Arte: Zuca Sardan |
“Deixa Falar: o megafone do
esporte”, espaço de debates que sai quinzenalmente, sábado sim,
sábado não, aqui, no Literatura na Arquibancada, na Carta Maior (http://www.cartamaior.com.br) e no blog do Juca (http://blogdojuca.uol.com.br/ ), debatendo o esporte em
geral e o futebol em particular, dialogando com a História, Política, Música,
Economia, Literatura, Cinema, Humor, apresenta nesta sua quinta edição, artigo
do mestre Ademir Gebara.
UMA PINTURA DE
JOGADA DE UM ESPANHOL CHAMADO GOYA,
OU UMA PRÉVIA PARA
A SOCIOLOGIA DOS ESPORTES.
Por Ademir Gebara
Para Johan Huizinga, historiador holandês, autor do
clássico “Homo Ludens”, a brincadeira precede a cultura posto que os animais
também brincam; porém não jogam e tampouco praticam esportes, eis aí uma
questão central para pensar o esporte moderno. Iniciemos pelos jogos e
brincadeiras.
“El Pelele”, é um dos mais populares e conhecidos cartões
de tapeçaria de Goya (1746 – 1828). Carlos IV da Espanha, fez esta encomenda
para sua sala de despachos solicitando quadros com temas campestres e
jocosos. Este tema carnavalesco, retrata
um jogo no qual quatro jovens executam movimentos ritmados com uma manta, de
tal maneira que um boneco, neste caso uma figura masculino, é manuseado, ou
manipulado, sendo jogado para o ar sucessivamente.
Não é uma atividade competitiva, pelo contrário é
solidária, pois é imperativa a coordenação motora entre as participantes no
sentido de executar a brincadeira. A presença de um juiz é absolutamente
dispensável, bem como não existem regras, embora possam ser sugeridas
tentativas de movimentos diferenciados para o boneco, o que implica em um grau
de coordenação crescente, já próximo de malabarismos. Talvez aqui possamos
compreender a distancia entre uma atividade de passa tempo da elite, e uma
atividade que implica em treinamento e, em um futuro próximo, uma certa dose de
profissionalismo (esporte?). Brincar ou jogar para, e com o seu grupo, é
diferente, nesta medida de buscar espectadores para uma determinada habilidade
possivelmente profissional.
O vestuário elegante das participantes indica um modo de
vida refinado, com expressões de prazer e intensa participação, brincam tendo
ao fundo um possível bosque de um castelo, divisando uma de suas torres.
Sintomaticamente quatro mulheres, e apenas mulheres, manipulam um boneco
vestido como palhaço. Tal situação seria simbolicamente impensável em passado não
muito remoto. Nitidamente temos um universo onde a posição da mulher é
indicadora de uma participação mais acentuada no jogo de poder entre os
gêneros. Neste quadro, os passatempos sugerem um requinte e uma sofisticação que nem de longe apontam para qualquer participação
popular.
Modelos desenvolvidos por Goya, também para tapeçaria,
neste mesmo período, sugerem uma outra abordagem quando os estratos urbanos da
população são focalizados, no caso seguinte, o grupo ou ação que centraliza o
evento é apresentado tendo em segundo plano uma pequena multidão, a vida e a
emoção das pessoas comuns tem um universo de compartilhamento permeado pela
presença de inúmeros outros homens comuns, anônimos ou não, freqüentadores do
cotidiano e das ruas das cidades.
Vejamos mais detidamente esta questão relativa aos
jogos/brincadeiras populares, em relação à forma pela qual a elite foi
retratada no quadro anterior. Na decoração da mesma sala de despachos, Goya
pinta “Los Zancos” onde dois jovens usando longas pernas de pau, e acompanhados
de dois outros a pé, tocando cornetas, se movimentam no interior de uma cidade,
aparentemente anunciando um evento ou portando uma mensagem digna de se tornar
pública. A ação retratada é, nitidamente, focada no sentido de chamar a atenção,
do maior número de pessoas possível para o intento das quatro figuras em
primeiro plano.
No segundo plano, observando a cena, temos uma grande
quantidade de pessoas. O vestuário, os trajes e a atitude indicam claramente
tratar-se de trabalhadores em atividades do
seu dia a dia, contrastando com a auto-suficiência do grupo em foco no desenho
anterior.
Neste quadro há um elemento novo que é a presença de
pessoas envolvendo a cena, alguns, como as duas crianças mais centradas na
movimentação da pintura, participando ativamente, outros, apenas olhando a
distancia e com distancia. É visível um misto de participação e distanciamento
das pessoas envolventes, estabelecendo-se assim uma nítida diferenciação entre
o segundo plano de Los Zancos em relação a e El Pelele, onde a natureza é
retratada inicialmente como moldura mais inóspita e depois já civilizada, este
recurso à natureza que permite sobrelevar os altos estratos da elite é no
último quadro substituído pela presença da população movimentando-se no seu
cotidiano. Contudo, aqui também não temos atividade competitiva, tampouco
regras ou mesmo a perspectiva de um eventual árbitro.
As emoções retratadas são diferentes das presentes no
quadro anterior. Essencialmente a presença dos tocadores de corneta em ação,
visa chamar mais ainda a atenção do entorno para a presença dos dois figurantes
com as pernas de pau, todos os quatro convenientemente trajados, como se fossem
uniformizados, de tal maneira que a performance em pauta deve referir-se a
algum ritual encomendado, eventualmente até mesmo pago.
Há uma percepção pela direção das imagens segundo a qual
os “zancos” estariam se dirigindo a jovem no balcão, poder-se-ia supor que a
ela alguma mensagem pudesse estar sendo entregue, da mesma maneira, e o
conjunto do movimento retratado assim o sugere, trata-se de uma atividade para
a qual o grupo necessitaria ter algum tipo de treinamento, dada a presença de
elementos de imprevisibilidade no decorrer da ação motriz retratada.
Como avançamos destas imagens do Século XVIII para os
esportes modernos, com regras, juízes, records, prêmios e tudo o mais que se
configuraria a partir dos anos 1850?
O nascimento dos esportes modernos na segunda metade do
século XIX, será abordado em outras oportunidades, aqui no Deixa Falar: o
Megafone do esporte, em paralelo às
inúmeras transformações
econômicas, sociais, políticas e culturais ocorridas nesta conjuntura
histórica..
Sobre Ademir
Gebara :
Graduado em História e Educação Física, mestre em
História pela USP, PH D em História pela London School of Economics and
Political Science., ex-diretor e coordenador de Pós da FEF Unicamp, professor visitante
da Universidade Federal da Grande Dourados.
Dois toques do Megafone:
1) Ademir Gebara ao lado de José Sebastião Witter faz parte do time dos precursores da análise e da pesquisa dos esportes/futebol na Universidade brasileira.
Gebara é autor de diversos artigos e livros, dentre os quais indicamos:
“Considerações para uma história do lazer no Brasil”. In: BRUHNS, Heloísa Turini (org.). “Introdução aos Estudos do Lazer”. Campinas, São Paulo. Unicamp. 1997
“Conversas sobre Norbert Elias”(depoimentos para uma História do Pensamento Sociológico), com apresentação de Eric Dunning - Biscalchin Editor - 2005.
2) Na apresentação mencionada diz Eric Dunning: "a publicação de Ademir Gebara Conversas sobre Norbert Elias é, sob qualquer aspecto imaginável, um evento notável e significativo. O livro sinaliza o fato de que, sob a liderança do Professor Gebara, os historiadores e sociólogos brasileiros colocaram-se na dianteira, no continente americano, do envolvimento acadêmico com o pensamento de Elias".
1) Ademir Gebara ao lado de José Sebastião Witter faz parte do time dos precursores da análise e da pesquisa dos esportes/futebol na Universidade brasileira.
Gebara é autor de diversos artigos e livros, dentre os quais indicamos:
“Considerações para uma história do lazer no Brasil”. In: BRUHNS, Heloísa Turini (org.). “Introdução aos Estudos do Lazer”. Campinas, São Paulo. Unicamp. 1997
“Conversas sobre Norbert Elias”(depoimentos para uma História do Pensamento Sociológico), com apresentação de Eric Dunning - Biscalchin Editor - 2005.
2) Na apresentação mencionada diz Eric Dunning: "a publicação de Ademir Gebara Conversas sobre Norbert Elias é, sob qualquer aspecto imaginável, um evento notável e significativo. O livro sinaliza o fato de que, sob a liderança do Professor Gebara, os historiadores e sociólogos brasileiros colocaram-se na dianteira, no continente americano, do envolvimento acadêmico com o pensamento de Elias".
Por fim além do que já foi dito acrescentamos que Ademir
Gebara é torcedor apaixonado do São Paulo e um churrasqueiro de mão cheia.
* Deixa Falar: o megafone do esporte: criação e edição de Raul Milliet Filho.
* Deixa Falar: o megafone do esporte: criação e edição de Raul Milliet Filho.
Sobre os autores
do “Deixa Falar: o megafone do esporte”
Antonio Edmilson Rodrigues – é América, livre docente em História, professor da UERJ e da PUC-RJ, pesquisador de História do Rio de Janeiro, escritor de temas vinculados à história urbana, coordenador do projeto Conversa de Botequim e autor de João do Rio, a cidade e o poeta.
Bernardo Buarque – professor da Escola
Superior de Ciências Sociais (FGV) e pesquisador do CPDOC/FGV. `É editor da
coleção Visão de Campo (7 Letras). Em 2012, publicou o livro ABC de José Lins do Rego (Editora José Olympio).
Flavio Carneiro – É botafoguense, além de escritor, roteirista e professor de literatura na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).www.flaviocarneiro.com.br.
José Paulo Pessoa –
é botafoguense, ator, advogado, que achava o Didi mais impressionante que o
Garrincha (que foi o maior que já vi!). Diretor, cantor e compositor do Bloco
das Carmelitas, de Santa Teresa (RJ).
José Sebastião Witter –
é torcedor do São Paulo, professor emérito da USP e professor normalista.
Luiz Carlos Ribeiro é professor do Departamento de
História da UFPR e coordenador do Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade.
Marcelo W. Proni –
economista, doutor em Educação Física pela Unicamp, professor do Instituto de
Economia da Unicamp, torcedor do Botafogo de Ribeirão Preto.
Marcos Alvito - é carioca de Botafogo e Flamengo até morrer. É um antropólogo que dá aula de História na UFF desde o longínquo ano de 1984. Perna-de-pau consagrado, estuda um jogo que nunca conseguiu jogar direito: o futebol. Mas encara qualquer um no futebol de botão. Acaba de publicar A Rainha de Chuteiras: um ano de futebol na Inglaterra (www.clubedeautores.com.br)
Raul Milliet Filho – é botafoguense, mestre em
História Política pela UERJ, doutor em História Social pela USP. Como
professor, pesquisador e autor prioriza a cultura popular. Gestor de políticas
sociais, idealizou e coordenou o Recriança, projeto de democratização esportiva
para crianças e jovens.
Ricardo Oliveira –
é Vasco, jornalista, educador da prefeitura do Rio de Janeiro e pesquisador da
História do futebol. Coordenador da pesquisa do livro Vida que Segue: João
Saldanha e as Copas de 1966 e 1970.
Wanderley Marchi Jr – doutor em Educação Física e Sociologia do Esporte
e professor da Universidade Federal do Paraná/BRA e da West Virginia
University/USA.
Zuca Sardan (Carlos Felipe Saldanha) – É torcedor do Vasco, nasceu no Rio de
Janeiro em 1933, mas vive em Hamburgo, na Alemanha. Estudou arquitetura, mas
fez diplomacia. Estudou desenho, mas fez letras. Hoje dedica-se a desenhos,
vinhetas, poesias e folhetins.
Entre seus livros, estão: Ás de colete, poesias, desenhos e Osso do Coração.
Entre seus livros, estão: Ás de colete, poesias, desenhos e Osso do Coração.
(para acessar o currículo
completo, clique aqui http://www.itaucultural.org. br/aplicexternas/enciclopedia_ lit/index.cfm?fuseaction= biografias_texto&cd_verbete= 5288&cd_item=35)
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Falar: o megafone do esporte
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