Não é novidade o quanto é difícil e complicada a decisão
para um atleta profissional, seja qual for o esporte praticado, o momento
correto da aposentadoria. Para os jogadores de futebol, mais ainda. E muito
mais ainda quando esse jogador já foi eleito “o melhor do mundo” e ter sido um
dos principais jogadores na conquista do pentacampeonato brasileiro, na Copa de
2002.
Rivaldo anunciou “oficialmente” sua aposentadoria no dia
14 de março de 2014. Oficialmente, porque, na prática, Rivaldo já havia parado
há muito tempo. Tanto é que, em 2010, um livro sobre sua vida foi lançado, mas
pouquíssimo comentado. “O craque Rivaldo”,
do professor universitário e Procurador de Justiça aposentado, Hugo Cavalcanti
Melo, é apenas um pontapé inicial numa bibliografia que deveria ser muito maior
sobre esse craque brasileiro e mundial. Merece mais, muito mais.
Para quem quiser saber mais sobre sua vida, há também a
opção de seu site oficial http://www.rivaldo10.com.br/rivaldo
.
Por ora, uma pequena reflexão sobre a decisão de Rivaldo
de se aposentar definitivamente. E mais abaixo, o capítulo sobre Rivaldo, no
livro A Magia da Camisa 10.
Quando é hora de
parar?
Por André Ribeiro
O anúncio “oficial” da aposentadoria de Rivaldo nos faz
pensar em algo que todos um dia irão passar. O dia do adeus aos “bons tempos” e
o ingresso na fila dos esquecidos. Rivaldo cometeu um erro comum aos que não
conseguem entender o processo da aposentadoria pelos bons serviços prestados.
Ele está aposentado há tempos, só ele não sabia. Há pouco tempo, aventurou-se
na tentativa de ser dirigente e empresário, dono de um clube, fez até o pobre
estádio na cidade de Mogi Mirim ter o nome mudado para o do pai.
Mas, aqui, vale uma reflexão. Imagine você, craque de
bola ou do que quer que seja, como ele, reverenciado pelo mundo inteiro,
aclamado “melhor do mundo” em um esporte de massa como o futebol e de uma hora
para outra se vê sem nada e ninguém por perto para alimentar o ego ou seja lá o
que for...
Rivaldo foi um dos maiores jogadores de futebol de todos
os tempos. Quem joga ou já jogou futebol, aquele da pelada com os amigos, sabe
do que estou falando. Esqueça os golaços que ele já fez pelo Barcelona e
seleção brasileira, e se lembre daqueles amigos ou adversários que você olha
entrando em campo, com as pernas arquejadas, feito o desenho de uma tesoura nas
pernas.
Dizem os especialistas que esse é o “desenho” do craque.
As pernas arquejadas para fora, feito alicate. A forma em “arco” de andar
presume que o personagem parece ter sido um jóquei ou alguém que durante muito tempo,
desde a infância, andou a cavalo.
Rivaldo, não, talvez sim, tenha andado a cavalo na pacata
Paulista, cidade do interior pernambucano. Teve infância pobre como a de quase
todos que jogavam no seu time, o Paulistano.
Rivaldo encerrou a carreira de sucesso como melhor do
mundo quando decidiu “prolongar” a vida dentro dos gramados de lugares e times
estranhos como no Uzbesquitão e Angola. Não era o “jogar”. Era o quê então?
Dinheiro? Provavelmente não, porque Rivaldo ganhou muito dinheiro enquanto esteve
no auge, como quando passou também pelo Milan.
E aí começou a andança desnecessária por equipes
brasileiras: Cruzeiro, São Caetano, São Paulo, Mogi...
![]() |
Rivaldo, no infantil do Sta Cruz (4º em pé, esq. para direita) |
Rivaldo em um time infantil do Santa
Cruz (é o 4ª da esquerda pra direita dos jogadores que estão em pé).
O caso de Rivaldo nos faz lembrar de Sócrates. O craque e
filósofo da bola bateu nesta tecla o quanto pôde enquanto teve saúde. Batalhava
pela formação dos jogadores, dentro e fora dos gramados. Alertava que era
necessário, primeiro, a formação do cidadão, para que no futuro, quando
chegasse a hora da aposentadoria, tivesse a base necessária para suportar o
“baque” da falta de praticamente tudo: “amigos” (os primeiros a desaparecer),
glamour, assédio, e, principalmente, a decadência física. “Magrão” também
alertava sobre a necessidade de os clubes e o Estado criarem mecanismos para
ampararem esses atletas, famosos ou não, quando chegada a hora da parada. E não
é neste momento que a solução aparece. Ela deveria começar bem antes, como
vários psicólogos do esporte já alertaram. Esse processo é lento. Como na vida
de qualquer cidadão que percebe quando está chegando a hora de aposentar-se.
E no caso de Rivaldo, ele não tem o problema da grande
maioria dos seus ex-companheiros de profissão: dinheiro. Ou seja, não é com
dinheiro sobrando na conta bancária que se resolve o “buraco negro” que se
forma com a decisão de se aposentar, seja lá qual for a atividade profissional.
Nas redes sociais, Rivaldo deixou um “anúncio oficial” de
sua aposentadoria com um aspas bíblico que, curiosamente, menciona o objetivo
de vida de um atleta e de um cidadão “comum”:
"
Todo atleta que está treinando aguenta exercícios duros porque quer receber uma
coroa de folhas de louro, uma coroa que, aliás, não dura muito. Mas nós
queremos receber uma coroa que dura para sempre". 1 Corintios 9:25".
Rivaldo, aproveite ao máximo (merecidamente), da forma
que puder, a teoria recitada por muitos que já chegaram lá, a de que “a vida
começa aos 40”.
A MAGIA DA CAMISA
10 – RIVALDO
Por André Ribeiro
e Vladir Lemos
Filho de uma infância sofrida, povoada de sonhos com a
bola, Rivaldo estava fadado a ser visto como melhor jogador do mundo. E ainda
sim, teve sua categoria posta em dúvida. O menino alto, nascido em 19 de abril
de 1972, em uma vila pobre do Recife, no Nordeste do Brasil, teve seu instante
maior em um Mundial. Para manter viva a esperança de ser jogador de futebol,
começara a carreira percorrendo muitas vezes a pé os 25 quilômetros que
separavam sua casa do campo do Santa Cruz, clube do Recife, capital de
Pernambuco. Durante o dia, o garoto pobre da pequena cidade chamada Paulista, no
interior do estado, perambulava pelas praias do Recife, vendendo doces e
bebidas para ajudar no sustento da mãe e das quatro irmãs. Como se não bastasse
a infância sofrida, na casa de madeira e nas ruas empoeiradas de sua cidade,
Rivaldo jamais esqueceria a tragédia ocorrida com seu pai, morto após ser
atropelado por um ônibus quando o garoto tinha apenas 16 anos.
A morte do sr. Romildo fez Rivaldo repensar a vida.
Chegou a ser dispensado do Santa Cruz, mas, com a insistência de quem intui o
destino, insistiu e virou profissional. Era alto como Zidane, mas não
aparentava elegância. Suas pernas arqueadas faziam ser difícil acreditar na
precisão dos movimentos, que o levariam muito além do Santa Cruz. Ao transferir-se
para a cidade de Mogi-Mirim, interior de São Paulo, e disputar um dos torneios
de futebol mais vistos no país, Rivaldo teve a chance de que precisava. Seu
talento não estava livre dos questionamentos – surgidos principalmente dos que
achavam seus movimentos lentos –, mas estava reconhecido. Não havia outra forma
de explicar a ascensão.
Do modesto Mogi-Mirim, Rivaldo foi para o Corinthians, um
dos times mais populares do Brasil, e de lá, longe de ser unanimidade, para o
rival Palmeiras, depois de ter vestido a camisa da seleção pela primeira vez,
em um amistoso contra o México, em dezembro de 1993. A ótima fase do time
palmeirense, que marcaria época na história do futebol brasileiro, permitiu a
Rivaldo crescer. Fazendo parte de um ataque demolidor, foi campeão nacional em
1994, o que o deixou perto de uma Copa do Mundo. Mas ainda não era a hora.
Em 1996, depois de ser campeão paulista, Rivaldo iria
defender a seleção brasileira na Olimpíada de Atlanta, atrás de uma inédita
medalha de ouro para o Brasil. Na semifinal contra a Nigéria, depois de perder
uma bola no meio de campo, foi apontado como o culpado pela eliminação do país.
O castigo imposto foi uma longa ausência nas convocações para a seleção.
Recém-transferido para o La Coruña, da Espanha, tratou de
jogar. Participou de 41 dos 42 jogos pela Liga Espanhola, fez 21 gols e
terminou a temporada de 1997 como terceiro colocado. Foi negociado com o
Barcelona no mesmo ano por 29 milhões de dólares, uma valorização do passe para
ser analisada por economistas do mundo inteiro – afinal, nos tempos do pequeno
Mogi-Mirim, Rivaldo ganhava o equivalente a 80 dólares mensais –, uma
valorização de quase 500.000%, em oito anos de carreira.
De volta à seleção e fazendo partidas brilhantes à frente
da equipe catalã, venceu a Liga e a Copa do Rei e praticamente impôs sua
convocação para o Mundial da França, em 1998. Ao encontrar Zidane na final, já
havia passado pela sina de ser questionado, antes de calar os críticos nas
quartas-de-final contra a Dinamarca, fazendo dois gols, sendo um deles o que
garantiu a vitória por 3 a 2.
E se não foi possível tirar aquele momento de Zidane,
restava seguir o caminho dos predestinados. Em 1999 voltou a conquistar a Liga
Espanhola, fazendo 24 gols em 37 jogos, comandou a seleção em uma campanha
irrepreensível na Copa América e foi eleito o melhor jogador do mundo pela Fifa
e pela revista francesa France Football.
A cobrança que chegou junto com o sucesso não foi
pequena. Depois do vice-campeonato mundial de 1998 e da Copa América, a torcida
esperava uma seleção brasileira sem defeitos. Mas as dificuldades encontradas
durante as eliminatórias do Mundial de 2002, somadas às atuações apagadas de
Rivaldo, voltaram a colocá-lo em dúvida. Os mais apaixonados teimavam em dizer
que se tratava de dois Rivaldos, um que jogava no Barcelona e outro que jogava
na seleção. Mas diante de tudo o que já havia feito pela equipe, sua inclusão
entre os convocados para o Mundial do Japão e da Coréia foi tratada como
evidente pelos dirigentes.
Nos jogos disputados no Oriente, a regularidade e o
estilo do menino das pernas arqueadas deixaram de ser questionados para serem
cultuados. Os movimentos de Rivaldo estavam em todas as jogadas de perigo,
estavam em todos os bons lances do time, e o menino pobre de Pernambuco estava
prestes a tornar sua história mais parecida com a de Zidane. O momento agora
era do gênio vaiado desde cedo, contestado desde sempre.
Talvez seja a humildade de Rivaldo que faça os
prepotentes se sentirem aptos a dizer a ele o que fazer com a bola. Há sempre
alguém tentando ditar a hora de chutar, quando passar. Mas Rivaldo levanta a
cabeça como quem desdenha do palpite. Não foi diferente quando Brasil e
Alemanha estiveram em campo para decidir a Copa de 2002. Um duelo entre duas
seleções impregnadas de tradição, onde nem o mais desequilibrado dos egos seria
capaz de supor-se apto a brilhar mais que os outros. Foi esse o momento de
Rivaldo. Marcou gols em cinco jogos. Foi decisivo contra a Bélgica e autor do
gol que empatou a partida, na vitória contra os ingleses. Como Zidane, cometeu
erros. Enquanto o craque francês pisou no adversário caído e foi suspenso,
Rivaldo tentou enganar o juiz ao simular uma falta no jogo contra a Turquia,
mas acabou desmascarado pelas câmeras de TV. Sentia fortes dores no tornozelo
esquerdo durante o duelo com os alemães, quando arriscou o chute de fora da
área e que chegou a ser, por um breve instante, questionado, mas só até a bola
se chocar com o goleiro e sobrar nos pés do companheiro Ronaldo:
“Joguei com o pé enfaixado no primeiro tempo,
fiz uma bota. No segundo, apertei ainda mais a faixa. Na primeira chance,
pensei: ‘Vou chutar com o pé machucado mesmo, seja o que Deus quiser’. Não quis
falar porque dava para suportar. Só quando o jogo começou é que senti a dor”.
O triunfo transformou o semblante desse jogador esguio, e
seus lances, com seus tempos complexos, em símbolos da conquista do quinto
título mundial brasileiro. As críticas minguaram, e muitos tiveram de curvar-se
ao seu talento.
Quem não se convenceu de sua arte foi o técnico do
Barcelona, o holandês Louis van Gaal. Logo após a Copa, passou a criticar o
craque brasileiro afirmando que lhe faltava profissionalismo, desde que fora
eleito melhor jogador do mundo, em 1999. Rivaldo não suportou as críticas e
descarregou:
“Ele é invejoso porque eu ganhei a Copa do
Mundo, à qual ele nem mesmo conseguiu se classificar. Eu tenho pena do van Gaal
e entendo por que ele está tão nervoso. Com todos aqueles craques no time
holandês e ele nem foi capaz de levá-los à classificação à Copa do Mundo”.
O final da polêmica resultou na saída de Rivaldo do
Barcelona. Foi para o Milan, logo após a Copa de 2002. Estreou jogando no
torneio continental e passou a ter, novamente, problemas com o treinador
italiano Carlo Ancelotti, que o transformou em reserva de luxo. Participou das
conquistas da Copa dos Campeões, da Copa da Itália e da Supercopa. Continuou
sendo convocado para a seleção e deixou o Milan no final de 2003. Apesar do
contrato de três anos, deixou o clube triste e magoado por não conseguir se manter
como titular da equipe. A justificativa de Rivaldo para desempenho tão fraco
foi a separação de sua esposa e a distância dos filhos, que moravam no Brasil.
Sem clube para jogar, Rivaldo decidiu aceitar a volta ao
Brasil para defender o Cruzeiro, dirigido por Wanderlei Luxemburgo, seu
treinador no Palmeiras do início da década de 1990. A passagem foi abreviada
pela saída do técnico. Novamente sem clube, Rivaldo deixou de ser convocado.
Quatro meses depois transformou-se em uma das maiores negociações do futebol
grego, que acabava de conquistar o Campeonato Europeu. Em 2005 marcou dois dos
três gols que levaram o Olimpiakos à Copa da Grécia.
Os críticos muito provavelmente vão alegar que o camisa
10 não é mais aquele, que sua mania de segurar a bola ainda irrita, sem
perceber que tudo não passa de uma questão de momento, como foi no dia em que o
menino pobre esteve com as mãos na Taça do Mundo e não pôde pegá-la
simplesmente porque ainda não era a sua hora, como um dia não foi a de Figo, de
Matthäus e de Roberto Baggio.
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