“Zizinho pode não ter sido melhor que Pelé; mas pior, não
foi”. Com frase igual a essa, quem ousaria duvidar da genialidade de um dos
maiores nomes do futebol brasileiro? O próprio rei do futebol, Pelé, cansou de
repetir que Zizinho sempre fora seu maior ídolo, fonte de inspiração.
Em clubes, Zizinho teve seu nome consagrado em três
clubes: o Flamengo, tricampeão carioca de 1942/43/44; Bangu e São Paulo. Com a
camisa da seleção brasileira, foi uma das “vítimas” na fatídica derrota para o
Uruguai, na Copa de 1950. Três anos depois, em 1953, teve problemas quando
defendia a seleção durante o campeonato Sul-Americano, em Lima, Peru.
Foi rotulado de mercenário pelo escritor José Lins do Rego,
chefe da delegação brasileira na ocasião. Foi esse episódio que teria levado
Zizinho, ou melhor, mestre Ziza, como os amigos o tratavam, a escrever o livro “Verdades e Mentiras no Futebol”
(Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 2001). Mas o livro tem muito
mais histórias importantes, escritas pelo próprio Zizinho.
Um ano depois do lançamento do livro, Zizinho morreu, aos
80 anos. A obra é uma raridade, pois Zizinho brigou com a editora que publicou
a obra e o produto só é encontrado, com dificuldade, em sebos.
Um bom local para ler a obra é no Centro de Referência do
Futebol Brasileiro (CRFB), do Museu do Futebol, local onde foi feita a pesquisa
sobre a obra. Vale a pena conhecer o acervo em www.dados.museudofutebol.org.br.
Literatura na Arquibancada destaca abaixo o texto de
apresentação do falecido jornalista Fernando Horácio da Matta, além do primeiro
capítulo da obra.
Mestre Ziza
Por Fernando
Horácio da Matta
Zizinho, Mestre Ziza, Thomaz Soares da Silva. Só os
craques de estirpe superior, os verdadeiros fenômenos, iniciam chamados por
apelidos ou diminutivos, são homenageados por um título honorífico e terminam
conhecidos pelo nome e pelo sobrenome, recitados com admiração e respeito pelos
que amam o futebol mundo afora.
Na galeria dos maiores jogadores de todos os tempos há de
estar reservado um lugar de honra para Zizinho. Quando começou, atuava como insider, adaptado no jargão
futebolístico para meia, depois
definido como armador, e hoje se diria meio-campista.
O que, para ele, soa pejorativo.
Na dinastia dos excepcionais meias brasileiros, afirmou-se digno sucessor de Romeu Pelliciari,
conviveu com Jair Rosa Pinto e Elba de Pádua Lima, o Tim, e inaugurou a
descendência dos dribles irresistíveis dos passes perfeitos e dos lançamentos
deslumbrantes, que teve como sucessores craques da expressão de Valdir Pereira –
o Didi, Gérson Nunes, Ademir da Guia, Roberto Rivelino, Tostão e Artur Antunes
Coimbra, o Zico. Grande Zizinho, mágico no domínio da bola, gênio na armação de
jogadas, verdadeiro arquiteto do futebol, sua imagem paira acima de todos, só
encontrando paradigma no mito Pelé.
Vale lembrar a frase do professor Flávio Costa: “Zizinho
pode não ter sido melhor que Pelé; mas pior, não foi”. Ou do próprio Pelé, que
o venera como ídolo e exemplo, seguindo as palavras do pai Dondinho, e lhe
ofereceu no dia 14 de setembro de 1999, quando Zizinho completou 78 anos, uma
placa de prata na qual estava gravado: “Ao meu maior ídolo, com a amizade e
admiração do Pelé”.
Em campo, somava ao talento prodigioso o espírito de
guerreiro feroz. Como jamais deixou de acariciar a bola e ser adulado por ela,
nunca evitou uma dividida ou refugou disputas ríspidas. Quebrou pernas e as
teve quebradas. Sempre achou que “futebol é para homens”, mas para homens que o
pratiquem com dignidade e coragem.
Um dia, quando lhe perguntaram o que separava o
verdadeiro craque do bom jogador, respondeu: “O craque é aquele que, antes de
receber a bola, já sabe o que vai fazer com ela”. Zizinho anteviu jogadas,
jogos e até o próprio futebol, encantando seus companheiros, atemorizando adversários
e maravilhando plateias.
Escapou-lhe, por fados ingratos ou pecados dos deuses do
futebol – será que os deuses pecam ao subtrair dos superdotados a glória
merecida? – o título de campeão mundial. Felizes, porém, os que puderam ver e
conviver com o seu estilo e seu talento ao mesmo tempo alegre e sério, pleno da
magia e coragem, de uma simplicidade que só os gênios sabem e podem expressar.
Mestre Ziza pendurou as chuteiras, mas jamais perdeu sua
atração pela bola. Dedicou-se à carreira de técnico e dirigiu, entre muitas
equipes, o América e o Vasco, no Rio, e a seleção brasileira de novos, onde
lançou jogadores do porte de Falcão, Júnior e Edinho. Observador perspicaz,
estudioso e metódico, decidiu para o bem do futebol colocar no papel as experiências
vividas como treinador e a análise de como se armam os grandes times e de suas
formas de jogar.
O que diz e escreve está sublinhado pelo conhecimento, a
competência e a inteligência de um jogador raro, um homem simples, digno e
correto. O livro Verdades e Mentiras no Futebol é, antes de tudo, uma herança
valiosa para o futebol brasileiro e, assim, uma obra indispensável para quem
quer entender com maior profundidade essa fonte de paixão nacional. Obrigado
por mais esta jogada, Thomaz Soares da Silva, Zizinho, amigo da bola, mestre do
futebol.
Tudo começou assim
Por Zizinho
Este foi o título de uma palestra para a qual fui convidado
no Rio Cricket, em Niterói, RJ. Aceitei o convite e pedi ao diretor cultural do
Clube, o amigo Carlos Augusto Pacheco de Mello, que fizesse da ocasião uma
espécie de bate-papo sobre “Os Sistemas de Futebol”. Sentia-me a vontade para
falar sobre o assunto pois todas as grandes mudanças de sistemas táticos no
futebol carioca coincidiram com minha profissionalização, no final da década de
30, quando fui contratado pelo Flamengo. O nobre esporte bretão era comandado
no Brasil pela então capital da República, o Rio de Janeiro.
Lembro-me que o Fluminense foi a São Paulo e contratou
quase toda a seleção paulista, Batatais, Guimarães, Machado, Orozimbo, Romeu,
Lara e Hércules. No ano seguinte trouxe o Tim. Mesmo assim, o América foi o campeão
de 1935 (nessa equipe jogava como titular um meia de nome Clóvis Nunes, pai do
Gérson – Canhotinha). Seis desses jogadores fizeram parte da grande seleção
brasileira de 1938. Para contratar esses oito maravilhosos jogadores, qualquer
clube teria que abrir mão de grande parte de seu patrimônio.
Não contávamos com os meios de comunicação que temos
hoje, portanto vou me limitar a falar das mudanças que ocorreram no Rio de
Janeiro e de outros sistemas que marcaram época ou que foram de conhecimento de
muitos. Já conhecia alguns mesmo antes de chegar ao Flamengo. Antes mesmo de
aprender a escrever o nome do Clube cuja sede era em minha casa, pois meu pai
era o presidente do Carioca F.C., eu já conhecia uma forma defensiva de jogar
que se chamava “um zagueiro de espera e um zagueiro de avança”. Esse velho
sistema defensivo, (todos os sistemas de ataque até 1942, no Rio de Janeiro,
jogavam em M) muitos anos depois, veio me dar a maior tristeza de minha
carreira esportiva e que será contada mais adiante.
TUDO COMEÇOU ASSIM – Com esse audacioso título eu teria
que pesquisar a fundo para chegar ao berço do futebol, criado no século
passado. Encontrei dados maravilhosos nos quatro volumes que compõem a História Ilustrada do Futebol Brasileiro.
Charles Miller foi o introdutor do futebol no Brasil.
Filho de ingleses, estudou na Inglaterra e tornou-se grande jogador nesse país.
Em 1894 regressou definitivamente ao Brasil, trazendo em sua bagagem um
uniforme completo de futebol e duas bolas. Nessa famosa mala que trazia as
sementes do jogo, devem ter vindo o regulamento e algum sistema para se jogar,
quem sabe, talvez o M.M., e assim começou o futebol em São Paulo.
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Campo do Rio Cricket |
Em 1897, o jovem Oscar Cox regressava da Suíça onde fora
estudar e travou conhecimento com o novo
esporte. Assim que chegou ao Rio de Janeiro entrou em ação, convidando seus
amigos para jogar.
Isso animou-o a jogar a primeira partida, disputada em 1º
de outubro de 1901, entre ingleses e
brasileiros, no campo do Rio Cricket, em Niterói, que era a capital do antigo
Estado do Rio de Janeiro.
Os líderes dos dois Estados entraram em contato e, em 19
de outubro de 1901, realizaram o primeiro interestadual, em São Paulo, entre
cariocas e paulistas.
A primeira organização esportiva do Rio de Janeiro foi a
Liga Metropolitana de Futebol, fundada em 1905.
O primeiro campeonato foi disputado em 1906, com os
seguintes clubes: Fluminense, Bangu, América, Botafogo, Paissandu e Rio
Cricket. O Fluminense foi o campeão.
O futebol não seria hoje um esporte tão técnico se desde
as primeiras regras não se procurasse estabelecer normas para as disputas de
bola, diferenciando o jogo viril do jogo violento. O calço, o pontapé, uso das
mãos, o tranco por trás, a joelhada, a obstrução e a sola.
As regras foram sendo sucessivamente modificadas (o
futebol foi oficialmente codificado em 1º de dezembro de 1863).
Vejam com que paciência e correção foram feitas durante
75 anos as leis que regem o esporte:
1863 – O arremesso lateral se fazia com apenas uma mão e
não com as duas.
1868 – Institucionaliza-se a figura do juiz.
1878 – Adotaram, pela primeira vez, o travessão de
madeira e surge o apito.
1882 – Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda
fundam a Internacional Board, que até hoje regula as leis do jogo do mundo
inteiro, já como órgão da FIFA.
1896 – Cresce a autoridade do juiz. Nos últimos anos do
século, fixa-se o número de jogadores em onze, as dimensões do campo, o tamanho
da bola e a duração da partida em noventa minutos.
1901 – O limite da área é fixado.
1904 – Foi fundada a Federação Internacional de Futebol
Association (FIFA) a 21 de maio de 1924.
1907 – Começam a mudar as leis do impedimento,
definindo-se somente em 1924.
1938 – Foi feita uma nova revisão em todo o texto.
Conforme declarei, antes mesmo de chegar ao Flamengo, em
1939, já conhecia alguns sistemas para se jogar futebol. Vou começar com a
primeira formação que conheci em minha infância, que por coincidência era muito
parecida com a segunda sombra que cruzou o nosso caminho na Copa do Mundo de
1950.
Carioca Football Club
Fundado em 10/04/1920 – Av. Paiva, 77 –
Bairro do Paiva – São Gonçalo – RJ
Eu nasci a 14 de setembro de 1921 no endereço acima, que
era a residência de meus pais, Thomas Silva e Euridice Soares da Silva. Fui o
terceiro filho de seis irmãos, minhas irmãs mais velhas Zélia e Zilda nasceram
antes da fundação do clube no mesmo local.
O bairro do Paiva era como uma só família, e, meu pai e
seus amigos fundaram o clube cuja camisa era preta e vermelha, igual a do
Milan, e o calção azul.
Durante alguns anos, o clube teve como sede a nossa casa,
e foi neste ambiente maravilhoso que eu nasci e cresci, no meio de muitos
amigos, tropeçando em uma esfera de couro nº 5 que era a bola dos adultos.
Perdi meu pai no dia 13 de junho de 1928, dia de Santo
Antônio, aniversário de minha mãe. Meu pai adorava futebol, foi jogador e dirigente.
Por essa razão eu senti a sua despedida como a maior derrota da minha vida. Eu
sei que fui um bom jogador de futebol, sei também que ele me viu jogar, só não tive
o seu abraço após uma vitória ou o consolo de suas mãos sobre a minha cabeça
nos momentos de minhas derrotas.
Eu tinha apenas seis anos quando conheci a primeira
formação defensiva para se jogar futebol.
“Com um beque de avança e um beque de espera".
Zizinho foi um dos mestres de nosso futebol, craque autêntico!
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ResponderExcluirZizinho: uma peça rara do futebol que só aparece de 100 em 100 anos...
Vc sabe se esse livro é uma nova edição (revista e ampliada, provavelmente) da autobiografia "Zizinho, o Mestre Ziza", de 1985?
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