A literatura
esportiva brasileira acaba de ser presenteada com uma “pequena” grande obra. “Pequena”
porque os livros são de leitura rápida (80 páginas cada um) e “grande” pela
qualidade do conjunto. Trata-se da série “150 anos de futebol”, composta por
cinco livros que formam a coleção “Atleta do Futuro” da Sesi-SP Editora. Todos
os livros são assinados por um craque do jornalismo, José Eduardo de Carvalho.
Os três
primeiros títulos, “O Jogo”, “Geopolítica” e “Dinheiro”, que já estão a venda,
revelam não só a evolução do futebol, mas também o seu notável impacto nas
relações internacionais e também na economia mundial. Além desses, em breve,
também comporão a coleção dois novos títulos: “Fantasia” e “Gente”, que
abordarão o aspecto humano do esporte mais popular do nosso tempo.
E antes que alguém pergunte a razão da efeméride, o dia 26 de outubro de 1863 é considerado o dia da criação do futebol. Foi nessa data que, ao fim de seis reuniões na Freemason's Tavern, em Londres, nasceu a The Football Association.
E antes que alguém pergunte a razão da efeméride, o dia 26 de outubro de 1863 é considerado o dia da criação do futebol. Foi nessa data que, ao fim de seis reuniões na Freemason's Tavern, em Londres, nasceu a The Football Association.
Sinopse do livro
“O jogo” (da Editora)
A disputa de dois times no teatro entre as linhas do gramado pode ser encarada como uma metáfora da própria vida: a luta diária de cada um de nós pela sobrevivência à custa de esforço e sacrifício, e também de muita criatividade e esperteza.
Em “O Jogo”,
livro que abre a coleção que comemora os 150 anos do Futebol, José Eduardo de
Carvalho faz uma análise detalhada do esporte que tem o poder de fazer o mundo
parar. Considerado por alguns como uma oportunidade de ascensão social, e por
outros como um instrumento de alienação ideológica, o futebol provoca
controvérsias que envolvem a própria vivência humana, a economia, política e as
relações internacionais.
Sinopse do livro “Dinheiro” (da Editora)
O futebol talvez
seja o esporte mais popular do mundo – e não demorou para se tornar também uma
verdadeira mina de ouro, das mais disputadas. Cifras impressionantes são
movimentadas a cada campeonato, ao ponto de causar impacto mesmo nas economias
mais sólidas, e a riqueza produzida por uma única Copa do Mundo é capaz de
transformar o PIB de um país. Os salários pagos pelos grandes times tornam a
carreira de jogador de futebol uma das mais cobiçadas por meninos mundo afora,
e os contratos de publicidade e merchandising
que enriquecem ainda mais esses jovens atletas chamam a atenção para a força
dessa indústria nascida do esporte.
Sinopse do livro “Geopolítica”
(da Editora)
As Copas do Mundo são exemplos de como conflitos
históricos podem ser reencenados sem armas, num combate de noventa minutos
dentro de uma arena gramada. Já
assistimos a soldados e bombas serem trocados por jogadores e uma bola numa
condensação de diferenças étnicas e políticas nem sempre conciliadas. A
diferença entre o campo de batalha e o estádio era que o único alvo permitido
era o gol.
Em “Geopolítica”, José Eduardo de Carvalho faz uma
análise detalhada do esporte que deflagrou conflitos e também superou guerras,
tornando-se peça essencial do intrincado jogo da diplomacia e da geopolítica
mundial.
Literatura na Arquibancada destaca dois textos do livro “O
jogo” que comprovam a qualidade desta série espetacular: o prefácio, assinado
pelo mestre Tostão; e a “introdução” do autor, José Eduardo de Carvalho, uma
prosa leve, envolvente e repleta de informação.
Mais que um jogo
Por Tostão
Uma partida de futebol é muito mais que uma disputa
esportiva, de técnica, tática, habilidade e criatividade. É também um
espetáculo lúdico, de grande emoção, em que estão presentes todos os
sentimentos e contradições humanas. É uma metáfora da vida.
Os esquemas táticos servem de referência e de repressão
para os atletas. É um aviso de que eles não podem ultrapassar certos limites,
que nem tudo o que se deseja é permitido e que as ambições individuais não
podem estar acima do coletivo. O mesmo ocorre na vida. O esquema tático é a
consciência, o alter ego dos jogadores.
Na vida e no futebol, paga-se também um preço por isso. A
repressão excessiva inibe a espontaneidade, a criatividade e empobrece o ser
humano.
Zico diz que a maior dificuldade que teve como treinador,
no Japão, foi convencer os disciplinados japoneses de que eles poderiam também
improvisar e inventar. Japoneses e americanos aprenderam todos os detalhes
táticos do futebol, melhoraram bastante a técnica, mas não conseguiram dar um
salto de qualidade, por falta de habilidade e de criatividade.
No futebol, diferentemente do vôlei, as improvisações e
os acasos são também decisivos. No vôlei, quase tudo que é ensaiado pode ser
repetido no jogo. No futebol, quando um jogador domina a bola, há milhares de
possibilidades.
Além da técnica, da habilidade e da criatividade, os
grandes atletas são os que convivem bem com a emoção de um jogo. “Quem ganha e
perde as partidas é a alma” (Nelson Rodrigues).
A Seleção de 1970, considerada por muitos a melhor do
mundo de todos os tempos, uniu o talento individual com o jogo coletivo.
Não há espetáculo sem a participação do torcedor. Eles
influem também no resultado das partidas. A principal razão de os times da casa
terem mais chances de vencer, quando não há uma grande diferença técnica, é o
apoio dos torcedores e a pressão sobre os adversários.
Os torcedores levam também para o campo todas as suas
angústias, frustrações, alegrias e tristezas. É uma verdadeira catarse.
Os treinadores, apesar de supervalorizados pelos
torcedores e pela imprensa, são também importantes. O jogo precisa ter uma
ordem, uma estratégia, um comando.
O técnico tem de escolher os melhores e colocá-los nos
lugares certos. Não existe uma estratégia ideal para todas as partidas, tudo
depende das características dos jogadores, do adversário e do momento. O bom
técnico não é o que sabe mais detalhes táticos, e sim o que sabe comandar e
executar melhor o que foi planejado.
Neste belo livro, José Eduardo de Carvalho conta a
história do futebol, como ele surgiu, se desenvolveu na Inglaterra, se espalhou
pelo Brasil e pelo mundo e como se tornou tão popular. Conta também como o
futebol, para crescer, precisou se estruturar, dentro e fora do campo, criar
regras, rituais e uma linguagem própria. Mostra ainda como se tornou um espetáculo
e as suas relações com a sociedade.
O futebol é mais do que um jogo. Vocês vão gostar.
Introdução
Por José Eduardo
de Carvalho
Tem sido uma tarefa árdua, e prazerosa, tentar desvendar
o futebol. Primeiro um jogo, depois um esporte, hoje uma instituição, esse
fenômeno que completa 150 anos no momento justo em que o Brasil constrói sua
Copa do Mundo parece não ter limites em seu gigantismo, que ao mesmo tempo
seduz multidões e alimenta adversários ideológicos. Meio bilhão de pessoas
tiram seu sustento do futebol, direta ou indiretamente. Cerca de 1 bilhão e 200
milhões são ou foram praticantes do esporte e o número de seguidores já
ultrapassou o patamar espantoso de 4 bilhões, quase 60% da população do
planeta. Como contestar esse poder?
Nascido no coração da Revolução Industrial, o futebol
atravessou todas as turbulências do mundo contemporâneo, adaptou-se às diversas
conjunturas sociais, consolidou suas regras, sobreviveu a duas guerras mundiais
e a inúmeras convulsões sociopolíticas, religiosas e raciais neste século e
meio de vida. Não só reforçou seu estigma de aglutinador de povos como
multiplicou as adesões e foi vorazmente adotado pelas diversas camadas da
sociedade a partir das classes mais humildes – contrariando sua própria origem
aristocrática. Ainda assim, é acusado de ser instrumento de dominação e
pretexto para se fugir da realidade. Em função de seu afã conquistador que não
conhece fronteiras, atrai injúrias. A maior de todas, que aponta para o uso
indevido do futebol pelos diversos poderes constituídos e forças políticas,
pode ser apenas uma grande falácia. Não será o contrário? Não será o futebol,
em sua grandeza absoluta, quem na realidade usa instrumentos da política para
fazer valer suas verdades, sua alucinante capacidade de comunicação e
identificação?
Não há, definitivamente, em qualquer setor do
conhecimento humano uma atividade que, semana após semana, reúna pequenas
multidões de forma tão sistemática e apaixonada, nem mesmo as grandes
manifestações religiosas. Autobatizado ‘país do futebol’, o Brasil usualmente
questiona, pela mídia ufanista e por milhões de torcedores, a existência de
outros ‘países do futebol’. Mas eles existem, a história é testemunha, até mesmo
se levarmos em conta apenas as últimas décadas. A Itália consolidou a posição
de país do futebol ao organizar em 1990 a Copa do Mundo que mais abarrotou
estádios e paralisou a nação por um mês. O país também ignorou suas diferenças
orgânicas entre norte-rico e sul-pobre ao chorar, em uníssono, pela derrota
contra o Brasil em 1994, ou pela vitória na Copa de 2006, na Alemanha.
Três milhões de franceses desafiaram a postura clássica
de seu perfil blasé e saíram, histéricos, às ruas de Paris no dia 14 de julho
de 1998, numa proporção 20 vezes maior do que nos outros anos para as
comemorações de seu Dia Nacional, a Queda da Bastilha. A explicação: dois dias
antes, Zidane e sua turma haviam destroçado o Brasil e conquistado o primeiro
Mundial do país, o que turbinou a festa da Pátria. Somente 17 anos após a queda
do Muro de Berlim os alemães conseguiram virar de vez uma página traumática de
sua trajetória política e, sob o cartão de visitas da Copa de 2006,
reconquistaram a simpatia de vizinhos e outros desafetos, enterrando o espectro
do divisionismo e os ecos da Guerra Fria. A Espanha também saboreia esse
gostinho de ser país do futebol e não só por ser neófita em conquistas
mundiais, mas pelas demonstrações históricas de fanatismo em torno de uma
tradicional rivalidade, Real Madrid-Barcelona, que paralisa três quartas partes
de seu território e um pedaço generoso do mundo a cada clássico. Sem contar os
ingleses, que inventaram tudo isso.
A rigor, os rituais futebolísticos são continuamente
reinventados por milhares de pequenos grupos em qualquer lugar do planeta onde
exista um espaço e uma bola – seja nas várzeas brasileiras e argentinas, que
insistem em desafiar as transformações urbanas das grandes cidades, seja nos
modernos gramados europeus ou nos cantões africanos de terra batida. A bola
também rola, constante, sobre a neve dos estádios russos e nas politicamente
corretas arenas no Extremo Oriente, com seus torcedores high-tech,
bem-comportados e sistemáticos, como se manejassem um vídeo game. É o script
habitual dos domingos, também dos sábados, das quartas e quintas-feiras. Em
matéria de futebol, todo dia é dia.
É preciso levar em conta, além de tudo, as
particularidades que tornam o próprio jogo atraente. O sociólogo francês Roger
Caillois elaborou um estudo aprofundado sobre a função primordial dos
passatempos. Embora tenha formulado de uma maneira velada hipóteses nem sempre
reais sobre o papel do futebol, ao mesmo tempo dá elementos que decifram os
segredos de sua universalização como linguagem e acontecimento grandioso.
Callois enquadra os jogos como atividades livres, delimitadas em espaços fixos,
incertas (com resultados imprevisíveis), improdutivas (por não gerarem bens ou
riqueza específica), regulamentadas (sob o domínio de convenções ou regras) e
fictícias (que correm de forma paralela à vida real). Em seguida, os divide e
classifica em quatro categorias fundamentais: o agonismo (voltados para as tensões
da competição); o aleatório (ligados ao acaso, à sorte e ao azar); a simulação
ou mímica (que trabalham com disfarces, estratégias e blefes); e a vertigem
(produtos de ansiedades, emoções e medo).
Ainda que procurasse em suas análises abranger todo tipo
de jogo – do carteado à patinação –, Caillois fez involuntariamente uma obra
adaptável quase por completo ao futebol, pela simples razão de que se trata de
um coquetel explosivo que mescla todos os jogos em um só. Exceto pelas
qualificações de ‘atividade improdutiva’, que obviamente hoje em dia está longe
da verdade do futebol, e de ‘atividade fictícia’, um legado dos pobres tempos
em que esse esporte ainda era taxado de ‘ópio do povo’, as definições e
categorias são todas aplicadas à risca ao jogo das multidões. No futebol há
comprovadamente competição – física e mental –, a sorte e o acaso são
componentes usuais, a simulação legítima é ingrediente-chave do encanto do jogo
(o que é um drible se não enganar, blefar, dentro da regra?), a mímica é
recurso obrigatório do gestual dos atores (a comemoração de um gol, o juiz
sinalizando com seus cartões, o craque do time pedindo apoio do torcedor) e a
emoção/tensão paira sobre todas as outras características. É o que conduz o
ritual, escreve a história e mantém viva a chama, estimulando imagens, sons e
sentimentos.
De tal forma o futebol é concreto e real que suas mazelas
representam com precisão o arsenal de dificuldades e obstáculos, inclusive
éticos, com que nos deparamos no dia a dia. Mais do que isso, são mazelas
potencializadas pela vivência esportiva. Violência, doping, corrupção,
conchavos políticos e truques escusos de mercado também marcam as relações
humanas no futebol, abalam suas estruturas e criam alguns monstrengos. A
própria existência dos adversários ideológicos, que muitas vezes se aproveitam
da visibilidade do futebol para destilar seus interesses duvidosos e
estabelecer cruzadas morais demagógicas, funciona como referendo à grandeza do
jogo. Nenhuma novidade, se comparado ao que enfrentamos em nossa trajetória
individual e familiar, no processo educacional, no trabalho e nas relações
interpessoais ao longo de nossa existência. Tudo é uma questão de interpretar,
depurar e incorporar o pacote completo, desde que inclua os prazeres e o
entretenimento que possa proporcionar – o “escoamento das emoções”, segundo a
tese aristotélica, ou o ato simples de desfrutar dos momentos marcantes “em que
uma sociedade se mexe, ri, chora e grita”, na visão do etnólogo francês
Christian Bromberger.
Sobre José Eduardo
de Carvalho:
Foi repórter, redator e editor de esportes do Jornal da Tarde, correspondente
internacional do Grupo Estado em Madri, correspondente no Brasil do Diário AS, da Espanha; colaborador de várias
publicações esportivas, editor chefe da PSN Sports no Brasil e professor de
cursos de especialização em Jornalismo do Senac-São Paulo. Participou da coleção
“Formação e Informação – Jornalismo para Iniciados e Leigos”. O livro trata de
um dos grandes temas da mídia: o jornalismo esportivo. José Eduardo participou
com o artigo "O discurso esportivo", onde fala das evoluções e
involuções do linguajar da imprensa. O texto pode ser acessado neste link:
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