A literatura esportiva brasileira ganhou um documento
precioso, especialmente para pesquisadores, jornalistas e escritores que
trabalham com a memória do tema no país.
Trata-se do maior levantamento bibliográfico já produzido
sobre o futebol brasileiro, organizado pelo Portal da Fundação Joaquim Nabuco
(Fundaj). Confira abaixo o artigo assinado pelo jornalista Arthur de Menezes,
da Assessoria de Comunicação Social da Fundaj.
O
futebol brasileiro, de 1894 a 2013 (Parte I)
Por Arthur Pedro Bezerra de Menezes
![]() |
Coelho Neto |
Trata-se de “O Futebol Brasileiro, de 1894 a 2013: uma
bibliografia”, um trabalho coordenado pelas bibliotecárias Lúcia Gaspar e
Virgínia Barbosa, com apresentação do pesquisador da Fundação, Túlio Velho
Barreto. Ela reúne 1.464 referências de
obras sobre futebol, organizadas por grandes temas (postos no sumário da
obra) e um índice alfabético (autor, título e assunto) que remete para o número
de cada documento referenciado.
Em 162 páginas, há a bibliografia sobre quase 120 anos de história do futebol no País.
E foi após a escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo de 2014, que Lúcia e
Virgínia fizeram um levantamento para verificar a existência de bibliografias
sobre o futebol brasileiro. Verificando que não havia um trabalho mais extenso
sobre o tema, elas resolveram elaborar um inventário sobre o assunto, para
disponibilizar no portal da Fundaj, em 2013.
Para isto contaram com a colaboração de Aécio Oberdam dos
Santos, Nataly Rodrigues da Silva e Ana Patrícia de Oliveira Jerônimo,
estagiários do Curso de Biblioteconomia da UFPE, durante seus estágios
curriculares na Fundação, orientados por Lúcia e Virgínia. O material que foi
coligido e reunido na obra começa por uma produção não acadêmica, que antecedeu
os estudos e pesquisas oriundos das universidades. Uma parte composta pela
literatura ficcional, da prosa, em especial, como por exemplo, Graciliano
Ramos, Alcântara Machado, João do Rio, Coelho Netto e Lima Barreto, que são
contemporâneos à introdução ou à institucionalização do futebol no país. Da
produção nacional jornalística, em geral, os textos são mais no formato da
crônica, como os escritos pelos jornalistas Mário Filho e Nelson Rodrigues, e
os do escritor José Lins do Rego.
Outros são ensaios, como o do sociólogo Gilberto Freyre,
que também era escritor e publicou em 17 de junho de 1938, no Diário de
Pernambuco, o artigo “O Foot-ball Mulato”, considerado por estudiosos uma
síntese das características da escola futebolística brasileira. Freyre foi quem
comparou os estilos brasileiro e inglês de jogar: o primeiro, Dionisíaco; o
segundo: apolíneo.
Porém, o livro “O Negro no Futebol Brasileiro”, de Mário
Filho, é considerado o maior clássico sobre a história do nosso futebol,
enveredando por uma análise sociológica do assunto. Dos textos acadêmicos, há
um que é o elo entre a produção ensaística e a rigorosamente acadêmica, que é o
livro de Edilberto Coutinho, “Maracanã Adeus”. A primeira obra considerada do
nível acadêmico/universitário é o livro “O Universo do Futebol”, publicado em
1982, dos antropólogos Roberto Da Matta, Luiz Felipe Baeta Neves, Simoni Lahud
Guedes e Arno Vogel.
Mais recentes, os livros “Veneno Remédio: o futebol e o
Brasil”, de José Miguel Wisnik, e Futebol, Sociedade, Cultura, de Hilário
Franco Júnior, são os que merecem registros dos pesquisadores como trabalhos de
qualidade que foram publicados nas últimas décadas.
P.S. - O maior levantamento bibliográfico sobre o futebol
brasileiro está disponibilizado na internet, no site da Fundação Joaquim Nabuco
(Fundaj) no endereço:
Literatura na Arquibancada
destaca abaixo pequeno trecho do texto de apresentação do pesquisador da
Fundação Joaquim Nabuco, Túlio Velho Barreto. O texto completo você pode
acessar logo acima.
Bibliografia sobre
o futebol brasileiro
atesta sua importância e ajuda a contar
a história do
País, a entendê-lo e explicá-lo
Por Túlio Velho Barreto
![]() |
Gilberto Freyre |
De título bastante
sugestivo, o artigo trazia, possivelmente pela primeira vez, uma síntese das
características da escola futebolística brasileira: “o nosso estilo [de jogar
futebol] parece contrastar com o dos europeus por um conjunto de qualidades de
surpresa, de manha, de astúcia, de ligeireza e ao mesmo tempo de espontaneidade
individual. Os nossos passes, os nossos pitus, os nossos
despistamentos, os nossos floreios com a bola, há alguma coisa de dança ou
capoeiragem que marca o estilo brasileiro de jogar futebol, que arredonda e
adoça o jogo inventado pelos
ingleses”. E mais: para Freyre, o sucesso alcançado em campos franceses
resultava do fato de o Brasil estar sendo representado por um team verdadeiramente afro-brasileiro, o
que não ocorrera anteriormente. Autor bissexto sobre futebol, Freyre logo
usaria expressões de conteúdos opostos para definir e comparar os dois estilos:
“dionisíaco”, para o brasileiro, e “apolíneo”, para o inglês. Assim, daria
sentido antropológico ao estilo brasileiro, o futebol-arte, que nos distingue
dos europeus desde então. Isso, pasmem, duas décadas antes do Brasil conquistar
pela primeira vez uma Copa do Mundo, e superar, como escreveria mais tarde o
dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues, o nosso secular “complexo de
vira-latas’”.
É mesmo possível que,
ali, Vargas tenha percebido o apelo popular que tem o futebol e pensado em
usá-lo como ferramenta para construir a ideia de Nação, que, como tal, ainda carecia
de identidade. Nesse sentido, o próprio Freyre, com textos sobre o “foot-ball mulato”, e o escritor e
jornalista Mario Filho, ao lado do irmão Nelson Rodrigues e do romancista José
Lins do Rego, com iniciativas institucionais em torno dos esportes, contribuiriam
para a “invenção” de nossa nacionalidade através do esporte, em especial do
futebol, como se verá mais adiante. Tal perspectiva é adotada, inclusive, por
Fátima Maria Rodrigues Ferreira Antunes em Com
brasileiro, não há quem possa! sobre as crônicas de Nelson, Mario e José
Lins, e outros autores que abordaram, separadamente ou em conjunto, a obra
deles três.
Mas não foram poucos,
nem menos ilustres ou apenas brasileiros os que reconheceram o status de
arte do nosso futebol. Por exemplo, muitos anos depois de Freyre, o historiador
britânico Eric Hobsbawm, no livro Era dos
extremos, indagaria, já respondendo: “quem, tendo visto a seleção
brasileira jogar em seus dias de glória, negará sua pretensão à condição de
arte?” Da mesma forma, o cineasta italiano Píer Paolo Pasolini, logo após a
vitória brasileira no México, em 1970, compararia nosso futebol à poesia, mais
inventiva e livre, e o europeu, à prosa, mais presa às
regras e aos resultados, associando as formas literárias às características típicas
de cada povo. Ainda durante aquela Copa, um garoto inglês ficaria igualmente
encantado com o desempenho brasileiro. E, mais tarde, ao escrever suas memórias
de torcedor, não economizaria adjetivos para explicar o que representou para
ele assistir pela primeira vez a plástica de nosso futebol. O livro é Febre de bola e seu autor é Nick Hornby,
escritor e roteirista de cinema.
Mas, infelizmente, nem
sempre o estilo brasileiro gozou de unanimidade, mesmo entre nós. E o mais
grave: a literatura sobre o nosso futebol mostra que, fora das quatro linhas, o
comportamento de cartolas, os chamados “donos da bola”, não faz justiça ao status de arte conquistado dentro delas.
Portanto, para conhecer e compreender melhor o nosso futebol, deve-se
igualmente consultar uma bibliografia diversificada como esta que se apresenta
agora: dos primórdios do futebol no Brasil até as sombrias atividades da CBF,
passando pela violência praticada pelas diversas
torcidas organizadas espalhadas pelo País, por exemplo. E, como se verá, a
despeito do que afirma o senso comum, a bibliografia, tanto acadêmica quanto – na
falta de expressão melhor, vamos chamar assim – literária, é relativamente
vasta e diversificada. Aqui, está apenas uma amostra do que se pode ler para
conhecer melhor sua incrível e vitoriosa história.
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