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Arte: Zuca Sardan |
“Deixa Falar: o megafone do
esporte”, espaço de debates que sai quinzenalmente, sábado sim,
sábado não, aqui, no Literatura na Arquibancada, na Carta Maior (http://www.cartamaior.com.br), no blog do Juca (http://blogdojuca.uol.com.br/ ) e no Centro Esportivo Virtual (CEV) (http://cev.org.br/), debatendo o esporte em
geral e o futebol em particular, dialogando com a História, Política, Música,
Economia, Literatura, Cinema, Humor, apresenta nesta sua sexta edição, artigo
do economista Marcelo W. Proni.
A Copa
do Mundo no Brasil: qual o legado provável?
Por Marcelo
Weishaupt Proni
Quando
o Brasil sediou a Copa, em 1950, não havia essa preocupação com legado, nem com
os impactos econômicos dos gastos necessários para organizar o torneio. A
construção do Maracanã, projeto gigantesco, certamente aumentou a demanda de
material de construção, implicou em geração de empregos, contribuiu para a
urbanização daquela região da cidade e ajudou a dinamizar momentaneamente a
economia da Capital federal. Talvez o dinheiro gasto pelo governo na construção
do Estádio Municipal (renomeado “Jornalista Mário Filho” em 1966) pudesse ter
sido utilizado de outra forma – como afirmavam políticos de oposição –, mas a
população carioca acabou legitimando a decisão de investir numa obra que encheu
de orgulho a nação.
Não foi
preciso construir ou ampliar outros estádios. Em São Paulo, já havia o
Pacaembu; em Belo Horizonte, o Independência. Também foram usados: o estádio
dos Eucaliptos em Porto Alegre, a Vila Capanema em Curitiba e a Ilha do Retiro no
Recife (mas, a desistência de 3 seleções diminuiu o número de jogos). O
Morumbi, o Mineirão e outros grandes estádios foram construídos bem depois.
Em 1950, estima-se que a população do Rio passava de 2,3 milhões de pessoas. O novo estádio, projetado para mais de 160 mil pagantes, tinha capacidade de receber todo tipo de público. Os torcedores ficavam divididos em torno do campo em 4 categorias principais: camarote, cadeira, arquibancada e geral. Um jogo de futebol no domingo à tarde era, como diria Nelson Rodrigues, uma festa “democrática”.
O maior
legado da Copa de 1950 foi, sem dúvida, no campo esportivo. Em especial, o
Maracanã se tornou o principal palco do futebol brasileiro e ampliou a
arrecadação com bilheteria para os grandes clubes cariocas. De quebra, mostrou
ao mundo a capacidade de engenharia do País e se tornou cartão postal da cidade
maravilhosa. Provavelmente, o torneio ajudou a atrair turistas estrangeiros.
Naquela
época, não havia caderno de encargos e a Fifa era mais flexível (o próprio
Maracanã não estava totalmente pronto, durante a Copa). O futebol era
considerado um espetáculo popular, mas ainda não tinha entrado na fase da
televisão e do marketing.
Na era da globalização, a Copa do Mundo se transformou num megaevento transmitido ao vivo para centenas de milhões de telespectadores, exigindo uma organização de alta complexidade e propiciando uma diversificada fonte de receitas. Os contratos de exclusividade assinados pela Fifa passaram a requerer uma série de garantias. Desde 1990, o país escolhido para sediar o torneio teve de demonstrar que é capaz de oferecer perfeitas condições de trabalho para a imprensa e de treinamento para as delegações, além de oferecer estádios seguros e confortáveis para os torcedores e plenas condições para o transporte e hospedagem dos turistas vindos de todas as partes do globo.
A
preocupação com legado e com os impactos econômicos derivados da realização de
uma edição da Copa do Mundo é relativamente recente. Principalmente no caso de
países em desenvolvimento, como a África do Sul e o Brasil, que apresentam
infraestrutura insuficiente e precisam mobilizar elevados recursos para atender
as exigências da Fifa. Tornou-se necessário legitimar o enorme gasto público
necessário com a promessa de que a realização do torneio traz uma série de
benefícios para a sociedade em geral.
Contudo,
estudos efetuados posteriormente às Copas da Alemanha (2006) e da África do Sul
(2010) indicam que os efeitos positivos para a economia nacional foram
insignificantes, seja em relação ao crescimento do PIB ou à geração de
empregos, e que mesmo o setor de turismo teve ganhos muito aquém dos projetados
antes do torneio. As avaliações referentes à Copa de 2010 evidenciam certos
efeitos negativos, em particular a ociosidade dos estádios (“elefantes
brancos”) e os benefícios concentrados na classe média, em detrimento de gastos
na área social que poderiam beneficiar a população mais pobre.
Por outro lado, a prestação de contas da Fifa e dos comitês organizadores locais demonstra claramente que a Copa do Mundo é um negócio bastante lucrativo. Aliás, há várias empresas (e empresários) que ganham muito com o megaevento.
As
projeções oficiais sobre os impactos econômicos da Copa de 2014 são bastante
otimistas e procuram realçar o potencial máximo de ganhos que poderiam decorrer
da efetivação dos gastos previstos para a preparação da infraestrutura urbana
nas 12 cidades sede e para a construção ou reforma de estádios, assim como dos
gastos referentes aos turistas estrangeiros durante o megaevento. Porém, a
literatura internacional vem demonstrando que os resultados efetivos da
realização de uma edição da Copa, pelo menos do ponto de vista econômico,
costumam ser bem mais modestos e beneficiar apenas alguns segmentos privilegiados.
É
preciso mencionar que o torneio estabeleceu um cronograma para várias melhorias
na área de transporte aéreo e urbano, mas muitas obras estão atrasadas e com o
custo inflacionado. Embora exista uma expectativa justificável de que a Copa
estimule o setor turismo no País, é provável que seus principais legados não
sejam na área econômica.
Olhando do ponto de vista esportivo, tudo indica que a Copa vai ser um marco na história do futebol brasileiro, mais um passo na transição para um estágio mais avançado de organização empresarial. O futebol mudou bastante nas últimas décadas, tanto dentro como fora dos gramados. As novas arenas multiuso – o legado mais palpável – expressam a preferência por um tipo distinto de torcida.
Atualmente,
o Rio tem mais de 6,3 milhões de habitantes, mas a capacidade de público do
Maracanã encolheu para menos de 80 mil pessoas, todas sentadas em cadeiras
numeradas. Em São Paulo, o Pacaembu está ficando obsoleto, ao passo que as
novas arenas (Corinthians, Palestra) e o Morumbi reformado vão privilegiar um
tipo de público mais exigente e comportado. Em compensação, por enquanto, os
principais jogos ainda são transmitidos pela televisão aberta, dando a sensação
de acesso democrático ao espetáculo.
Entretanto,
o caríssimo orçamento das arenas projetadas para a Copa tem colocado em questão
a necessidade de tais investimentos e a consequência das dívidas assumidas. Por
exemplo, é difícil explicar a decisão do governo do Distrito Federal de gastar
R$ 1,2 bilhão na reforma e ampliação do estádio Mané Garrincha, agora com
capacidade para 70 mil espectadores. Têm sido realizados seminários para
discutir a sustentabilidade econômica dessas arenas multiuso, mas há muita
desconfiança em relação à ociosidade de estádios onde o futebol ainda não
entrou na era empresarial, caso da Arena Pantanal, da Arena das Dunas, da Arena
da Amazônia e do próprio Estádio Nacional. Estes projetos estão sendo
financiados pelo BNDES, mas os governos estaduais é que vão pagar os
empréstimos para viabilizar negócios privados.
Em suma, na nova etapa do futebol brasileiro, os três níveis de governo continuam sendo solicitados para apoiar a modernização da infraestrutura, para uma atividade que é cada vez mais dominada pela lógica econômica. Prevalecendo a racionalidade do mercado, o preço médio dos ingressos provavelmente vai aumentar, o que pode excluir definitivamente os torcedores de baixa renda. Inclusive, há quem defenda essa medida como estratégia para combater a violência entre torcedores. Ainda assim, alguns governos estaduais terão de custear a manutenção das arenas construídas e o governo federal será pressionado a renegociar as dívidas dos grandes clubes nacionais.
O
futebol vai continuar sendo uma paixão nacional, elemento da nossa identidade
coletiva, mas a Copa vai intensificar o processo de privatização do espetáculo,
tendência que parece ser irreversível.
Sobre Marcelo W. Proni
É economista formado pela Unicamp, mestre em Ciências Econômicas e doutor em Educação Física, também pela Unicamp. Atualmente, é diretor associado do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit). Autor do livro A Metamorfose do Futebol e de vários artigos sobre economia do esporte. É torcedor do Botafogo de Ribeirão Preto.
Dois
toques do Megafone:
1) O Megafone indica
A Metamorfose do Futebol São Paulo: Unicamp,
2000.
Neste livro o leitor encontrará uma sólida
análise do processo histórico de estruturação e desenvolvimento do futebol
brasileiro, desde os seus primórdios ao advento da modernização deste esporte e
suas contradições. Destacamos o segundo capítulo e a investigação da transição
do futebol no Brasil, do amadorismo para o profissionalismo.
2) O tema deste artigo será recorrente aqui no Deixa
Falar: o megafone do esporte. Outros autores publicarão suas ideias,
pesquisas e dados sobre os megaeventos e a Política de Esportes levada a termo
em nosso país nos últimos 20 anos.
Deixa Falar: o
megafone do esporte: criação e edição, Raul Milliet Filho.
Sobre os autores
do “Deixa Falar: o megafone do esporte”
Graduado em História e Educação
Física, mestre em História pela USP, PH D em História pela London School of
Economics and Political Science., ex-diretor e coordenador de Pós da FEF
Unicamp, professor visitante da Universidade Federal da Grande Dourados.
Antonio Edmilson Rodrigues – é América, livre docente em História, professor da UERJ e da PUC-RJ, pesquisador de História do Rio de Janeiro, escritor de temas vinculados à história urbana, coordenador do projeto Conversa de Botequim e autor de João do Rio, a cidade e o poeta.
Bernardo Buarque – professor da Escola Superior de Ciências Sociais (FGV) e pesquisador do CPDOC/FGV. `É editor da coleção Visão de Campo (7 Letras). Em 2012, publicou o livro ABC de José Lins do Rego (Editora José Olympio).
Flavio Carneiro – É botafoguense, além
de escritor, roteirista e professor de literatura na Universidade Estadual
do Rio de Janeiro (UERJ).www.flaviocarneiro.com.br.
José Paulo Pessoa –
é botafoguense, ator, advogado, que achava o Didi mais impressionante que o
Garrincha (que foi o maior que já vi!). Diretor, cantor e compositor do Bloco
das Carmelitas, de Santa Teresa (RJ).
José Sebastião Witter –
é torcedor do São Paulo, professor emérito da USP e professor normalista.
Luiz Carlos Ribeiro é professor do Departamento de
História da UFPR e coordenador do Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade.
Marcos Alvito - É carioca de Botafogo e Flamengo até morrer. É um antropólogo que dá aula de História na UFF desde o longínquo ano de 1984. Perna-de-pau consagrado, estuda um jogo que nunca conseguiu jogar direito: o futebol. Mas encara qualquer um no futebol de botão. Acaba de publicar A Rainha de Chuteiras: um ano de futebol na Inglaterra (www.clubedeautores.com.br)
Raul Milliet Filho – é botafoguense, mestre em
História Política pela UERJ, doutor em História Social pela USP. Como
professor, pesquisador e autor prioriza a cultura popular. Gestor de políticas
sociais, idealizou e coordenou o Recriança, projeto de democratização esportiva
para crianças e jovens.
Ricardo Oliveira –
é Vasco, jornalista, educador da prefeitura do Rio de Janeiro e pesquisador da
História do futebol. Coordenador da pesquisa do livro Vida que Segue: João
Saldanha e as Copas de 1966 e 1970.
Wanderley Marchi Jr – doutor em Educação Física e Sociologia do
Esporte e professor da Universidade Federal do Paraná/BRA e da West Virginia University/USA.
Zuca Sardan (Carlos Felipe Saldanha) – É torcedor do Vasco, nasceu no Rio de
Janeiro em 1933, mas vive em Hamburgo, na Alemanha. Estudou arquitetura, mas
fez diplomacia. Estudou desenho, mas fez letras. Hoje dedica-se a desenhos,
vinhetas, poesias e folhetins. Entre seus livros, estão: Ás de colete, poesias,
desenhos e Osso do Coração.
(para acessar o currículo
completo, clique aqui http://www.itaucultural.org. br/aplicexternas/enciclopedia_ lit/index.cfm?fuseaction= biografias_texto&cd_verbete= 5288&cd_item=35)
Acompanhe as
outras edições do Deixa Falar: o megafone do esporte nos links abaixo:
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