Uma grande sacada. Assim pode ser definido o livro do
jovem autor André Biernath, “Culpados
Futebol Clube - A história dos jogadores, técnicos e juízes responsabilizados pelas
derrotas brasileiras em Copas do Mundo (1930 - 2010)” (Clube de Autores).
Se o Brasil é pentacampeão do mundo, há também 14 Copas
perdidas. E no país onde ser vice representa quase nada (e para a maioria, nada
mesmo), perder e deixar a competição precocemente, como aconteceu na Copa de
1934, quando disputou apenas um jogo ou, ainda, perder “jogando bonito”, como
na Copa de 1982, significa ficar marcado para sempre, de forma negativa, na
história do futebol.
O autor foi bem mais fundo na questão. Revisitou todas as
derrotas e constatou como torcedores e a imprensa esportiva são cruéis quando o
resultado não é o título mundial.
Sinopse (da
Editora)
Barbosa, Dunga, Telê Santana, Roberto Carlos... Sempre
que o Brasil é eliminado de uma Copa do Mundo, já sabemos o que vem pela
frente: está aberta a temporada de caça ao culpado! As explicações para a
derrota passam pelas desculpas certeiras até os mais esdrúxulos delírios de
torcedor apaixonado. Mas uma coisa é certa: muitos técnicos, jogadores e
árbitros ficaram marcados por erros que nem sempre cometeram. O livro resgata a
história desses sujeitos que participaram da Copa com a melhor das intenções e,
ao final do torneio, tiveram que carregar o ônus da derrota de uma nação
inteira. O que aconteceu com as carreiras dessas pessoas? Os atletas
conseguiram se recuperar de tantas críticas? Culpados F.C. é uma viagem pela
riqueza do futebol brasileiro. Desbrave as agruras da derrota e entenda por que
foram elas que nos levaram ao pentacampeonato mundial.
Literatura na Arquibancada agradece ao autor pela cessão
do primeiro capítulo da obra, que você pode ler abaixo.
1930
Bairrismo acaba
com Brasil na I Copa do Mundo
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Feitiço |
O 1 a 1 teimava no placar, com gols de Osvaldo, pelo
Distrito Federal, e Feitiço, para os bandeirantes. Quando faltavam apenas 15
minutos para o fim do embate, o árbitro Ary Amarante marcou um pênalti para os
cariocas. O estádio quase veio abaixo com tantas expressões de alegria que o
público emanava. No gramado, os 11 paulistas e a comissão técnica dos
visitantes eram os únicos que demonstravam sentimento oposto: a revolta era
grande. O capitão Feitiço, um dos melhores jogadores da época, liderou a
retirada de seus comandados de campo, como forma de protesto pela marcação da penalidade
máxima. A atitude dos paulistas revoltou e surpreendeu os espectadores e gerou
reações das mais variadas. A mais importante delas veio das tribunas de honra: o
presidente Washington Luís exigiu que os atletas paulistas voltassem a campo
para terminar a peleja. Quando um emissário presidencial transmitiu o recado, a
resposta do capitão Feitiço foi rápida e contundente: “Lá em cima manda o
presidente. Aqui embaixo mando eu”.
O exemplo acima é só um de muitos casos de brigas e
picuinhas entre paulistas e cariocas no começo do século XX. A rivalidade
passava pelos mais diversos patamares da sociedade, envolvendo política,
imprensa e população. Essa rixa tem origem na formação das duas cidades. O Rio
de Janeiro foi a capital do Brasil entre 1763 e 1960 e, por isso mesmo, o
centro econômico, político, social e artístico. Enquanto isso, São Paulo, do
colégio dos jesuítas, foi utilizada como um entreposto para os bandeirantes que
adentravam e descobriam as riquezas da desconhecida América do Sul. Ignorada por
séculos, a cidade pobre e inacessível cresceu e ganhou cada vez mais poder. Nas
décadas de 1920 e 1930, já era importante por abrigar imigrantes europeus e
asiáticos, que chegavam para as lavouras de café, e os grandes donos de terras
que seriam o dínamo da nova metrópole.
A rivalidade envolvia o futebol até o pescoço. O esporte
paixão do brasileiro entrou timidamente no país, num dia 18 de fevereiro de
1894, quando Charles Miller desembarcou no porto de Santos trazendo consigo
duas pelotas utilizadas no esporte.
Ele objetivava ensinar seus companheiros a prática que
aprendera em terras britânicas.
36 anos depois, alguns dirigentes, com destaque para o
francês Jules Rimet, presidente da Federação Francesa de Futebol, resolveram se
unir e organizar um torneio mundial, independente das Olimpíadas. A ideia era
reunir os melhores jogadores, técnicos e países do globo para disputar uma taça
e o título de campeão.
A primeira Copa do Mundo aconteceu em 1930, no Uruguai. O
Brasil, que já tinha um futebol minimamente organizado por federações e clubes,
participou da disputa pela taça. A Confederação Brasileira de Desportos, a CBD,
era a interlocutora direta da Fifa no Brasil e começou a articular a equipe que
defenderia as pretensões nacionais na província de Cisplatina. Apesar de não
ter um time comparável ao de argentinos e uruguaios, que fariam a final daquele
ano, o Brasil poderia ter sido mais bem representado se tivesse levado a sua
força máxima. E isso foi impossível justamente por conta da rivalidade entre
paulistas e cariocas.
O disse-me-disse começou na imprensa, quando jornais dos
dois estados pediam mais jogadores que os representassem. Mas tudo esquentou
mesmo quando a Apea, a Associação Paulista de Esportes Atléticos, representante
oficial dos times de São Paulo, requereu, junto à CBD, que alguns dirigentes
paulistas fossem mandados a Montevidéu com a delegação. A CBD convocou 15
jogadores de São Paulo de 5 clubes diferentes (Corinthians, Palestra Itália,
Santos, São Paulo da Floresta e Sírio), mas ignorou o pedido de inclusão dos
cartolas. A entidade máxima do futebol brasileiro tinha até 12 de junho para
mandar um ofício à Fifa com a equipe tupiniquim. Como a Apea ainda não tinha se
pronunciado, a CBD enviou, então, uma lista que continha apenas os jogadores
cariocas.
A guerra estava armada: a Apea se dizia injustiçada pela
CBD, enquanto esta acusava a instância paulista e seus representantes de
impatrióticos. Quando o fato virou manchete de jornal, o conflito atingiu
proporções ainda maiores. A troca de acusações ficou muito forte e Folha da Manhã, uma das principais
publicações de São Paulo, e Jornal do
Brasil, mais favorável ao Rio de Janeiro, se atacavam, reproduzindo e
desmentindo trechos um do outro. Essa novela, cheia de dramalhões e
reviravoltas, foi estampada nas páginas da editoria de esportes por quase um
mês. Ao reproduzir trechos de diários cariocas, a Folha comentou que as palavras impressas ali só poderiam ser
“oriundas de cérebros doentios”. Na cidade maravilhosa, o JB destacava: “Brilhante e
Itália mostraram ser a melhor parelha de backs que ora atua nos campos brasileiros.
[...] Está assim provado de modo
irretorquível que temos toda a razão quando afirmamos que, na pior das
hipóteses, o scratch que fosse aqui agora formado seria, quando muito, igual ao
se constituísse com elementos de S. Paulo.” (Jornal do Brasil de 18 de julho de 1930)
Para provocar e mostrar o poderio do time paulista, a
imprensa local reproduziu em letras garrafais um amistoso que aconteceria entre
alguns times e o Hakoah All Stars de Nova York. A Folha da Manhã descreveu assim o combinado paulista: “Essa é a primeira vez que jogará o
selecionado integrado dos melhores jogadores. A linha é formada por cinco
formidáveis atacantes mestres, a linha média está constituída por três grandes
jogadores, os melhores que se encontram presentemente em S. Paulo. O trio final
é o que deveria seguir para Montevideo, se o concurso dos paulistas não fosse
posto de lado pela entidade brasileira.” (Folha de São Paulo, 19 de junho de 1930).
Depois de todo esse imbróglio e de acusações variadas por
parte dos dirigentes e também dos meios de comunicação, o Brasil embarcou para
o Uruguai com uma seleção de jogadores oriundos somente dos times do Rio de
Janeiro. Enquanto a CBD não queria um dirigente de São Paulo na comissão
técnica, a Apea não liberaria os jogadores do estado. O único paulista a
integrar a equipe de 30 foi Araken Patusca, que estava brigado com o Santos,
seu clube, e assinou um contrato com o Flamengo para zarpar a Montevidéu. Na
primeira Copa do Mundo, o Brasil foi representado por atletas do América-RJ, Fluminense,
Vasco, São Cristóvão, Ypiranga-RJ, Botafogo, Flamengo, Americano e Goytacaz,
todos times da capital.
A ausência de paulistas na delegação enfraqueceu e
diminuiu ainda mais as chances de título do Brasil. Alguns ídolos de São Paulo
pesariam bastante e teriam presença garantida caso as brigas não os tivessem
tirado da disputa. Era o caso, por exemplo, de Arthur Friedenreich, Feitiço e
Del Debbio, alguns dos destaques da época.
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Araken, no centro, agachado. |
Sem contar que essa polarização também ignorou atletas de
outros centros brasileiros que ainda não tinham grande importância no cenário
nacional, mas contavam com alguns ótimos jogadores que poderiam ser analisados
com mais carinho.
A delegação brasileira embarcou no navio italiano Conte
Verde, que trazia as equipes da Bélgica, França e Romênia, as únicas seleções
europeias que aceitaram participar da primeira Copa do Mundo. Vale lembrar que
o Velho Continente vivia uma forte crise econômica, impulsionada pela quebra da
Bolsa de Nova York em 1929. O Conte Verde também trazia Jules Rimet, o primeiro
presidente da Fifa, que se descabelou para controlar os jogadores dos
diferentes países, que se provocavam e entravam em muitas confusões. Rimet
pediu especialmente aos dirigentes da CBD que trancafiassem os atletas
brasileiros em suas cabines, os mais baderneiros, para evitar acidentes e
incidentes diplomáticos.
A forma de disputa era simples, mas gerou muita
controvérsia. As 13 seleções participantes foram divididas em 4 grupos. O grupo
A (Argentina, França, Chile e México) seria o único com quatro times. O
restante era formado por três equipes cada.
Nas chaves, todos jogavam entre si. O combinado com mais
pontos ganhos passaria para à semifinal e os vitoriosos desse embate, à final.
O Brasil caiu no grupo B, ao lado de Iugoslávia e Bolívia.
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Brasil x Iugoslávia, Copa 1930. |
A estreia do Brasil em uma Copa do Mundo foi contra a
Iugoslávia – adversário frequente do selecionado tupiniquim em torneios
posteriores. E a futura camisa pentacampeã começou sua trajetória com o pé
esquerdo naquele 14 de junho: derrota de 2 a 1 para os eslavos, gols de
Tirnanic e Bek, ainda no primeiro tempo. O Brasil só descontou na segunda
etapa, com Preguinho. Terminado o embate, restava ao Brasil torcer por uma
vitória da Bolívia contra a Iugoslávia para ter alguma chance de classificação
no último jogo.
Infelizmente, os bolivianos não foram páreo para a equipe
balcânica, num 4 a 0 marcado por um fato cômico. O time sul-americano queria
ganhar o apoio da torcida uruguaia e resolveu estampar na camisa as letras que
formavam a frase Viva Uruguay.
Porém, na hora de tirar a foto antes do jogo, um atleta
que carregava a letra U não estava presente e a mensagem passou de amistosa
para provocativa: Viva Urugay. Na última peleja do grupo B, brasileiros e
bolivianos entraram no Estádio Centenário já eliminados. O Brasil conseguiu
igualar a surra boliviana anterior e meteu quatro, dois de Moderato e dois de
Preguinho. Acabava ali, de forma melancólica, a primeira participação do Brasil
em Copas do Mundo.
Finalizado o torneio, chegou a hora das desculpas e
reações. Em São Paulo, são registrados pontos de festa e comemoração pela
derrota da seleção carioca. No Rio, revolta pela alegria paulista e também pela
perda considerada surpreendente.
A Folha da Manhã
escreveu que o único jogador digno de elogios durante a partida contra a
Iugoslávia foi o avançado Araken Patusca que, coincidência ou não, era o representante
solitário da terra bandeirante.
Os boleiros que fizeram parte da campanha fracassada de
1930 reclamaram muito do frio de Montevidéu, apontado como o culpado pelo
futebol insuficiente. O único craque poupado das críticas foi o centro médio
Fausto, uma espécie de volante da época, aclamado por todos como o Maravilha
Negra. Mesmo elogiado, não salvou nenhum de seus companheiros. Ao chegar ao
Brasil, soltou a bomba: “Nilo fugia da bola. Poly tinha medo até de entrar em
campo. Teóphilo jogava no ataque, mas jamais se aproximava da área do gol. E o
técnico Píndaro de Carvalho não tomava qualquer providência”.
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Fausto, A Maravilha Negra. |
Depois da Copa, o
então jogador do Vasco transferiu-se para o Barcelona, passou pelo Young
Flowers da Suíça e voltou a América do Sul para defender o Nacional do Uruguai
em 1934, o Vasco em 1935 e o Flamengo entre 36 e 38. Infelizmente, o primeiro
destaque brasileiro em mundiais morreu cedo, aos 34 anos, de tuberculose, no
ano de 1939.
Acabada a Copa e superado o trauma, o Brasil entrou em
campo logo, no dia 1º de agosto de 1930, dois dias após a final que sagrou o
Uruguai como primeiro campeão do mundo. Contra a França, num amistoso nas
Laranjeiras, a CBD chamou os craques paulistas e a seleção conseguiu ganhar por
3 a 2, com dois gols de Heitor e um de Friedenreich, atletas do Palestra Itália
e São Paulo da Floresta, respectivamente. Estava mais do que provado que a
seleção brasileira precisava contar com sua força máxima em torneios que tinham
grande impacto mundial.
Claro que o bairrismo não acabou: ele dura até hoje. Mas
essa foi a primeira manifestação do que essas brigas sem sentido poderiam
trazer de prejuízo para o nosso futebol. A rixa entre paulistas e cariocas,
tema incessante dessa primeira busca pelos culpados, teve que ser deixada de lado
dentro das quatro linhas depois de 1930. Havia uma coisa mais importante com
que se preocupar, o que exigiria o esforço e união de São Paulo e Rio de
Janeiro pelo bem do esporte nacional e por uma campanha menos vexatória na Copa
do Mundo de 1934: a profissionalização do futebol brasileiro.
Sobre o autor:
André Biernath é formado em jornalismo pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atualmente é repórter
da Revista SAÚDE é vital, da Editora Abril. Na publicação, cobre as áreas de
medicina, medicina alternativa e maturidade. Também participa de projetos
especiais em infografia e redes sociais. "Culpados Futebol Clube" é o
primeiro livro do autor na área do jornalismo esportivo.
Serviço:
Para adquirir a obra acessar https://www.clubedeautores.com.br/book/166904--Culpados_Futebol_Clube?topic=ficcao#.U6wjmrG4P_Z
http://cazzofutblog.blogspot.com.br/2014/06/novos-tempos-estadunidenses.html
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