Os estudos acadêmicos com reflexões sociológicas sobre o futebol que se
transformam em livros da literatura esportiva, muitas vezes, são de leitura
difícil. Michel Yakini, um estudante de Letras da USP, a Universidade de São
Paulo (FFLCH-USP), traz
ao leitor com o seu novo livro Crônicas de um Peladeiro (Edição do
autor), uma maneira descontraída e sedutora para “passear” pelo universo de
grandes autores e suas obras relacionadas ao mundo do futebol.
Apresentação
Por Michel Yakini
Ao longo do
processo essa escrita foi ganhando corpo e muitas crônicas desse projeto
permaneceram inéditas, o que motivou Michel Yakini a realizar uma publicação
específica.
Desde então,
uma intensa pesquisa e leitura de textos fundamentais tiveram início. O autor
dedicou-se às obras clássicas como O Negro no Futebol Brasileiro (Mário Filho);
Veneno Remédio (José Miguel Wisnick); Futebol ao Sol e a Sombra (Eduardo
Galeano); até antologias, biografias e livros de autores consagrados como
Nelson Rodrigues; Armando Nogueira e Paulo Mendes Campos. Em uma pesquisa
extensa procurou investigar formas literárias e reflexões sociológicas acerca
do futebol.
Portanto,
Crônicas de um Peladeiro dá conta de uma narrativa diversa, que relaciona o
futebol como parte de uma sociedade contraditória, mas que aponta o quanto esse
imaginário move paixões, além de ser fonte de beleza e poesia. Isso sem jogar
pra escanteio o objetivo essencial do autor: o de produzir uma obra literária,
digna de ser lida, independente do tema predominante.
Mané Garrincha de Lima Barreto
Por Michel
Yakini
Não há nada
mais mentiroso que um drible, o momento mais poesia da bola. O drible é um
concreto fingimento, uma enganação. Todo driblador é imoral, cafajeste, sangue
frio, não tem piedade de quem mal conhece como fazia Mané Garrincha com seus
Joões.
Na
literatura, a mentira também é tempero essencial. Mesmo quando os livros nos
envolvem em fatos reais, o escritor - malicioso como um atacante -, nos
transporta ao seu mundo pela mentira.
Acreditamos
em suas palavras, imagens, cores, rostos, criados pela mágica da engabelação;
ou será que Castelo seria contratado como professor de javanês, pelo Barão de
Jacuecanga, se não fosse pelo 171 perspicaz de Lima Barreto?
Na bola e na
página a mentira é uma entidade, sobrenatural. Para deixar de ser o humilde
Manuel Francisco e se tornar o eterno Mané Garrincha, ir de um simples Afonso
Henriques a um célebre Lima Barreto, é preciso, antes de tudo, ser um mentiroso
de alma.
Na bola e na
página a mentira não requer técnica, senão os melhores mentirosos viriam das
escolinhas de futebol ou dos cursos de criação literária. Para ser um mentiroso
imortal é preciso poetar com bola, é preciso driblar com a caneta.
Na página, o
leitor é como um torcedor fanático, e deve estar de poros abertos para sentir
as mentiras que os escritores pregam, pois todo torcedor e todo leitor gosta
mesmo é de sentir mentiras que valem a pena, daquelas que depois de um gol ou
ao final de um romance, dizemos: “Essa sim é uma verdadeira mentira!”.
Os boleiros,
assim como os escritores, aplicam sua magia com a caneta, um debaixo das pernas
de um João, o outro costurando palavras como num gol antológico, em ambos os
casos é preciso fôlego e uma boa estratégia.
Os mais
experientes ensinam que nas pelejas, quem corre não é o jogador, é a bola, e
nas letras as histórias fluem com vida própria, não se deve aprisioná-las.
Lima era um
prosador ousado como um ponta, craque com as letras. Garrincha mal sabia ler,
assinou até contrato em branco, mas escrevia poesias com as pernas tortas.
Mané, provavelmente, não gostava de literatura, assim como Lima odiava football. Mané foi o Lima da bola e Lima
o Garrincha da página. Tornaram-se imortais, por serem sacerdotes de mentiras
sagradas. Por pouco não foram contemporâneos. Uma pena! Se os dois se
encontrassem para tomar um trago, é certo que ainda assim fariam uma boa
tabelinha.
Sobre o autor:
Michel Yakini é co-fundador do Coletivo Literário Sarau Elo da Corrente e
atuante no movimento de literatura das periferias de São Paulo. É estudante de Letras
da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e representante Regional da Fundação
Cultural Palmares em SP, além de colunista do Jornal Brasil de Fato. Na
caminhada, carrega na bagagem atividades relacionadas à cultura
negra, periférica, arte-educação e criação literária. Publicou
"Desencontros" (contos, 2007), "Acorde um verso" (poesia,
2012) e a nova obra intitulada "Crônicas de um Peladeiro" (2014). Conheça
sua página na internet: www.michelyakini.com
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