleção
Brasileira na Copa do Mundo disputada na Argentina no ano seguinte, 1978), os
laterais Jair (futuro técnico, com o nome de Jair Picerni) e Odirlei, o
veterano volante Vanderlei, os meias Marco Aurélio e Dicá (excelente cobrador
de faltas, maestro da equipe), o arisco ponta direita Lúcio, o perigoso
centroavante Rui Rei e o ponta-esquerda Tuta, que seria marcado por seu irmão,
o corintiano Zé Maria. Não por acaso, dos cinco jogos disputados entre os dois
times naquele Paulistão, a Ponte havia vencido quatro, o primeiro deles por
goleada, 4 x 0, na única vez em que se enfrentaram em Campinas. Na decisão, a
Federação Paulista de Futebol tomou para si o mando dos três jogos, marcando-os
todos para o Morumbi.
No Corinthians, a base do time
vice-campeão brasileiro no ano anterior, 1976, havia sido mantida pelo
folclórico e apaixonado presidente Vicente Matheus, com o goleiro Tobias, os
laterais em nível de Seleção Brasileira Zé Maria e Wladimir, os zagueiros
Moisés e Zé Eduardo, o volante Ruço, o meia Basílio e o ataque formado por
Vaguinho, Geraldão e Romeu. A grande contratação, junto ao Cruzeiro, por na
época inacreditáveis 7 milhões de cruzeiros, era o ponta de lança Palhinha. No
banco de reservas, o carismático Oswaldo Brandão, 61 anos, último técnico
campeão pelo Corinthians, em 1954, estava de volta. Substituía Duque, que havia
caído ao longo daquela árdua campanha, iniciada mais de oito meses antes, em 9
de fevereiro. Árdua e irregular. Depois de ter ficado de fora dos mata-matas do
primeiro turno (vencido pelo Botafogo de Ribeirão Preto), o Corinthians foi o
campeão do segundo, derrotando o arquirrival Palmeiras por 1 a 0 na decisão. Mas
nada disso adiantava, porque o que decidiria tudo, mesmo, era um terceiro
turno, com oito times enfrentando-se em jogos só de ida, mas divididos em dois grupos de
quatro, dos quais sairiam os dois finalistas. Após uma derrota para o Guarani
por 1 a 0, no Pacaembu, o Corinthians teria que vencer os três jogos que
faltavam se quisesse ganhar o Grupo F e ir para a final contra a Ponte, campeã
do Grupo E. Derrotou o Botafogo por 1 a 0, em Ribeirão Preto, a Portuguesa por 1
a 0 e o São Paulo por 2 a 1, ambos no Morumbi. Nessas duas últimas partidas, ele
e o “garoto” também estiveram presentes.

Apesar da confirmação sempre em
cima da hora, já se esperava que o jogo fosse transmitido ao vivo para São
Paulo, como haviam sido os dois anteriores. Isso ajudava a explicar o público
de “apenas” 86 677 pagantes, com 6 896 menores que não pagaram ingressos,
praticamente a metade de domingo. Mesmo assim, quando os times entraram em
campo, o barulho dos cornetões e apitos, distribuídos na entrada do estádio
para atrapalhar a concentração e o toque de bola da Ponte Preta, foi infernal. Também
como havia acontecido na decisão de 1974, a fumaça dos fogos de artifício impedia
que se enxergasse o próprio gramado. São 21 horas e quinze minutos quando o
árbitro autoriza o início da partida.
A Ponte Preta, toda de branco,
com sua tradicional faixa transversal negra na camisa, toca na bola pela
primeira vez, com Rui Rei passando para Dicá. Logo no primeiro minuto, um rojão
explode na entrada da área, com a fumaça atrapalhando a visão do goleiro
Carlos. O Corinthians, com a camisa preta de listras finas brancas que nem todo
corintiano gostava de ver em campo naqueles tempos de jejum, calções também
pretos e meias brancas, só vai dominar a bola pela primeira vez aos 3 minutos,
justamente com Basílio recolhendo um passe lateral de Moisés no campo de
defesa. Ecoam os primeiros gritos de “Corinthians, Corinthians”, sempre
acompanhados pelo pai, pelo filho e pela futura nora. Com 3 minutos e meio, a
primeira grande emoção: o corintiano Luciano arrisca um chute de longe e a bola
bate no pé da trave esquerda. Na volta, Polozi desvia o chute de Geraldão para
escanteio. Aos 17 minutos e 20 segundos, Oscar dá um chutão para a frente. Na
disputa com Ademir, Rui Rei carrega a bola com a mão e em seguida tromba com o
zagueiro corintiano, caindo dentro da área. O árbitro, Dulcídio Wanderley
Boschillia, marca falta contra a Ponte e manda Rui Rei se levantar. O jogador
continua reclamando e recebe cartão amarelo. Insiste e recebe o vermelho, para
vibração do trio, que se abraça nas arquibancadas como se o Corinthians tivesse
marcado um gol. Agora, com um jogador a menos, justo seu artilheiro, a Ponte
pode se tornar um adversário mais fácil.
Brigas, invasões de campo, paralisações.
O jogo fica parado por cinco minutos. Antes que o primeiro tempo acabe,
Geraldão, o artilheiro corintiano naquele campeonato, acerta uma fantástica
meia-bicicleta, mas Carlos vai buscar a bola lá em cima, mandando-a para
escanteio. Já o goleiro corintiano Tobias só vai tocar na bola pela primeira
vez no último minuto daquele primeiro tempo, recolhendo um chute de longe,
praticamente atrasado por Dicá. Na segunda etapa, o Corinthians continua
insistindo, mas apesar de ter um jogador a mais não consegue chegar ao gol.
Quando a Ponte Preta está com a bola, pai, filho, futura nora e praticamente
todo o resto do estádio sopram seus apitos a plenos pulmões. Se o 0 a 0
permanecer, haverá prorrogação de mais trinta minutos. Se a prorrogação também
terminar empatada, o campeão será o Corinthians, por ter mais vitórias que a
Ponte (26 contra 23) ao longo da competição. Mas o presidente ponte-pretano, Lauro
Morais, havia passado a semana inteira dizendo que o regulamento era falho, e
que se houvesse prorrogação seu time se recusaria a jogar. Isso, porém, não
será necessário.

São passados exatamente 36
minutos e 48 segundos do segundo tempo quando a bola se oferece, por fim, ao pé
direito de Basílio, depois de ter viajado para a área na cobrança de uma falta
por Zé Maria, se chocado contra o travessão no chute de Vaguinho e sido salva
em cima da linha pela cabeça do zagueiro ponte-pretano Oscar após uma outra
cabeçada, do corintiano Wladimir. Basílio, um jogador discreto, que havia
chegado menos de três anos antes com a responsabilidade de vestir a camisa 10
de Rivellino. Que teve uma parada respiratória dentro de campo em um jogo
contra o América de São José do Rio Preto. E que sobreviveu para, agora, se
tornar o autor do tão aguardado gol da libertação. “É gente que se abraça, é
gente que chora, é gente que ri”, improvisa o locutor Fiori Gigliotti pela
Rádio Bandeirantes. Entre toda aquela gente, havia um pai, um filho e uma
futura nora.
Faltavam ainda oito minutos para
o jogo terminar, agonia acrescida por outros quatro, por conta de nova invasão de
jogadores reservas e repórteres, quando a dupla de brigões Oscar e Geraldão foi
expulsa. As últimas duas bolas endereçadas para a área do Corinthians são
devidamente rechaçadas por chutões providenciais, primeiro de Zé Maria, depois
de Wladimir. Caem no meio da torcida e não voltam mais. A fumaça dos fogos de
artifício forma uma nova nuvem, que desce ao gramado e dessa vez não mais se
dissipará. Na comemoração que não terá fim, muitos invadem o campo, alguns
fincam suas bandeiras, outros arrancam as redes e até comem a grama. O
presidente Vicente Matheus perde um pé de seus sapatos. Pai, filho e futura nora
se abraçam. Riem que nem tontos, olhando uns para os outros, depois para o
campo, depois uns para os outros, depois para o campo novamente. Descobrem que
não sabiam como se comemorava um título, e aí riem mais ainda. O pai pensa em
pedir perdão ao filho, por ter lhe causado tanto sofrimento. Mas é interrompido
pelo garoto, que se antecipa agradecendo. Por ter-lhe feito corintiano.

Ficha Técnica:
Corinthians 1 x 0 Ponte Preta
Campeonato Paulista/final – 3º
jogo
Data: 13/outubro/1977
Local: Morumbi, São Paulo
Juiz: Dulcídio Wanderley Boschillia
Renda: Cr$ 3.325.470,00
Público: 86.677 pagantes
Gol: Basílio 37’ do 2º tempo
CORINTHIANS: Tobias, Zé Maria, Moisés, Ademir e Wladimir; Ruço,
Basílio e Luciano; Vaguinho, Geraldão e
Romeu.
Técnico: Oswaldo Brandão
PONTE PRETA: Carlos, Jair, Oscar, Polozi e Ângelo; Vanderlei, Marco
Aurélio e Dicá; Lúcio, Rui Rei e Tuta (Parraga, no intervalo).
Técnico: José Duarte