Viver mais de meio século nos bastidores do futebol não é
para qualquer um. Pouco “badalado” entre os treinadores brasileiros que fizeram
história no nosso futebol, o professor Teixeira quis deixar um legado, em
livro, sobre essa sua longa trajetória.
“50 anos por dentro do futebol – Histórias e bastidores”
(Phorte Editora, 2010) é livro obrigatório para aqueles que querem conhecer os
bastidores do comando técnico de um clube ou seleção de futebol. E nada melhor
do que as histórias vividas pelo professor Teixeira, que, em fevereiro de 2010,
completou 51 anos no futebol. Seus números são incríveis: 6 vezes campeão e 1
vice, atuando em 14 clubes no Brasil, 5 no exterior e 11 seleções paulistas e
brasileiras de várias categorias, exercendo os cargos de preparador físico e
auxiliar técnico. 16 vezes campeão e 7 vice, como treinador. 4 vezes campeão e
3 vice, como supervisor e coordenador técnico. E ainda, participação em 362
jogos internacionais, sendo 90 de seleções.
Mais do que “números”, a história do professor Teixeira
no mundo do futebol merece ser conferida. Literatura na Arquibancada destaca
abaixo a introdução da obra além de um capítulo muito especial sobre o trabalho
que ele desenvolveu no Corinthians, como técnico, logo após a quebra do jejum
de 22 anos sem títulos (em 1977). Trabalho que envolveu a contratação de um dos
maiores jogadores brasileiros de todos os tempos. Os bastidores da contratação
de Sócrates são incríveis.
Introdução
Por Prof. José
Teixeira
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Prof. Teixeira ao lado de Vicente Feola. |
Há cinquenta anos venho trabalhando no futebol
profissional e ocupando diversas funções nessa área, ao início da minha
carreira, como preparador físico e técnico das equipes de aspirantes e,
posteriormente, como técnico de equipes profissionais, em vinte clubes pequenos
e grandes, no Brasil e no exterior, em jogos com seleções paulistas e
representativas do Brasil, tanto de juniores quanto de infantis, com seleções
paulistas profissionais e como auxiliar de Cláudio Coutinho, na seleção nacional,
além de comandar a seleção feminina de futebol que representou o Brasil na Copa
da Paz, na Coreia, totalizando o número considerável de noventa participações
em seleções, além de muitas centenas de jogos com os diversos clubes em que
trabalhei, como também das passagens por importantes clubes da Colômbia, da
Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos, do Peru e do Japão.
Exerci os cargos de supervisor e coordenador técnico, em
clubes e seleções, conseguindo uma grande experiência prática durante a minha
vida profissional, que sempre foi embasada nos aspectos científicos do
treinamento desportivo, na pesquisa, no controle estatístico, na formação da indispensável
infraestrutura dos clubes e, principalmente, na valorização e no
aperfeiçoamento de todos os componentes do grupo de trabalho.
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Prof. Teixeira, ao lado de Brandão, técnico do Corinthians. |
Quantos fatos importantíssimos acontecem nos bastidores,
nos vestiários, durante os treinamentos, as concentrações e as viagens e,
principalmente, nas reuniões ocorridas antes dos jogos e nos intervalos e que
não chegam ao conhecimento do grande público e dos interessados em conhecer
essas nuanças específicas do futebol as quais somente alguns privilegiados
tiveram a oportunidade de presenciar, participar delas ou provocá-las, para que
algumas acontecessem e fossem utilizadas em prol de uma melhoria da equipe
durante as partidas.
Este livro conta inúmeras dessas situações, com clareza,
objetividade e, principalmente, com o escopo de informar os que poderão
utilizar essas informações como parâmetros para feitos idênticos por outros
profissionais.
Não posso deixar passar esta importante oportunidade,
como agradecimento ao próprio futebol: a de poder transmitir estes
conhecimentos e estas experiências para todos aqueles que pretendem trabalhar
ou que já estejam atuando no futebol.
Com a finalidade de que todos tomem conhecimento dessa
vivência, faço esta publicação com a satisfação de passar ao público em geral e
aos desportistas especializados no futebol esse acervo, esperando e desejando
sinceramente que toda essa cultura por mim adquirida seja de utilidade para
facilitar aos que tem interesse de participar dessa importante e complexa área
desportiva profissional, com o objetivo de colaborar para um desenvolvimento
ainda maior do futebol brasileiro.
A indispensável
presença de Sócrates
para o novo esquema tático
Por Prof. José
Teixeira
Durante o treinamento físico que estava sendo realizado
pela manhã do dia 8 de agosto de 1978, no Parque São Jorge, recebi um recado do
nosso prestativo Caldeirão, misto de porteiro e segurança, dizendo que o
presidente Vicente Matheus queria falar comigo assim que terminasse o
treinamento.
Ao final das atividades, dirigi-me à sua sala,
cumprimentando-o normalmente, quando ele respondeu, praticamente balbuciando: “Vamos”.
Saímos da sala e subimos na sua Mercedes esportiva de cor
prata, de placa 777, saindo do Parque São Jorge, com destino ao centro da
cidade, quando eu perguntei: “Posso saber aonde vamos?”.
E ele respondeu: “Vamos contratar o volante que você
pediu”.
O Corinthians tentou contratar o jogador Batista, do
Internacional, de Porto Alegre, como já foi explicado anteriormente, porém,
como a negociação não se concretizou, continuamos a procurar outro para a
posição.
“Quem é o jogador?” – perguntei.
A resposta foi rápida e entusiasmada: “Chicão, do São
Paulo F.C”.
“O senhor não pode contratar o Chicão.” – respondi com
convicção.
O presidente parou a sua Mercedes em plena Marginal e,
dirigindo-se a mim com a voz alterada, perguntou: “Eu não entendo, você diz que
a equipe precisa de um bom jogador para a posição de volante, e quando eu
consigo um de nível de seleção, você diz que não serve! Eu já acertei tudo com
o Dr. Galvão (Dr. Antonio Leme Nunes Galvão, presidente do São Paulo).
“O que o senhor acertou com ele?” – continuei.
“Vou trazer o Chicão, pagar 2 milhões de cruzeiros (US$
165.000,00) e dar o passe de Cláudio Mineiro.”
“O senhor não pode fazer isso porque vai montar o time do
São Paulo.”
“Como?” – perguntou, irritado.
E eu, calmamente fui explicando toda a situação: “O
presidente do São Paulo, Dr. Galvão, já acertou com o presidente Benedini, do
Botafogo, de Ribeirão Preto, a contratação do meio de campo Sócrates e do
zagueiro Ney. Se o senhor der o Cláudio Mineiro, vai montar o time do São
Paulo. Onde está o Chicão?” – perguntei. E sem esperar uma resposta, afirmei: “Ele
está na cidade de Salto, fazendo tratamento de uma dor no ciático.”, já que era
a informação que corria nos meios esportivos. Continuei: “Vamos trazer um
jogador que o São Paulo não está usando por motivo físico e vamos dar a eles
três jogadores que deverão ser muito úteis”.
O presidente Vicente Matheus, dentro da sua simplicidade
e alta inteligência, entendendo a inesperada e desagradável situação,
perguntou: “O que eu faço agora, se já acertei tudo com ele? Estamos indo lá
para almoçar com o Dr. Galvão e definir o negócio.”, completou, meio sem jeito,
já que era homem de uma palavra só.
“Nós vamos lá e o senhor diz a ele que o técnico do
Corinthians não quer o Chicão.”
O presidente Vicente Matheus, com o seu carro
Mercedes-Benz em movimento, seguiu em silêncio para a Rua Boa Vista, no centro
de São Paulo, onde, no restaurante do Jóquei Clube, aconteceria a marcada
reunião.
Chegando ao local, o presidente Matheus, dirigindo-se a
mim, disse: “Espera aqui. Eu vou lá em cima falar com ele e já volto”.
Voltou quinze minutos depois, e sem falar nada, seguimos
na direção do Parque São Jorge. Como ele não falava nada, já que estava
constrangido, perguntei: “O que aconteceu?”.
“Falei para ele que o técnico do Corinthians não tinha
aprovado a contratação do jogador Chicão. Ficou muito nervoso, e eu quebrei uma
negociação que já estava apalavrada, coisa que não gosto de fazer, mas se for
para o bem do Corinthians, está bem.”
Sempre colocava o interesse do Corinthians em primeiro
lugar, e imagino como deve ter sido difícil para ele voltar atrás em uma
negociação já iniciada. Seguimos até o Parque São Jorge, praticamente, em
silêncio. Lá chegando, disse que eu precisava conversar sobre novas
contratações, e marcamos em sua residência, já que, nesse dia 8 de agosto, não
haveria treino à tarde.
No horário combinado, lá estava eu em sua casa na Rua
Maria Eleonora, 133, próximo do clube. Aconteceu uma reunião informal, com a
presença da sua esposa, Dona Marlene Matheus, e ele, novamente, manifestou o
desconforto pelo acontecido com o Dr. Galvão. Outra vez, expliquei o assunto
muito mais detalhado e tive o apoio de Dona Marlene, que afirmou: “Vicente, se
foi bom para o Corinthians, também foi bom para você”. Essas sábias palavras
acalmaram o presidente.
Reiniciado o assunto sobre contratações, analisamos os
nomes já contratados e os dos que subiram dos juniores para o elenco
profissional, quando eu disse ao presidente: “O senhor tem de contratar o
jogador Sócrates, do Botafogo de Ribeirão Preto”. “Mas ele já está apalavrado
com o São Paulo”, respondeu. “Porém, ele ainda não foi contratado”, afirmei, “e
os 3 milhões de cruzeiros que o Botafogo está pedindo pelo Sócrates e pelo Ney,
o Corinthians também pode pagar”.
Essa colocação fez o presidente ficar indeciso.
Continuei: “O Corinthians precisa do Sócrates, para ser a peça principal do
novo esquema tático que deveremos colocar em prática na equipe titular”.
Peguei o telefone e liguei para o presidente Benedini, do
Botafogo, dizendo que o presidente Vicente Matheus queria falar com ele. Após
os cumprimentos iniciais, o presidente Matheus simplesmente disse: “Amanhã
estarei aí em Ribeirão Preto, para falar sobre a contratação do Sócrates”. “Ele
está praticamente acertado com o São Paulo”, foi a resposta do presidente do
Botafogo. O Sr. Vicente Matheus continuou: “Mas amanhã estarei aí e
conversaremos pessoalmente”, e desligou o telefone.
Soubemos depois que o presidente do Botafogo entrou em
contato com o Dr. Galvão, expondo a conversa com o presidente do Corinthians,
ao que o Dr. Galvão teria dito: “Se o presidente Vicente Matheus for realmente
a Ribeirão Preto, pela liberação do Sócrates, peça 6 milhões de cruzeiros que
ele desiste, por ser um valor fora da nossa realidade”.
No dia seguinte, o presidente do Corinthians, em
companhia do vice, Izidoro Matheus, e dos diretores de futebol, Leonel Marconi
e Orlando Monteiro Alves, lá estavam e se encontraram, no lugar combinado, com
o presidente do Botafogo. Posteriormente, chamaram Sócrates para participar da
reunião. O preço inicial pedido pela liberação do jogador foi de 6 milhões de
cruzeiros. O presidente Matheus ficou negociando até altas horas da noite, conseguindo
a sua liberação.
Voltou com Sócrates, pagando “somente”, Cr$ 5.860.000,00.
“Não paguei os 6 milhões pedidos”, gabava-se ele. O extraordinário jogador
Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Oliveira, médico e meio de campo do
Botafogo, foi, até aquela data, a transferência de valor mais elevado
acontecida no Brasil, aproximadamente 351 mil dólares. Soube depois, pelo
próprio Dr. Galvão, desse e de outros detalhes sobre aquela transferência, em
um jantar que fizemos, com a presença de sua esposa, na cidade de Guadalajara,
no México, durante a Copa de 1986.
Durante os nossos levantamentos e análises em anos
anteriores ao título de 1977, observamos que o time corintiano tinha um rendimento
altamente positivo quando o “centroavante” estava em uma fase favorável e
fazendo muito gols. Assim foi na época de Baltazar, na década de 1950, e
depois, a situação se repetiria, com Flávio, Ney, Servílio, Sílvio, Mirandinha
e Geraldão, o último “centroavante” que se sagrou campeão recentemente, depois
de 22 anos...
Por que Sócrates seria importante no novo esquema tático?
Após muita análise dos estudos da forma de jogar da
equipe do Corinthians, através dos tempos, chegamos à conclusão de que haveria
a necessidade da aplicação de um esquema tático para diversificar as
oportunidades de conclusão ao gol dos adversários, e isso só seria possível com
a contratação de jogadores com características técnicas diferentes das
utilizadas normalmente pela equipe até agora. Por isso, necessitávamos de um
jogador com as características técnicas de Sócrates, que jogaria de atacante,
com espaço para criar e concluir, para formar uma dupla de pontas de lança com
Palhinha, outro jogador com as mesmas características de inteligência e
habilidade, rápidos para pensar e executar e liberados da luta pela posse da
bola, contando com os dois ponteiros, Vaguinho e Romeu, bem abertos, para
jogarem nas costas dos laterais ou atraírem os zagueiros centrais para os lados
do campo e contando com um marcador implacável no meio de campo, que seria
Martin Taborda.
Seria formada a base do elenco profissional com os
seguintes jogadores: Jairo ou Solito, para o gol; Zé Maria, Luiz Cláudio,
Wladimir e Cláudio Mineiro, para as laterais; Mauro, Amaral, Zé Eduardo e
Djalma, para a defesa; Martin Taborda, Biro-Biro, Basílio e Wagner Basílio,
para o meio de campo; Vaguinho, Piter, Palhinha, Ruy Rey, Sócrates, Romeu,
Wilsinho, além dos jovens Solitinho, Nobre, Pley, Ned, Rodolfo e Rubinho,
totalizando 27 jogadores.
Estávamos certos! Felizmente, o presidente Vicente
Matheus acreditou na proposta de reformulação do elenco de jogadores. Esse
grupo serviu de base, por muito tempo, para grandes exibições, e a nova forma
de aplicação tática foi a responsável também por grandes conquistas e
importantes títulos. Sócrates passou então a jogar como falso centroavante,
usando a camisa de número 9, a mesma que também usou por muito tempo na seleção
brasileira.
Sobre o autor:
José de Souza Teixeira realizou na USP os cursos de
Educação Física, Técnico Desportivo de Futebol, Administração e Gerência
Desportiva, e Biomecânica, além de Oratória e Relações Públicas. Possui, ainda,
mais de 30 atualizações em várias áreas do esporte. Foi diretor, organizador e
professor de 23 cursos oficiais sobre futebol, sendo 14 no Brasil e 9 no
exterior, e participou de 145 palestras e conferências sobre assuntos
relacionados ao melhor rendimento técnico, educacional e social dos
profissionais do futebol. É autor do livro A história de um tabu que durou 22 anos.
Caro autor, parabéns pelo blog! Reúne muitas informações e histórias do esporte.
ResponderExcluirProcurei pelo seu contato, e-mail, nome, mas não consegui. Tenho alguns materiais raros que possam ser de seu interesse para o blog, ou do interesse de algum colecionador. Não tenho os meios necessários para divulgar, então acredito que seu blog possa ser o caminho. Possuo o álbum da seleção brasileira de 1958, bem como o Almanaque da FPF de 1957, Álbum de figurinhas varzeanas do ABC, um livro chamado "História do Futebol em Santo André", etc.
Qualquer coisa, meu e-mail é eduardo.falasca@gmail.com
Grande abraço,
Eduardo.
Eduardo. Meu e-mail é andreribeiro2050@gmail.com. Seu material pode ser interessante para o pessoal de um grupo do qual faço parte, o MEMOFUT. Pesquisadores e amantes do futebol que colecionam raridades. abs e obrigado pelos comentários sobre o Literatura na Arquibancada.
ExcluirOla André!
ResponderExcluirRecentemente o meu pai, Prof. José Teixeira, completou 82 anos com muita saúde e uma memória pra la de eficiente!
Ele continua com os seus dois livros à venda:
- A HISTÓRIA DE UM TABU QUE DUROU 22 ANOS,
Sobre o título de 1977 do Corinthians!
- 50 ANOS POR DENTRO DO FUTEBOL,
Que parte da obra está na sua página.
Caso haja interesse de algum amigo internauta, só fazer o pedido pelo jrbrasil66@hotmail.com
Obrigado pelo apoio e divulgação!
Abç!
Junior Teixeira