Como ser lembrado em uma equipe repleta de craques? É o
que Adílio, meio-campista extraordinário do Flamengo supercampeão na década de
1980, conseguiu protagonizar. “Parceiro” de Zico e Andrade. Companheiro de
Junior, Leandro e tantos outros craques do rubro-negro, Adílio tinha estilo próprio:
craque hábil, versátil, rápido e que sabia fazer gols. Não chutava forte, mas
tinha posicionamento na área adversária que mais parecia de atacante.
Adílio, um dos maiores jogadores do futebol brasileiro em
sua posição, acaba de ser eternizado pela biografia “Adílio camisa 8 da Nação” (Iventura), do jornalista Renato Zanata
Arnos.
A obra tem prefácio de Mauro Cezar Pereira, orelha de Washington
Rodrigues, o Apolinho e quarta capa do mestre Fernando Calazans.
Literatura na
Arquibancada destaca abaixo o prefácio escrito pelo jornalista Mauro Cezar
Pereira, comentarista dos canais ESPN.
“Que neguinho é esse com a bola no pé?”
Por Mauro
Cezar Pereira
“Ele jogava com a camisa 8, mas poderia vestir a 11, a 7, a 10. Adílio, o "Neguinho da Cruzada" era hábil, versátil, rápido e sabia fazer gols. Não chutava forte, mas tinha posicionamento na área adversária que mais parecia de centroavante. Como no gol sobre o Vasco na decisão do Campeonato Carioca de 1981 aproveitando o bate-rebate, ou no salto para cabecear e selar o triunfo sobre o Santos na final do Brasileiro de 1983. E também na arrancada para vencer Nei na corrida e na ginga, chutando entre Mazaropi e a trave. Assim ele definiu o penta da Taça Guanabara em cima dos vascaínos no último lance do clássico de 1982. Oportunismo de camisa 9, como mostrou ao pegar o rebote para marcar um dos três gols sobre o Liverpool na final do Mundial de Clubes em 1981.
Diziam que Adílio não precisava de muito espaço
para se livrar do marcador. De fato. Por isso ficou famosa a frase: "Ele é
capaz de driblar em cima de um guardanapo". Os 18,5 por 12,5 centímetros
do pedaço de pano esticado sobre o gramado pareciam, sim, amplos o bastante
para que o negro pequeno e habilidoso driblasse qualquer um que surgisse à sua
frente. Adílio foi o sucessor de Geraldo, craque também revelado na Gávea e
morto em agosto de 1976 aos 22 anos. Deixou a camisa 8 do Flamengo, vestida na
maioria das 619 partidas feitas pelo
clube por aquele garoto da Cruzada São Sebastião. Um estilo diferente, menos
clássico, mais veloz, mas também de extrema habilidade no controle da bola.
Foi em 27 de abril de 1975 que Adílio atuou pela primeira vez entre os profissionais do Flamengo, numa vitória por 2 a 0 sobre o Rio Branco, em Vitória (ES). Um amistoso como foram os cinco primeiros cotejos dele na equipe principal. Entre aquelas oportunidades iniciais e a “despedida” em 1990 foram 379 vitórias, 148 empates e 92 derrotas, com 129 gols e muitos passes para outros tantos. Como no Maracanã, contra a Alemanha Ocidental, quando em uma fração de segundo dominou e tocou pelo alto, de forma precisa para o companheiro Júnior. Este então fuzilou no alto das redes do goleiro Harald Schumacher. Foi o único gol daquele jogo em 1982, que selou Valdir Perez como titular na Copa do Mundo.
Apesar daquele momento, Adílio não teve a sorte do
arqueiro e ficou fora do Mundial, tampouco jogou pela seleção brasileira como
poderia e deveria ter atuado. Coisas de técnicos de futebol. A concorrência,
claro, era grande naquela "Era" de craques brasileiros no meio-campo.
Mas com a habilidade e versatilidade que tinha, Adílio poderia ter ajudado mais
o time canarinho cumprindo diferentes funções. Nem mesmo os grandes nomes
daqueles anos 80 tinham a facilidade do rubro-negro para manter a pelota
grudada em seus pés. Característica que motivou Índio da Gávea, espécie de
torcedor-compositor, a escrever e cantar o samba em homenagem a ele: "Que
neguinho é esse, que está com a bola no pé? É o neguinho Adílio, que faz com
ela o que quer...".
E fazia mesmo. Para contar o que aquele rapaz era capaz de apresentar na cancha, Renato Zanata Arnos grudou os olhos diante de 42 videoteipes de partidas que o tiveram em campo, 41 do Flamengo entre 1978 e 1986, e uma da seleção brasileira, aquela contra os alemães realizada em março de 1982. Adílio gostava de jogar pelo centro, mas sempre acreditei que iria ainda mais longe se adotasse de vez a ponta esquerda, fazendo o papel de um meio-campista capaz de abrir o jogo pelo setor, partindo para cima do lateral. Cansou de construir grandes jogadas assim. Mas é apenas uma opinião. Em todos os setores do campo, ele fez história, escreveu alguns dos mais importantes capítulos da trajetória do time mais popular do Brasil.
Adílio merecia mais do que uma música. Adílio
merecia um livro. Agora ele tem”.
Abaixo, Literatura na
Arquibancada reproduz a entrevista produzida pela editora Iventura com o autor,
Renato Zanata Arnos.
Editora Iventura:
Antes de mais nada,
fale um pouco sobre o seu interesse pelo mundo do futebol.
Renato Zanata
Arnos:
Eu praticamente passei a minha infância dentro de um
campo de futebol - tamanho “oficial”, com grama de verdade, raridade nos tempos
de hoje - lá no Gragoatá, bairro onde nasci e vivi por 20 anos, bem ali próximo
à estação das barcas, as margens da Baía de Guanabara. Meu pai jogava em times
amadores da região, como por exemplo, o São Domingos (camisa igual a do SPFC)
que mandava seus jogos no campo do Gragoatá, que segue resistindo as
especulações imobiliárias e permanece intacto lá, intacto.
Em 1974 eu também fui contagiado principalmente pelo
futebol de Cruyff & Cia na Copa de 74, pois lembro muita coisa do que eles
fizeram contra o Brasil e Alemanha, mas também por aquele Flamengo de Zico e
Doval, campeão carioca naquele ano. Depois, paralelamente a alegria e
privilégio de ver surgir jovens craques produzidos no celeiro rubro-negro,
entre eles o Adílio, me empolgou muito o toco y me voy argentino capitaneado
por Osvaldo Ardiles na Copa de 78.
Durante a semana, quando eu não estava na escola, lá ia
eu pro campo do Gragoatá com amigos da rua. Nos finais de semana, acompanhava o
meu pai. Eu vivia ali perto dos treinadores, de ouvido colado nas resenhas
antes e durante as preleções e também pertinho a linha lateral no decorrer das
partidas. E foi ali naquele campo que eu joguei no juvenil do mesmo São
Domingos ou em peladas com os amigos, me auto intitulando Doval, Mario Kempes,
Cruyff, Leandro Peixe-Frito, Zico e Falcão. O apelido Zanata surgiu lá, dado por
um becão do São Domingos, o vascaíno Élcio, amigo do meu pai, um excelente
ponta-de-lança, é bom que se diga.
Entre os 8 e os 16 anos eu vivi o sonho de me tornar
jogador de futebol, mas o lema lá em casa, como na maioria dos lares da época,
era: “Meu filho, futebol não dá camisa a ninguém, estudar, sim”. E confesso que
depois daquela derrota da seleção brasileira do Telê Santana na Copa de 82,
tema do meu primeiro livro, eu me afastei um bom tempo de quase tudo
relacionado ao futebol, exceção feita ao Napoli de Maradona e Careca e aos
selecionados albicelestes. Comecei a direcionar o meu tempo livre para a música
e para a faculdade de História. Isso ocorreu entre 1986 e 1990. Apesar de não
mais trabalhar na área, sou formado em História e ainda mantenho um trabalho
como guitarrista de Blues.
ED:
Como surgiu a ideia
de escrever um livro contando a trajetória do Adílio?
RZA:
Ao trabalhar no projeto do livro “Sarriá 82, o que faltou
ao futebol-arte?”, parceria com o jornalista Gustavo Roman, eu entrevistei o
Adílio por telefone. Sempre considerei que ele deveria ter integrado o grupo, aquele
elenco que Telê levou para o mundial na Espanha. Ele poderia ter ido no lugar
do Dirceuzinho, porque além de ser um baita de um jogador polivalente com ótimo
preparo físico, Adílio era bem mais técnico e criativo do que o Dirceu. E acho
também que o Adílio, que, aliás, fez uma partidaça contra os alemães no
Maracanã poucos meses antes da Copa, tinha o perfil técnico mais adequado para
atuar ao lado de feras como Zico, Falcão, Cerezo, Leandro, Sócrates e Júnior.
Jogadores que além de não se prenderem a um posicionamento na cancha que
limitasse sua criatividade, buscavam trocar passes curtos, gerar a tabela, a
triangulação e fazer a bola rodar todo o campo ofensivo.
O Adílio, que no Flamengo já demonstrava tal afinidade tática
e técnica com os rubro-negros citados, poderia ter sido escalado também em
lugar do Serginho Chulapa (limitado tática e tecnicamente), com o Sócrates
passando para a função de centroavante (mais mobilidade e visão de jogo que o
Chulapa). Neste caso, Brown atuaria numa linha de 3 meias com o Zico e com o
Éder. Adílio caindo mais pelo lado direito do ataque, mas com liberdade para
inverter o posicionamento com o galinho de Quintino e com o jogador do Galo
Mineiro. E o nosso “camisa 8 da Nação” também poderia atuar na vaga do próprio
Éder, pois estava acostumado a jogar, e bem, como um meia que usava como
referência a beirada esquerda do campo ofensivo, setor onde sempre se entendeu muito
bem com o maestro Júnior, seu companheiro naquele histórico escrete da Gávea.
ED:
Foram quantos meses
de pesquisa?
RZA:
Logo após receber o convite da editora iVentura através
do Carlos Fernando Rego Monteiro, comecei a colocar no papel o projeto da
biografia do Adílio. Isso ocorreu nas primeiras horas do mês de julho, em 2012.
No dia 08 de julho tive o meu primeiro encontro com o Adílio, e terminei de
escrever o livro no último dia do ano, 31 de dezembro de 2012.
ED:
Além de conversar
com o jogador, como você reuniu tantas informações?
RZA:
Além do próprio Adílio, baita memória privilegiada e com
acervo pessoal fantástico, pesquisei bastante no acervo impresso da Manchete
Esportiva e digital do Jornal do Brasil e da revista Placar, além de ir buscar
na Biblioteca Nacional informações específicas em edições do Jornal dos Sports e
de O Globo. Também recorri aos jornais estrangeiros, La Stampa da Itália e
Mundo Deportivo da Espanha. Também li vários livros que abordam aquela fabulosa
geração do Flamengo. Foram eles: “1981” do Mauro Beting e do André Rocha; “O
Vermelho e o Negro”, do mestre Ruy Castro; “Zico conta a sua história”, do
próprio galinho Zico; “1981 - O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas”, do
Maurício Neves; e “1981 - O Ano
Rubro-Negro”, do Eduardo Monsanto. Também recorri às obras, “História
dos Campeonatos Cariocas de Futebol, 1906-2010”, do Roberto Assaf e Clovis
Martins, e ao “Nunca Fui Santo - O livro oficial do Marcos”, do “mago das
palavras” Mauro Beting.
Além destes livros e jornais, assisti a 42 vídeo-tapes e
também consultei o Canal YouTube do Bruno Lucena, coordenador de Pesquisa e Estatística do
Departamento de Patrimônio Histórico do Clube de Regatas do Flamengo, e os
sites : Fla Estatística – O museu virtual do C.R.Flamengo e o RSSSF Brasil, arquivo da seleção
brasileira.
Não posso
deixar de registrar também a categoria e generosidade dos mestres, Mauro Cezar
Pereira (prefácio), Fernando Calazans (quarta capa) e do Apolinho Washington
Rodrigues (orelha), além das preciosas aspas de Júlio César Uri Geller, Ruy Castro, Soni Adílio (o
caçula de Brown), Zico, Júnior, Leandro, Oscar Bernardi, Toninho Cerezo, Pedro
Motta Gueiros, Vítor Sérgio Rodrigues, Robson Vasconcelos (grande amigo de
Adílio), Gérson canhotinha de ouro,
José Carlos Araújo, Gilson Ricardo, Lúcio de Castro e André Rocha.
ED:
Desde o início o
Adílio abraçou o projeto?
RZA:
Sim, o Adílio se envolveu totalmente no projeto. Uma
generosidade do tamanho do enorme futebol que ele jogou. Sempre atencioso,
procurando responder rapidamente as minhas dúvidas, me fornecendo vasto
material de pesquisa como edições raras da revista Manchete Esportiva e
milhares de fotos do seu acervo particular. Os seus filhos, Soni Adílio e
Adílio Júnior, também colaboraram bastante comigo durante todo o processo de
elaboração da biografia do pai deles. O galinho Zico também foi de uma grande
atenção e ajuda neste projeto.
Sobre o autor:
Renato Zanata
Arnos, niteroiense; 46 anos; formado em História; cursando Jornalismo;
co-autor do livro “Sarriá 82 – O que faltou ao futebol-arte?”; ex-comentarista
da TV Esporte Interativo; blogueiro do Globoesporte.com; colaborador nos blogs
dos jornalistas Mauro Cezar Pereira (canais ESPN) e Mario Marra (rádio CBN); um
curioso da análise tática no futebol e um volante de buen pie, como La Brujita
Verón.
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