O futebol e, principalmente, o mundo acadêmico perdeu um
de seus maiores nomes. José Sebastião Witter foi um pioneiro na luta pelo
futebol nas fechadas universidades brasileiras.
Sebastião Witter era torcedor apaixonado pelo São
Paulo Futebol Clube, professor emérito da USP e professor normalista. Foi um
dos pioneiros na introdução do futebol como objeto de estudo na Universidade,
assunto até então estigmatizado.
Foi também Supervisor do Arquivo Público do Estado
de São Paulo Secretaria da Cultura (1977/1988); Diretor do Centro de Apoio à
Pesquisa Histórica (CAPH) Sérgio Buarque de Holanda USP (1988/1992); Diretor do
Instituto de Estudos Brasileiros IEB USP (1990/1994); Coordenador Geral da
Coordenadoria de Comunicação Social (CODAC) USP (1991/1994); Diretor Geral do
Museu Paulista da Universidade de São Paulo / Museu do Ipiranga USP
(1994/1999).
Aqui, no Literatura na Arquibancada, Witter deixou
registrada sua paixão por um dos maiores craques do seu clube de coração e da
seleção brasileira, Leônidas da Silva, o Diamante Negro, no mês e ano do
centenário do craque histórico brasileiro (http://www.literaturanaarquibancada.com/2013/01/o-megafone-do-esporte-100-anos-do.html).
Não era preciso, mas para “provar” o pioneirismo na luta
do professor Witter pelo aprofundamento do estudo do futebol nas universidades,
Literatura na Arquibancada resgata, abaixo, texto assinado pelo mestre no ano
de 1982, em uma das primeiras edições especiais feitas por diversas personalidades
falando sobre o futebol. A “pequena” e fantástica publicação, patrocinada pela
Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, chama-se “Em campo, futebol e
cultura”. E o texto assinado por mestre Witter, tem um título que reflete
exatamente o trabalho e a dedicação deste educador. “Para nunca mais esquecer”,
de Witter e sua batalha pela literatura esportiva brasileira.
Para nunca mais
esquecer
Por José Sebastião
Witter
“Se não houvesse o futebol,
nós teríamos outra coisa. Se não tivesse outra coisa, nós teríamos uma guerra
civil a cada dia.” (Sócrates, jogador do Corinthians, Folhetim nº 187,
17/9/1980, Folha de S.Paulo)
É inquestionável que o futebol ocupa uma posição de
destaque na sociedade brasileira e com ele e por ele se consomem horas e horas
de análise e discussão, desde os categorizados cronistas esportivos ao homem
comum, desde os intelectuais aos iletrados. E mesmo aqueles que insistem em
mostrar sua indiferença ao futebol, quase sempre buscam a informação aqui e ali
e desejam estar a par dos últimos resultados esportivos e da atuação de alguns
craques, principalmente em época de Copa do Mundo.
Em 1975, num Simpósio da Associação dos Professores
Universitários de História (ANPUH), apresentei uma comunicação sobre “As fontes
para o estudo do Esporte no Brasil”, quando as críticas recebidas foram até
desestimulantes. Salientara já o significado do Esporte no Brasil e em especial
a importância do futebol na vida cotidiana do nosso País.
A maior tarefa de todos aqueles que buscam explicar o
fenômeno do Futebol está, justamente, na questão de sua análise enquanto
fenômeno de massa e enquanto fenômeno individual. Em recente artigo na Folha de
S.Paulo, Roberto da Matta estuda e muito me faz pensar na necessidade, cada vez
maior, de estudos múltiplos sobre a vida futebolística brasileira. Lembra
Roberto da Matta um outro fenômeno que se soma ao do futebol, que é justamente
a sua descoberta pelas elites brasileiras, periodicamente. E é significativa a
sua reflexão em torno da importância do fenômeno futebolístico, que acaba por
revelar muito da nossa maneira de ser, na vida diária. Como diz Roberto da
Matta: “...o futebol instala uma reflexão coerente com ele mesmo: algo muito
mais sutil e sinuoso. Uma reflexão relativizadora e relacional onde se descobre
que o mundo é mais complicado do que máquinas, indivíduos, lucros e dinheiro.
Nele também existe arte, dignidade, genialidade, sorte e azar, deuses e
demônios e, acima de tudo, a descoberta importante que, embora o Brasil seja
ruim num montão de coisas, é muito bom de bola. É campeão de futebol e isso já
é importante. Afinal, é melhor ser campeão do samba, carnaval e futebol do que
de guerras ou de venda de foguetes”.
A transcrição foi longa, mas creio ter Roberto da Matta
exteriorizado, de forma clara, aquilo que todos nós de uma certa forma
pensamos, e não quis trair o seu pensamento parafraseando-o. É este aspecto que
bem traduz os milagres que o nosso “esporte-rei” pode operar e também e muito
daquilo que se identifica com a própria brasilidade, principalmente se a detectarmos
como o fez Mattew G. Shirts em seu artigo “Literatura Futebolística: uma
periodização”, no qual descobre um eixo temático novo que mais tarde vai se
traduzir no discurso popular. Mostra, então, como esse tema veio à luz com “O
Negro no Futebol”, reforçado pelo “Sou Pelé”, onde a ligação futebol x
brasilidade fica evidenciada na descrição de sua juventude. Com características
distintas, a Sensibilidade é evidenciada ainda em “Brasil Futebol Rei” e “Os
Subterrâneos do Futebol”.
Se de um lado Shirts detecta o fenômeno da brasilidade no
futebol, de outro José Carlos Sebe Bom Meihy vê o conteúdo Nacionalidade no seu
“Para que serve o futebol”, mostrando o quanto do discurso dos analistas do
futebol e dos cronistas esportivos colocam esse sentido de integração nacional
nos acontecimentos esportivos. Lembra ele que editoriais significativos da
Gazeta Esportiva Ilustrada, em 1960, salientavam ser ela um “órgão da unidade
nacional, pois é lida do Oiapoque ao Chuí, extremos norte e sul deste imenso
país”.
É pensando no poder do futebol como elemento catalizador
na sociedade brasileira que o vejo, de certa forma, consolidando uma unidade
nacional, despertando a brasilidade de cada um e permitindo que milagres sejam
feitos.
E este fenômeno está aguardando, no Brasil, estudos
profundos de especialistas de áreas diferentes a permitir que seja ele melhor
entendido e possam surgir obras como a de Desmond Morris, “The Soccer Tribe”,
com um estudo antropológico significativo e profundo, no qual se vê o fenômeno
do ponto de vista do ritual das tribos primitivas transpostas aos bem
organizados campeonatos europeus e principalmente ao universo inglês. O uso
apropriado das fotos e o estudo dos gestos e das atitudes dos componentes da
caça à bola, desde os jogadores aos árbitros e aos torcedores, demonstram o
quanto se pode ver na própria participação dos combatentes e seus afeiçoados,
que passam a se compor em verdadeiras nações querendo conquistar vitórias no
campo de luta, representado pelos clubes de futebol.
A análise que deverá ser feita por tantos estudiosos de
nosso futebol, principalmente com a descoberta, recuperação e conservação de
muitas coleções existentes em mãos de colecionadores particulares e de clubes
esportivos, além de um cuidado específico dos arquivos públicos com a gama de
documentação referente ao futebol, poderá trazer à luz aspectos novos, a demonstrar
toda a complexidade representada pelo “esporte-rei” no Brasil, desde a sua “desorganização”
varzeana às intricadas e complexas máquinas burocráticas, a transformar o
lúdico em objeto de lucro e a decompor o espírito esportivo em espetáculo circense
para uma massa incomensurável que acaba por somente consumir o produto mais
rico e mais precioso que a coletividade produziu, que é o nosso futebol.
É difícil enteder-se o fenômeno futebolístico universal
sem se entender o futebol brasileiro e creio ser ainda mais difícil procurar se
entender o Brasil sem um estudo aprofundado do fenômeno Futebol. Brasil e
Futebol se explicam bem pelo famoso “jeitinho” que Roberto da Matta vê, com
propriedade, como “algo muito mais sutil e sinuoso”, esbanjados um e outro como
continente e conteúdo, cuja soma acaba por expressar, de forma inconteste, a
nossa própria maneira de ser.
Nenhum comentário:
Postar um comentário