Ao completar 61 anos, Zico, um dos maiores craques do
futebol mundial ganha de presente mais um livro sobre sua vida, dentro e fora
dos gramados. Uma coletânea de depoimentos, dos mais variados personagens. E não
foram poucos: 134 pessoas, entre atletas, técnicos, jornalistas e fãs. “Simplesmente
Zico” (Editora Contexto), foi feito por uma torcedora apaixonada pelo craque
brasileiro. Priscila Ulbrich não esconde esse amor eterno, como você, leitor,
verá logo no texto de apresentação da obra.
Parabéns Zico. Literatura na Arquibancada recomenda a
leitura de série especial sobre a vida do “Galinho” de Quintino. http://www.literaturanaarquibancada.com/2013/02/60-anos-de-zico.html
.
Pouco mais abaixo, veja também um dos depoimentos do
livro “Simplesmente Zico”, do jornalista Alex Medeiros.
Introdução
Por Priscila
Ulbrich
Quem é Zico? Todos conhecemos seus principais feitos e
apresentar apenas suas conquistas me pareceu pouco. Queria mostrar o que esse
grande esportista representou e representa na vida de tanta gente que o viu
atuar. Recolhi relatos de 134 pessoas, entre atletas, ex-atletas, técnicos,
jornalistas e fãs. Assim, conhecemos histórias saborosíssimas e inéditas desse
ídolo inconteste. Colher depoimentos sobre Zico foi, para meu espanto, a parte
mais fácil do livro. Todos tinham o que dizer, o que agradecer, coisas a contar
e reafirmar a importância e a influência que ele teve sobre suas vidas.
E fiquei me questionando sobre tal devoção: quem é esse
cara que arrasta multidões e une adversários ferrenhos? Tornar-se unanimidade
não aconteceu de um dia para o outro. Zico trilhou todo o caminho, nem sempre
tão fácil. E provou que, com talento, carisma e muita vontade, era possível
ganhar a eternidade.
Zico nasceu Arthur Antunes Coimbra no dia 3 de março de
1953, em Quintino Bocaiuva, um bairro do subúrbio do Rio de Janeiro. Seu pai,
José Antunes Coimbra, português de Tondela, era flamenguista ferrenho. Foi
goleiro e quase se tornou profissional pelo próprio Flamengo. Sua mãe, a
carioca Matilde da Silva Coimbra, a Tidinha, tomava conta da casa e do time que
nela morava. Eram seis filhos. Zico chegou na última janela de transferência:
era o caçula. Ganhou o apelido de sucessivas abreviações de seu nome –
Arthurzinho, Arthurzico –, até que sua prima Ermelinda batizou o craque: Zico.
![]() |
Zico entre os irmãos Tonico e Antunes. |
Seus quatro irmãos já jogavam futebol. O mais velho,
Zeca, até então o habilidoso da família, foi atacante do Fluminense. Edu foi
ídolo do América e chegou a jogar na Seleção. Nando teve a carreira
interrompida por causa da ditadura militar. O único que não seguiu carreira foi
Tonico. E Seu Antunes teve o prazer de ver os filhos jogando juntos no
imbatível Juventude de Quintino, time em que Zico brilhou pela primeira vez.
O destino de Zico com o Flamengo vem de berço. Graças à
paixão rubro-negra, cada filho ganhava de Seu Antunes o Manto Sagrado assim que
nascia. Zico ganhou a 8 porque a 10 já era de Edu. E pensar que quase foi jogar
no Vasco pois o Flamengo não pagava as passagens e o almoço. Foi George Helal
quem financiou as refeições e garantiu a permanência de nosso Galinho na Gávea.
Daí para frente, o menino que jogava nas ruas de Quintino
e assistia aos jogos do Flamengo das cadeiras cativas com o pai ganhou o mundo.
Conquistou tudo o que havia de ser conquistado em vermelho e preto. Foi sob sua
liderança que o Flamengo venceu seu sonhado Mundial Interclubes em 1981.
Sob protestos e muito choro da torcida, foi vendido para
a Itália. Passou duas temporadas na Udinese e conquistou os italianos. Foi para
o Japão e fez o improvável. Virar rei? Não, isso era esperado! Ensinou os
japoneses a jogarem futebol. Voltou ao Flamengo nos braços da torcida e, quando
parou de jogar, deixou uma Nação carente e apaixonada por tudo o que ele havia
feito e representado. Hoje em dia, Zico é quase uma entidade. Soberano,
traspassa gerações e conquista mais e mais admiradores, atuando agora como
técnico e dirigente de futebol.
Zico e Flamengo se confundem, em uma fusão de cores e
amores que é simplesmente impossível de se separar. O que era o Flamengo antes
de Zico? O que seria de Zico sem o Flamengo? São dois gigantes. Unidos não só
pelo destino, mas por obra divina. Cresceram juntos e construíram uma história
de glória e superação.
E pensar que quase desistiu do futebol quando foi cortado
da Seleção Brasileira em 1972. Hoje sabemos que foi um ato puramente político e
covarde, como todo ato ditatorial. Mas, graças aos deuses do futebol, nosso
Arthur foi forte. Ergueu a cabeça e seguiu em frente. Foram muitas as suas
participações na Seleção, inclusive na de 1982, a maior de todas. Não saiu
vencedora, por um capricho da bola. Zico nunca levantou um caneco verde e
amarelo como profissional. Pena? Como diz o grande Edu Cesar: “Zico não ganhou
a Copa? Azar da Copa”.
Neste livro não há famoso, não tem torcedor, não existe
estrela. Somos apenas súditos, traduzindo em palavras todo agradecimento ao
craque da camisa 10. Somos 40 milhões, de joelhos, em respeito a tudo que Zico
fez ao longo dos anos, dentro e fora de campo.
![]() |
Zico e Priscila Ulbrich |
Sempre fui apaixonada por esportes. Desde minhas mais
remotas lembranças. Por questões de saúde, não podia praticá-los com
regularidade. Então, sempre gostei de assistir. Já muito pirralhinha ouvia
rádio com os funcionários do meu pai. Jogos de um tal Flamengo, que tinha um
jogador que encantava a todos. Zico era seu nome.
Meu pai, Fluminense, quase teve um treco quando eu disse
que meu time era rubro-negro. Não teve jeito. Não adiantou nem ele apelar para
a bisonha tentativa de dizer que o grená era um quase rosa. Mais adequado,
portanto, para a torcida de uma menina. Mal sabia ele que a menina já estava
entregue. Antes mesmo de ver o seu rosto na telinha, antes de gravar o nome de
qualquer outro jogador, meu coração já era Zico FC; seja na terra, seja no mar.
E sempre foi assim. Um pouco mais velha, na idade em que
os amigos deram espaço aos namorados imaginários, minha irmã de leite era
apaixonada pelo Bebeto. Eu? Namorada ciumenta do Zico!
É claro que, assim, o amor pelo Flamengo cresceu.
Encorpou. Ganhou voz, manto e bandeira. Mas o nome do Galinho sempre esteve à
frente, como abre-alas de uma torcedora que, feliz, também aprendeu a amar
outras agremiações. Por Zico, quis saber mais de Udinese, torci pelo Kashima.
Vibrei com o Fenerbahçe, virei iraquiana! Onde Zico estiver, lá estará o meu
coração.
Nós, do Donas da Bola, queríamos um padrinho. Alguém que
pudesse nos fazer acreditar ser possível continuar, quando, por inúmeras vezes
dizia tudo mais que já deveríamos ter descido na parada anterior. Em meio a
tantos nomes expressivos, um volta e meia rondava nossos pensamentos: Zico! “Impossível!
Ele não vai aceitar.” Era a autorresposta mais educada que nós mesmas
empregávamos. O que ele poderia querer com a gente?
![]() |
Donas da Bola: Renata, Priscila Vieira e Priscila Ulbrich. |
Escolhi as palavras. Minha preocupação era que ele
acabasse me achando doida! Enviei o e-mail sem ter até então contado nada para
as outras meninas. O sonho era tão grande que eu não queria dividir minha
frustração em não conseguir um encontro com o dono da camisa 10.
A resposta de Zico? Sério, li aquele e-mail umas quarenta
vezes e chorei em todas elas. Depois encaminhei o e-mail para a Renata Graciano
e choramos juntas. Choro à distância. E ficou agendada nossa primeira reunião
com o padrinho, que veio a aceitar este convite que tanto nos honra.
Nunca tive ídolos. Nunca sequer peguei autógrafo de
ninguém. Mas estava ali na minha frente a única pessoa que eu amei sem
conhecer. Fiquei nervosa. Parecia que eu estava indo para meu casamento. E
quando o Zico caminhou em minha direção, parei de respirar.
Da minha parte, foi a pior entrevista da minha vida (http://www.donasdabola.com.br/2011/11/20/simplesmente-z10/
). Da parte dele, Zico era tudo o que eu imaginava e muito mais. O resto é
história que faço questão de contar todas as noites para minhas filhas
dormirem. E não é que, depois de torcer para todos os times em que Zico esteve
durante sua carreira, o craque não acabou vestindo as cores da minha camisa? É,
a vida é mesmo um conto de fadas.
Zico é o padrinho perfeito: honesto, bom caráter,
humilde, profissional, respeitoso, ético. É esse exemplo que queremos seguir no
Donas.
Neste livro repleto de depoimentos, reunimos o que esse atleta,
profissional e ser humano fantástico representa para todos aqueles que fazem
parte desta grande nação de apaixonados. Pessoas do mundo pararam para falar
algo sobre Zico. Abriram seus corações, dividiram suas recordações, dores,
alegrias e momentos pessoais.
Por fim, não poderia deixar de agradecer à Renata
Graciano por ter colaborado na confecção desta “Introdução” e da linha
cronológica no fim da obra.
O Pelé Branco
Por Alex Medeiros,
jornalista
Tendo
a opinião sobre Pelé como um cordão umbilical que une todos numa mesma família,
esses milhões de especialistas divergem em qualquer outro assunto futebolístico,
começando pela escolha de quem seria o segundo depois do Rei.
Há
os que acham que foi o Garrincha, os que teimam ter sido Maradona, os que juram
que foi o Zizinho (aquele que inspirou o próprio Pelé), alguns muitos querem o
Beckenbauer, outros apostam no Di Stefano e no Puskas, e a Fifa diz que foi o
Cruijff. No debate para definir um vice-rei do futebol, a turba não poupa uma briga
e muita saliva. Metade do Brasil se divide entre dezenas de candidatos.
Aí
o leitor pergunta: e a outra metade, não discute, não opina, ignora o ópio de
um povo, a religião maior de um país?
Zico
não foi somente um herói e ídolo dos rubro-negros. Conseguiu a fascinante
proeza de ser amado pelos adversários, mesmo estes vendo nele a imagem
assustadora do carrasco. Em Zico, os vascaínos, tricolores e botafoguenses
sentiram em silêncio a “Síndrome de Estocolmo”.
Imaginem
que ele quase despontou no Vasco, quando o Flamengo incorreu no desleixo de não
servir lanche ao magrelo garoto de Quintino durante os treinos do infantil. Foi
o médico Carlos Manta quem alertou a Gávea sobre uma “proposta alimentar” de
São Januário, evitando assim a transferência.
Não
há qualquer exagero na proximidade que se faz entre Zico e Pelé. Ambos se
assemelham em jogadas e gols que não têm similares pelos quatro cantos do mundo
em mais de um século de bola rolando. E aquilo que um não fez, está presente no
outro, a locupletação dos gênios.
E
se Pelé conseguiu o feito imortal de cravar seu milésimo gol no gramado carioca,
foi de Zico a supremacia nas tardes e noites do majestoso estádio, onde ali ele
foi mais que um rei, foi um deus que provocou rezas e louvores em todas as
torcidas. Pelé jamais exibiu seu poder divino no mais importante templo de futebol
da Europa, o estádio de Wembley. Mas ali, diante dos súditos de Elizabeth, Zico
mostrou que o reino não escaparia de uma exposição da arte maior dos seguidores
do próprio Pelé.
Louvemos
aos deuses que permitiram o glorioso dia em que os dois reis do Brasil jogaram
juntos no Maracanã, vestidos com a mesma camisa. Era 6 de abril de 1979 e ambos
convocaram os súditos para uma noite solidária pelas vítimas de enchentes em
Minas Gerais. Elegante em todos os gestos, Zico cedeu a camisa 10 do Flamengo
para Pelé, a camisa que ele cultuava por amor ao ídolo Dida, o craque alagoano que
popularizou esse número no Rio de Janeiro dos anos 1950 e 1960.
O
mundo inteiro consagrou o talento inigualável de Zico; em cada continente há os
vestígios da sua divindade, há torcedores cultuando as lembranças dos seus gols
maravilhosos. E se algum transgressor da História lembrar que Zico nunca ganhou
uma Copa, eu contradito com o desaforo definitivo do jornalista Fernando
Calazans: “azar da Copa”.
Sobre Priscila
Ulbrich:
É jornalista, apaixonada por futebol e criadora do Donas
da Bola, um grupo de mulheres que atuam com jornalismo esportivo. http://www.donasdabola.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário