“Deixa Falar: o megafone do
esporte”, espaço de debates que sai quinzenalmente, sábado sim,
sábado não, aqui, no
Literatura na Arquibancada, na Carta Maior (http://www.cartamaior.com.br)
e no blog do Juca (http://blogdojuca.uol.com.br/ ), debatendo
o esporte em geral e o futebol em particular, dialogando com a História,
Política, Música, Economia, Literatura, Cinema, Humor, traz nesta
edição artigo de Bernardo Buarque de Hollanda e Cyro Viegas Oliveira.
A Invasão
Palmeirense
Por Bernardo Buarque de Hollanda
e Cyro Viegas Oliveira
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Arte: Zuca Sardan |
Já se tornou um truísmo, no meio acadêmico, afirmar o
caráter seletivo e arbitrário da memória. O jogo entre lembrança e esquecimento
está sempre a alternar um e outro, pendularmente, segundo os interesses de quem
lembra e de quem escreve.
A construção da memória coletiva passa, pois, pela
repetição de histórias que, evocadas de geração a geração, se reproduzem pela
via oral ou escrita.
A proclamada “invasão corintiana” ao Maracanã, em
dezembro de 1976, nas semifinais do Campeonato Brasileiro, é uma dessas
histórias que o jornalismo esportivo consagrou e que vem se repetindo desde
então.
Dada a dramaticidade por que vivia o clube paulistano, havia 22 anos sem
títulos, chegou a adquirir uma dimensão mítica no imaginário dos torcedores e
da própria imprensa a partir daquela data.
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Invasão corinthiana em 1976. |
Se o deslocamento massivo de milhares de fãs do Sport Club Corintihans Paulista foi de
fato um acontecimento impressionante, e digno de nota, cabe ressaltar que ele
não foi o único nem o primeiro. Se passarmos em revista os periódicos de
décadas anteriores, vamos encontrar outras manifestações igualmente importantes
que, em sua época, tiveram repercussão análoga.
Nesse breve texto, vamos recordar a conquista do título
mundial interclubes pela Sociedade Esportiva Palmeiras, em julho de 1951, com
base em dados levantados por um dos autores, Cyro Viegas, em sua monografia de
pesquisa. Recentemente, o livro “Palmeiras, campeão do mundo”, do jornalista Fernando
Razzo Galuppo (Maquinária Editora, 2011), também teceu considerações sobre o
assunto, a partir do dossiê entregue pelo clube à FIFA.
Gostaríamos assim de trazer à tona as reportagens dos
jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo acerca da presença expressiva dos
palmeirenses no Maracanã, para assistir à partida final da Taça Mundial, contra
o Juventus da Itália, conquistada pelo verde e branco paulista: de acordo com
as estimativas apuradas, foram dez mil palmeirenses no primeiro jogo e quarenta
mil no segundo.
Vinte e cinco anos antes dos corintianos, milhares de
torcedores do Palmeiras também “invadiram” o Maracanã. Mas, para início de
conversa, convém esclarecer: de que evento estamos falando?
No contexto da realização da quarta edição da Copa do Mundo,
em 1950, ocorrida no Brasil durante os meses de junho e julho, os
representantes da Prefeitura do Rio de Janeiro, da CBD e da FIFA lançaram a
ideia da disputa de um torneio internacional com clubes campeões nacionais.
Se àquela época não existia a pretensão de deixar um
“legado” para o Mundial, a preocupação em utilizar os espaços criados para a
Copa de 1950 estimulou os dirigentes a conceber atividades nos estádios
brasileiros, em particular no Maracanã e no Pacaembu, os maiores e os que
haviam sido construídos pelo poder público.
Propiciada pelo encontro no Rio de Janeiro, a 19 de
junho, três dias após a inauguração do Maracanã, quando Didi estufou pela
primeira vez as redes do estádio, uma reunião na sede da CBD deliberou a
criação do futuro torneio. Ele viria a ser realizado um ano após o Mundial de
1950 e receberia a alcunha de Copa Rio, embora fosse disputada também em São
Paulo.
Depois da “tragédia do Maracanazzo”, mito um tanto exagerado se considerarmos o prestígio
que os selecionados e os clubes brasileiros continuaram a ter no exterior, as
autoridades deram continuidade aos preparativos para o I Torneio Internacional
de Clubes Campeões. Além dos organizadores brasileiros, coube a dois
supervisores da FIFA a execução da competição: o italiano Ottorino Barassi e o
sueco Ivo Schricker.
No dia 21 de junho, a três dias do primeiro jogo oficial
da Copa de 1950, a CBD indicou dois clubes que representariam o país. Segundo
critérios meritocráticos, estes seriam o campeão carioca e o paulista daquele
ano, respectivamente, Clube de Regatas Vasco da Gama e Sociedade Esportiva
Palmeiras.
A esses dois juntaram-se mais cinco clubes campeões: o
Áustria Viena; o Sporting Lisboa, de Portugal; o Estrela Vermelha, da
Iugoslávia; o Olympique de Nice, da França; e o Nacional, do Uruguai. Junto a
eles, somou-se por fim o Juventus da Itália, vice-campeão italiano.
Os oito times foram divididos em dois grupos e os dois
primeiros disputariam as semifinais, em duas partidas. Já os finalistas
jogariam outra melhor de dois, a fim de sacramentar o campeão.
Após obter a segunda colocação em seu grupo, os
“esmeraldinos”, liderados por Jair da Rosa Pinto, enfrentaram os rivais
cariocas. Venceram a primeira partida por dois a um e asseguraram o empate sem
gols no segundo jogo. Chegaram assim à final contra a italiana Juventus, que
por sua vez superara o Áustria Viena para alcançar a decisão.
As duas partidas teriam por palco o Maracanã.
Curiosamente, na primeira fase da competição, os paulistas haviam sido goleados
por quatro a zero pelo Juventus, no Pacaembu. A colônia italiana em São Paulo
prestigiara e apoiara o clube de Turim, a despeito das afinidades eletivas com
o antigo Palestra Itália.
Com a cobertura de trezentos jornalistas internacionais,
a primeira partida no Maracanã foi realizada numa quarta-feira, no dia 18 de
julho, sendo vencida pelos palmeirenses por um a zero e contando com um público
de cinquenta mil espectadores.
A euforia para o segundo jogo no domingo fez os
palmeirenses se mobilizarem em São Paulo, como sempre emulados pela imprensa
local, em que se destacava a Gazeta
Esportiva. O Maracanã teria um total de 100.933 presentes.
Novamente foram dadas tintas patrióticas à partida, para
a qual bastava um empate contra os italianos. O periódico Correio Paulistano atribuiu a seguinte missão: “Caberá ao Palmeiras
a tarefa de apagar da memória o fatídico 16 de julho de 1950”.
Após solicitar a utilização da camisa do Brasil, a fim de
atrair a simpatia dos cariocas, a recusa da proposta pelos organizadores do
torneio fez os palmeirenses bordarem o escudo brasileiro acima do dístico do
clube.
Dois dias antes do jogo, além de ressaltar a manchete
“Toda a torcida carioca ao lado do Palmeiras”, o anúncio de uma agência de
viagens estampava em matéria paga: “CARAVANA AO RIO: assista ao encontro final
da Taça Rio”. A empresa, situada à Av. Ipiranga, n. 1.129, oferecia passagens
de ônibus por trezentos cruzeiros. De avião, o bilhete custava quinhentos
cruzeiros.
No dia da partida, além de voos e de viagens por trem,
segundo o jornalista Galuppo, cerca de mil automóveis cruzaram a Via Dutra. Já
um matutino carioca estimou em dez mil o número de palmeirenses que se deslocou
para o Rio de Janeiro.
Na
fotolegenda do Jornal dos Sports, do
dia 22 de julho, lia-se: “Inúmeras caravanas chegam ao Rio. Torcedores
paulistas e cariocas se confraternizam na Praça Mauá”.
O ítalo-paulistano Thomaz Mazzoni, da Gazeta Esportiva, apresentava cifras
maiores:
“Ótimo o comportamento da torcida carioca, unida à
paulista. Calcula-se que tenham vindo ao Rio sete mil automóveis, contados
pelos controladores da inspetoria de veículos, e com os aviões, trens etc,
tivemos quarenta mil torcedores de São Paulo no Maracanã, torcendo ao lado de
cinquenta mil cariocas, pois o público foi avaliado em quase cem mil pagantes.
Glória ao futebol do Brasil! Glória ao Palmeiras!”.
O cronista rubro-negro José Lins do Rego saudava a
confraternização entre torcedores paulistanos e cariocas:
“Justa vitória do Palmeiras, que contou com as palmas e
as aclamações do povo mais livre que conheço: o povo das arquibancadas do
Maracanã. Foi uma vitória trabalhada com sangue, suor e lágrimas”.
Três
dias após a partida, Olimpicus, pseudônimo de Thomaz Mazzoni, ainda comentava o
deslocamento dos torcedores, juntamente com a parte tática do jogo: “O
Palmeiras poderia ter brindado aqueles 50 mil cariocas e 40 mil paulistas com
um resultado mais empolgante, se a substituição de Ponce de León tivesse se
dado mais cedo por Canhotinho”.
Por fim, Mário Filho, em comentário publicado na segunda
edição de O negro no futebol brasileiro (Civilização
Brasileira, 1964), assim se pronunciou:
“O carioca apoiou tanto o Palmeiras no primeiro jogo, o
da vitória com a Juventus, que no domingo da finalíssima quem quisesse guiar-se
pelas placas dos carros não saberia se estava no Rio ou em São Paulo. Milhares
e milhares de carros de São Paulo vieram para o Rio. E ônibus fretados. E
caminhões. Não havia um lugar num trem nem num avião.”.
Estavam assim lançadas as bases mitológicas para uma das
primeiras “invasões torcedoras” no Brasil.
Sobre os autores:
Bernardo Buarque -É professor da Escola Superior de Ciências Sociais (FGV) e pesquisador do CPDOC/FGV. `Editor da coleção Visão de Campo (7 Letras). Em 2012, publicou o livro ABC de José Lins do Rego (Editora José Olympio).
Cyro Viegas de Oliveira é jornalista. Mas queria mesmo era ser o Oberdan Cattani, o maior goleiro da história do futebol brasileiro. Curitibano e paulistano, palmeirense de infância e atleticano paranaense de família, mora no Rio de Janeiro desde 2007, onde se apaixonou mais duas vezes: pela esposa, Sarah, e pelas pesquisas sobre a fascinante história do futebol brasileiro da década de 1950.
Um toque especial do
Megafone:
É com alegria que anunciamos a participação de Zuca
Sardan (Carlos Felipe Saldanha) na FLIP (Festa
Literária Internacional de Paraty) onde também será lançado seu mais novo livro “Ximerix: cinco cadernos de remix
rapz kolax” pela editora Cosac Naify. Como o próprio nome diz, trata-se
de uma colagem remixando antigas e novas ideias em forma de poesias e
ilustrações.
Zuca Sardan |
Na FLIP Zuca participará de uma mesa ao lado do poeta Nicolas Behr. A editora promoverá no mês de julho noites de autógrafos do livro no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Quando tivermos as datas, divulgaremos.
Desde
o início do Deixa Falar: o megafone do esporte, Zuca ou Carlos Felipe tem
sido o alter ego deste espaço de debates, a sua mais fiel tradução.
No
link abaixo uma excelente matéria com Zuca em O Globo, contando isto tudo e
mais um pouco:
Deixa Falar: o megafone do esporte,
criação e edição de Raul Milliet Filho.
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