Ele é um estudioso do futebol e também mestre,
porque é professor em universidades brasileiras. E chega agora para integrar o universo da
literatura esportiva com o seu “A Bola e
o Verbo - O futebol na crônica brasileira” (Summus Editorial).
Rodrigo Viana é do interior paulista, da cidade de
Araraquara, terra de muitos craques dentro e fora dos gramados. E driblando a
falta de espaço na mídia em geral, ele resgata um gênero considerado (por
alguns) “menor” da literatura. A obra de Rodrigo Viana está aí para comprovar o
contrário.
Abaixo, Literatura na Arquibancada destaca o texto
de apresentação de “A bola e o verbo”, escrito por um dos mestres da crônica
brasileira. E logo a seguir, a introdução de Rodrigo Viana.
Apresentação
Por Ignácio de Loyola Brandão
A cidade que deu boleiros como Dudu, Bazani, Rosan,
Peixinho, Dirceu e outros mais (mesmo não tendo ali nascido, se fizeram ali),
locutores como Ennio Rodrigues e Wilson de Freitas, também produziu Marco
Antonio Rodrigues, hoje Globo, e Rodrigo Viana. Por isso atravessei com prazer
este livro. Porque os livros de qualidade sobre futebol são raros. Ou clichês.
Rodrigo foge do lugar comum e nos traz o clima de um mundo que, parecendo ser
tão familiar, ao dar a sensação que está em nosso
quintal, ainda conserva segredos e mistérios, que não se desvendam assim. Não é
mais um livro sobre futebol, é um bom livro, que atravessei de ponta a ponta em
algumas horas. Quanto mais simples é a escrita, mais difícil ela é na sua
feitura. A simplicidade exige disciplina, talento, aplicação. E essa
simplicidade aparente está aqui para decifrar uma coisa que, como disse, parece
simples, no entanto é complexa, o mundo do futebol.
Bem-vindo ao mundo do futebol literatura, Rodrigo
Viana.
Algumas palavras de aquecimento
Por Rodrigo Viana
A citação do escritor e jornalista Carlos Heitor
Cony defende a ideia de que a crônica é um gênero literário e, portanto, faz
parte da literatura, ainda que “literatura menor”.
O assunto, no entanto, não constitui ponto pacífico
entre os críticos literários. A discussão não é nova. Ao contrário, estende‑se
desde o período colonial. Na transição Colônia‑Império e, principalmente, em fins do século XIX até meados do
século XX, os escritores e os críticos literários não a consideravam um gênero.
Somente após o modernismo (1922) o olhar da crítica passou a ser mais cuidadoso
em relação à crônica.
Ao mesmo tempo, começou‑se a desenvolver uma
corrente de pensamento que considerava a crônica um gênero tipicamente
brasileiro. Para Antonio Candido (1992, p. 15), “[...] se poderia dizer que sob vários aspectos é um gênero
brasileiro, pela naturalidade com que se aclimatou aqui e a originalidade com
que aqui se desenvolveu”.
Mário de Andrade |
Não se amole de dizerem
que os seus contos não são contos, são crônicas etc. Isso tudo é latrinário,
não tem a menor importância em arte. Discutir “gêneros literários” é tema de
retoriquice besta. Todos os gêneros sempre e fatalmente se entrosam, não há
limites entre eles. O que importa é a validade do assunto na sua própria forma.
(Andrade, 1982, p. 23)
Já situando a crônica como um “gênero híbrido” da
literatura – uma de suas características mais relevantes, como veremos ao longo
do caminho –, o “tom” irônico de Mário de Andrade serve para que ele se
posicione sobre o assunto: claramente, a sua predileção é pela tese de que a
crônica, naquele momento, já se constituía num gênero literário.
Contudo, nem mesmo o Modernismo e a palavra de
credibilidade de escritores como Mário de Andrade fizeram que outros
intelectuais mudassem de ideia sobre o assunto. Os críticos que não
consideravam a crônica gênero literário afirmavam que ela nascera como
folhetim, junto com os jornais, sendo publicada num dia e apagada no outro.
Sublinhavam também a questão do envelhecimento do texto pela ação do tempo
sobre os acontecimentos, as personalidades e os modos de vida do período
abrangido.
![]() |
Nelson Rodrigues |
Desse modo é que vai ocorrendo a sedimentação do
conceito da crônica como gênero literário e também jornalístico. Aos poucos,
outros grandes nomes da literatura brasileira se apropriaram do
binômio crônica/jornalismo: Carlos Drummond de Andrade, Nelson Rodrigues,
Lourenço Diaféria, Fernando Sabino, João Saldanha, Carlos Heitor Cony e Armando
Nogueira, entre outros. E é nesse momento, com a apropriação do gênero pelos
escritores, que toma força a ideia de que é justamente o relato, ou a maneira
de relatar o “acontecido”, que confere à crônica um espaço, ainda que diminuto,
na literatura.
A inspiração e os assuntos das crônicas – que
vinham de fatos políticos, sociais, históricos, esportivos e culturais – faziam
que o cronista adquirisse um olhar às vezes crítico, às vezes humorístico, às
vezes puramente artístico e inovasse na confecção dos textos, conferindo‑lhes
uma nova roupagem, capaz de quebrar a rotina monótona do dia a dia. Portanto, o
mero argumento de que, assim como a notícia de jornal, a crônica, por
similaridade, teria apenas a função de noticiar os acontecimentos,
simplificaria muito o debate. Pior: o empobreceria.
![]() |
Lourenço Diaféria |
A dialética inicial que contrapunha crônica à
literatura, no seio do surgimento da imprensa no país, dilui‑se com o tempo.
Para Edvaldo Pereira Lima (1993, p. 138), “o
jornalismo absorve assim elementos do fazer literário, mas, camaleão,
transforma‑os, dá‑lhes um aproveitamento direcionado a outro fim”. Ou seja, não
se trata mais apenas de transmitir a notícia, mas de “como” e do que se provoca
no leitor com o tom literário da transmissão.
Trata‑se, então, de literatura.
Nota: (1)
Um fato interessante sobre esse “batismo literário”
de Machado de Assis é que essa atividade lhe rendeu o pseudônimo de “Dr.
Semana”, porque outros escritores, aproveitando‑se da liberdade proporcionada
pelo anonimato que o pseudônimo lhes oferece, também assinavam os textos da
coluna de Machado no Jornal do Commercio.
Entre esses “anônimos”, podemos citar Pedro Luís, Varejão Félix Martins e
Quintino Bocaiúva.
Sobre Rodrigo
Viana:
Nasceu
em Ilha Solteira (SP), mas adotou Araraquara (SP) como cidade natal. Jornalista
e mestre em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), é
professor de pós-graduação em Jornalismo Esportivo. Repórter do SBT e colunista
da revista Imprensa, ministra
palestras, oficinas e workshops em parceria com a Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). Criador do FutCiência –
grupo de estudos dentro da Universidade do Futebol – também é membro do Memofut
– Grupo de Literatura e Memória do Futebol. Em mais de 15 anos de carreira,
rodou o mundo atrás de boas histórias: em 2012, viajou para o Japão e
acompanhou a saga do título mundial do Corinthians. Seguindo a linha
investigativa no esporte, denunciou o esquema de venda de ingressos pela
segurança da Fifa na Copa das Confederações, ocorrida em junho de 2013 no
Brasil. É apaixonado pela Ferroviária de Araraquara, time em que jogou nas
categorias de base.
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