Na terra onde temos o privilégio de ter o rei e a rainha do futebol mundial, Pelé e Marta, a diferença entre ambos é gigantesca. Apesar de termos a melhor jogadora do mundo eleita diversas vezes pela Fifa, a situação das meninas no futebol brasileiro é, e sempre foi, praticamente um caos.
Como se não bastasse o preconceito
histórico contra as mulheres praticando futebol, as meninas brasileiras sofrem
com a falta de apoio e, principalmente, estrutura. E como será que toda essa
história começou?
www.campeoesdofutebol.com.br em uma reportagem
especial sobre as origens do futebol feminino no Brasil publicado originalmente
no referido site.
O
texto é parte do livro escrito por Laércio, "Do fundo do baú", também
disponível gratuitamente no mesmo site.
Primeiros jogos de
futebol feminino
Por Laércio Becker
(Jorge Knijnik e Esdras Vasconcelos reclamam do termo “futebol feminino”, dizendo que, a rigor, o futebol é um só. Mesmo assim, vamos utilizá-lo, respeitosamente, por se tratar de expressão consagrada.)
Desde o século XIX, esportes já eram praticados pelas mulheres.
Joaquim Manuel de Macedo, o famoso autor de A moreninha, chegou a fazer o seguinte comentário, na imprensa (depois republicado nas Memórias da Rua do Ouvidor, de 1878): “Ainda bem que a ginástica já entra seriamente no sistema de educação pública, e na província do Rio de Janeiro adotou-se até a ginástica apropriada para o sexo feminino na escola normal”.
E, antes que alguém achasse que fazia ironia, declarou: “Eu reconheço a conveniência e aplaudo a aplicação do ensino da ginástica”.
Aliás, devemos reconhecer em Macedo um entusiasta dos exercícios físicos em geral, tanto que, em 1863, pedia a instituição das regatas no Rio de Janeiro (Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro).
Mas e o futebol feminino?

A dissertação de Mestrado em Educação Física de Eriberto Moura, pela Unicamp, é sobre as relações que há entre lazer, esporte e gênero. Só que a vasta pesquisa de periódicos de época que ela o obrigou a fazer acabou revelando alguns dados sobre qual seria a primeira partida de futebol feminino no Brasil.
Nessa pesquisa, descobriu pistas de jogos entre mulheres entre
1908 e 1909. Mas o que entrou para a história foi um jogo que em tese seria
disputado entre homens e mulheres em 25.01.1913, num evento beneficente para
construção de um hospital da Cruz Vermelha para crianças pobres – que foi
inaugurado em 1917. Atendendo ao discurso dos médicos de então, que pregavam
que as pessoas praticassem esportes, os jornais divulgavam o evento anunciando
que “as mulheres podem até jogar futebol”. Só que, nas edições dos dias
seguintes, foi informado que a “Madame Lili” da escalação era, na realidade, um
homem com vestido, peruca e maquiagem. Na verdade, o time “feminino” era
formado por jogadores do Sport Club Americano, campeão paulista daquele ano,
vestidos de mulher, misturados a “senhoritas da sociedade”.
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Time fut. feminino. Foto A Plateia, 28/01/1913. Crédito: Arquivo do Estado de SP. |
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Equipe do RJ, década de 50. Crédito: Arq. do Estado de SP. |
Para se ter uma idéia da resistência masculina, segundo Antonio
Carlos Nogueira de Oliveira (o “Leivinha”), a primeira partida de futebol
feminino em São João da Boa Vista (SP) mereceu excomunhão da Igreja Católica,
pelo Padre Antonio David. Isso em 1952!
Crédito: www.leivinha.com.br
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Pde Antonio David, S. João da Boa Vista. Crédito: www.leivinha.com.br |
Muito diferente foi a atitude do Monsenhor Severino, em Campos dos
Goitacazes (RJ). Para angariar fundos para o Orfanato São José, ele organizou
os primeiros jogos de futebol feminino na cidade, em 06.08.1931. As moçoilas
representaram os três principais clubes locais: Americano, Goitacaz e Rio
Branco. Conta Nilo Terra Arêas que Monsenhor Severino, no entanto, teve de
enfrentar grande resistência de muitos pais austeros que consideravam o futebol
um jogo “pecaminoso”. Resultado: suas filhas foram jogar às escondidas...
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Léa Campos, 1ª árbitra no Brasil. |
Salvo engano, em 03.11.1940 ocorreu o que me parece ter sido a primeira arbitragem feminina no futebol
brasileiro. Foi em Petrópolis, conforme informação de Gabriel Kopke Fróes (apud Paulo Ferreira). Naquele dia, o
Serrano FC organizou um festival em que a partida principal foi um jogo de
futebol feminino de duas equipes cariocas e a preliminar foi um jogo entre
marmanjos do Serrano e do America. Nessa preliminar, como o árbitro se indispôs
com ambas as equipes (incrível, era um amistoso...), a jogadora Margarida
Soares assumiu o apito e levou o jogo até o fim, sem novas reclamações (muitos
anos depois, em vez de “a Margarida”, a arbitragem brasileira contou com “o
Margarida”, Jorge José Emiliano dos Santos). Depois, ainda participou da
partida principal, na qual ainda teve fôlego para entusiasmar a torcida com
suas “formidáveis escapadas e correção nas fintas e arremates”, segundo a Tribuna de Petrópolis. (Segundo Poli e
Carmona, a primeira árbitra brasileira a ser reconhecida pela Fifa foi Léa
Campos, em 1971.)
Parece que foi de 1959 o primeiro
jogo interestadual de futebol feminino: uma partida beneficente entre
vedetes cariocas e paulistas.
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Time feminino do Araguari A.C, uma das primeiras do país. |
Em 14.04.1941, o Decreto-lei nº 3.199, em seu art. 54, dispunha
que “às mulheres não se permitirão a prática de desportos incompatíveis com as
condições de sua natureza”. Esse artigo foi regulamentado em 1965 pelo Conselho
Nacional de Desportos (CND), cuja Deliberação nº 7 dizia que: “não é permitida
a prática feminina de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão,
futebol de praia, pólo, halterofilismo e baseball”.
Quando surgiu o primeiro
clube de futebol feminino? No remo, o primeiro clube feminino foi o Grupo
de Regatas Feminino, da pequena Ilha da Pombeba, na Baía da Guanabara. Fundado
em 1901, disputou uma regata com remadoras do Club Cajuense e fechou as portas,
devido ao preconceito que sofreram (cf. Victor Andrade de Melo e Penna
Marinho).
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Jogo futebol feminino, na Bahia, 1956. |
Quanto ao futebol feminino, uma exposição virtual do Arquivo Público do Estado de São Paulo (www.arquivoestado.sp.gov.br) afirma que os primeiros clubes foram fundados na década de 1940, no Rio de Janeiro, como o Cassino Realengo, o SC Brasileiro e o Eva FC. No entanto, há notícia de um clube feminino de futebol fundado antes disso, em 1924, em Belém, com o sugestivo nome de Bloco das Palmeiras – cf. Revista A Semana, de 16.11.1924, apud Magalhães. Tudo indica que foi mesmo o primeiro.
Alex Leonardos chama atenção para um clube fundado em 1965 (ou
seja, justamente no ano da proibição do futebol feminino pelo CND): o
Canarinhos FC – nome escolhido em virtude do uniforme comprado: camisas
amarelas com detalhes em verde. Tudo começou quando, em certo domingo, um grupo
de moças da Vila Pan-Americana, na Ilha do Governador, resolveu promover uma
“pelada” só de mulheres (vestidas, é claro). O sucesso do evento fez com que,
semanas depois, fosse fundado o clube. O detalhe é que, no estatuto, os pais
das jogadoras constavam como diretores, mas eram apenas “laranjas” – segundo
Alex Leonardos, para “resguardar a imagem das garotas e dar um caráter bem
familiar ao clube”. Dos tombos e trombadas iniciais, o clube evoluiu para o
sucesso, a ponto de receber convites para apresentações em outras cidades.
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Equipe feminina do Canarinhos FC. Crédito: acervo Jaime Moraes. |
Por fim, segundo Márcia Morel e José Geraldo Salles, o EC Radar,
do Rio de Janeiro, foi o primeiro clube
de futebol feminino a excursionar pelos EUA e América do Sul, em 1982.
Sobre
Láercio Becker:
É de Curitiba, no
Paraná. Autor do livro:
"Do fundo do baú -
Primórdios no futebol brasileiro" (Editora Campeões do Futebol, 2011). Também
acessível online, pelo link:
O futebol no Brasil ainda é lembrado como coisa de homem, contudo se você for aos EUA podemos verificar que lá é totalmente diferente. No Brasil é visto pela maioria como preconceito e ainda podemos ver que no Brasil ainda não tem um mercado bom para o futebol feminino às jogadoras da seleção em sua maioria jogam no exterior porque no Brasil não tem oportunidades.
ResponderExcluirÉ, e depois que elas entraram pra valer no âmbito do futebol, considerado masculino, nos deu muitas glorias.
ResponderExcluirParabéns as mulheres do nosso país varonil, Brasil, sil, sil...
Abraço
Espalhei!
ResponderExcluirPassei na Arquibancada...
Beijo.