12 de janeiro de 2013,
centenário de um dos maiores cronistas brasileiros. Cronista integral, porque Rubem
Braga jamais se atreveu em outros gêneros literários, como o romance, por
exemplo. Dizem alguns críticos que até tentou. Não precisava. Foram mais de 15
mil crônicas escritas até 1990, ano de sua morte.
E o futebol sempre esteve
presente em suas crônicas, especialmente, nas recordações de sua infância em
Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, onde nasceu. Certa vez, em uma enquete
realizada por uma revista sobre as “dez coisas que fazem a vida valer a pena”,
Rubem Braga relacionou essa: "Quando você vai andando por um lugar e há um
bate-bola, sentir que a bola vem para o seu lado e, de repente, dar um chute
perfeito - e ser aplaudido pelos serventes de pedreiro."
Rubem Braga seria o Pelé
da crônica brasileira? Como em qualquer enquete sobre o melhor do futebol, com
o rei nada se compara. E assim é com Rubem Braga. Ele poderia ser um Didi,
craque dos anos 1950, clássico, inteligente, elegante e...bom...muito bom no
que fazia.
Nas várias homenagens
recebidas, Rubem Braga virou tema de uma das escolas de samba de sua terra
natal. A Unidos de Jucutuquara desfila com o samba-enredo: "A centenária
noite do sabiá da crônica: entre pássaros, palavras, chiquitas e baianas".
A definição para “um bom cronista” feita por Rubem Braga
é definitiva: “o bom cronista abre a
janela para retratar a vida”. E foi assim que ele escreveu sobre o
futebol, na janela da casa em que viveu a infância. Em uma trilogia, ele resgata suas experiências de
menino, na terra natal, em Cachoeiro de Itapemerim, no Espírito Santo. Mais
abaixo, Literatura na Arquibancada resgata uma delas: “Os Teixeiras moravam em
frente”. As outras duas são: “As Teixeiras e o futebol” e “A vingança de uma
Teixeira”, todas a respeito das irmãs Teixeiras, uma família que morava em
frente a sua casa e tinha as janelas repletas de vidros. As peladas jogadas por
Rubem Braga e os amigos, evidentemente, eram ameaça constante para os vizinhos.
Ainda neste post,
também um poema escrito em 1946 por Rubem Braga, “Retrato do Time”, relembrando
outra fase dele com o futebol, desta vez, como jogador de uma equipe que se
tornou inesquecível para o escritor.
Rubem Braga morreu
no dia 19/12/1990 aos 77 anos. Para saber mais sobre o escritor, Literatura na
Arquibancada sugere a leitura de sua biografia, escrita por Marco Antonio de
Carvalho, “Rubem Braga – Um cigano fazendeiro do ar” (Editora Globo, 2007).
Também vale acessar o link abaixo: http://www.tirodeletra.com.br/biografia/RubemBraga.htm
Retrato do Time
No primeiro plano
vê-se a linha intrépida
Em posição de repouso vigilante
Ajoelhada sobre o joelho esquerdo,
Prestes a erguer-se
Uma vez batida a chapa
E atacar com ímpeto.
A defesa está atrás, de pé pelo Brasil.
Esse de gorro era nosso melhor elemento
Em posição de repouso vigilante
Ajoelhada sobre o joelho esquerdo,
Prestes a erguer-se
Uma vez batida a chapa
E atacar com ímpeto.
A defesa está atrás, de pé pelo Brasil.
Esse de gorro era nosso melhor elemento
Lembro que nesse jogo Nico foi expulso de campo.
Injustamente pelo juiz.
Porém não antes de marcar seu "goal".
Esse mais gordo chamava Roberto Vaca-Brava.
Nosso "center-half", homem aliás capaz
De jogar em qualquer posição... Quer ver? Me lembro:
Joca, Liberato e Zico,
Tião, Roberto e Sossego,
Baiano, eu, Coriolano, Antonico e Fuad.
Era um onze imortal
Como aliás se nota nessa fotografia
Nessa chuvosa tarde antigamente heróica eternamente
Em que empatamos porém foi nossa a vitória moral.
Injustamente pelo juiz.
Porém não antes de marcar seu "goal".
Esse mais gordo chamava Roberto Vaca-Brava.
Nosso "center-half", homem aliás capaz
De jogar em qualquer posição... Quer ver? Me lembro:
Joca, Liberato e Zico,
Tião, Roberto e Sossego,
Baiano, eu, Coriolano, Antonico e Fuad.
Era um onze imortal
Como aliás se nota nessa fotografia
Nessa chuvosa tarde antigamente heróica eternamente
Em que empatamos porém foi nossa a vitória moral.
E olhando o retrato
Olho especialmente o meu:
Um rapazinho feio, de ar doce e violento
Sobre o qual disse o jornal:
"O valoroso meia-direita."
E com toda razão, modéstia à parte.
Esse alto, nosso "keeper" Joca Desidério
Quando a linha fechava ele gritava para os "backs" —
Sai tudo, sai da frente — e avançava na linha.
E chorava de raiva quando a bola entrava.
Mais tarde, por causa de um italiano, ele se fez assassino
Mas com toda razão, segundo me contaram.
Alviverde camisa do Esperança
do Sul Foot-Ball Club, conhecido
Como os capetas verdes — somos nós!
Nós todos envergando essas cores sagradas
E no coração dentro do peito cada um tem uma
[namorada na bancada,
Cada um menos um.
Era Fuad, que não interessava a ninguém,
E morreu tuberculoso sacrificado de tanto correr na
[extrema
É esse aqui, de nariz grande, esse turquinho feio.
Fonte:
Um rapazinho feio, de ar doce e violento
Sobre o qual disse o jornal:
"O valoroso meia-direita."
E com toda razão, modéstia à parte.
Esse alto, nosso "keeper" Joca Desidério
Quando a linha fechava ele gritava para os "backs" —
Sai tudo, sai da frente — e avançava na linha.
E chorava de raiva quando a bola entrava.
Mais tarde, por causa de um italiano, ele se fez assassino
Mas com toda razão, segundo me contaram.
Alviverde camisa do Esperança
do Sul Foot-Ball Club, conhecido
Como os capetas verdes — somos nós!
Nós todos envergando essas cores sagradas
E no coração dentro do peito cada um tem uma
[namorada na bancada,
Cada um menos um.
Era Fuad, que não interessava a ninguém,
E morreu tuberculoso sacrificado de tanto correr na
[extrema
É esse aqui, de nariz grande, esse turquinho feio.
Fonte:
Livro de versos. Il.
Jaguar e Scliar. Pref. Affonso Romano de Sant'Anna. Posfácio Lygia Marina
Moraes. Rio de Janeiro: Record, 1993
![]() |
Casa de Rubem Braga, em Cachoeiro de Itapemirim. |
Os Teixeiras moravam
em Frente
Para não dar o nome
certo digamos assim: os Teixeiras moravam quase defronte lá de casa.
Não tínhamos nada
contra eles: o velho, de bigodes brancos, era sério e cordial e às vezes até
nos cumprimentava com deferência. O outro homem da casa tinha uma voz grossa e
alta, mas nunca interferiu em nossa vida, e passava a maior parte do tempo em
uma fazenda fora da cidade; além disso seu jeito de valentão nos agradava,
porque ele torcia para o mesmo time que nós.
Mas havia as
Teixeiras. Quantas eram, oito ou vinte, as irmãs Teixeiras? Sei que era uma
casa térrea muito, muito longa, cheia de janelas que davam para a rua, e em
cada janela havia sempre uma Teixeira espiando.
Havia umas que eram boazinhas, mas em conjunto as irmãs Teixeiras
eram nossas inimigas, acho que principalmente as mais velhas e mais magras.
![]() |
Pedra Itabira, em Cachoeiro de Itapemirim. |
As Teixeiras tinham
um pecado fundamental: elas não compreendiam que em uma cidade estrangulada
entre morros, nós, a infância, teríamos de andar muito para arranjar um campo
de futebol; e, portanto, o nosso campo natural para chutar a bola de borracha
ou de meia era a rua mesmo.
Jogávamos descalços,
a rua era calçada de pedras irregulares (só muitos anos depois vieram os
paralelepípedos, e eu me lembro que os achei feios, com sua cor de granito, sem
a doçura das pedras polidas entre as quais medrava o capim; e achei o nome
também horroroso, insuportável, paralelepípedos, nome que o prefeito dizia com
muita importância, parece que a grande glória de Cachoeiro e o progresso
supremo da humanidade residia nessa palavra imensa e antipática —
paralelepípedos); mas, como eu ia dizendo, a gente dava tanta topada que todos
tínhamos os pés escalavrados: as plantas dos pés eram de couro grosso, e as
unhas eram curtas, grossas e tortas, principalmente do dedão e do vizinho dele.
Até ainda me lembro de um pedaço do "campo" que era melhor, era do
lado da extrema direita de quem jogava de baixo para cima, tinha uma pedra
grande, lisa, e depois um meio metro só de terra com capim, lugar esplêndido
para chutar em gol ou centrar.
Tenho horror de
contar vantagem, muita gente acha que eu quero desmerecer o Rio de Janeiro
contando coisas de Cachoeiro, isto é uma injustiça; a prova aqui está: eu
reconheço que o Estádio do Maracanã é maior que o nosso campo, até mesmo o
Pacaembu é bem maior. Só que nenhum dos dois pode ser tão emocionante, nem
jamais foi disputado tão palmo a palmo ou pé a pé, topada a topada, canelada a
canelada, às vezes tapa a tapa.
Não consigo me
lembrar se a marcação naquele tempo era em diagonal ou por zona; em todo caso a
técnica do futebol era diferente, o jogo era ao mesmo tempo mais cavado e mais
livre, por exemplo: não era preciso ter 11 jogadores de cada lado, podia ser
qualquer número, e mesmo às vezes jogavam cinco contra seis, pois a gente punha
dois menores para equilibrar um vaca-brava maior.
Eu disse que as
partidas eram emocionantes; até hoje não compreendo como as Teixeiras jamais se
entusiasmaram pelos nossos prélios. Isso foi um erro, e na semana que vem eu
contarei por quê.
Fonte:
“A traição das
Elegantes”, (Editora Sabiá, 1967, RJ)
Sobre a vida – e principalmente as circunstâncias que cercaram a a morte de Rubem Braga – vale a pena ler este excelente texto do mauro santayana, do Jornal do Brasil:
ResponderExcluirhttp://www.maurosantayana.com/2013/01/rubem-e-o-poder.html
Oi André!
ResponderExcluirCara, como você é bonito e elegante! rsrsrs
Te vi na TV, creio que na Record, falando sobre o livro e o centenário do Diamante Negro.
Gostei.
Parabéns pelo belo trabalho.
Beijão.
E a segunda parte de os Teixeiras e a terceira parte?
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