No primeiro dia de 2014, o aniversário de um dos maiores
craques da camisa 10 do futebol mundial: Roberto Rivellino. São 68 anos de
paixão pelo futebol. Não é a toa que a biografia publicada há 15 anos ganhou o
título: Sai da rua Roberto (Master Book, 1999, Osvaldo Paschoal).
Rivellino é um daqueles jogadores que, para quem teve o
privilégio de o ver “desfilando” talento pelos gramados, jamais se esquecerá.
Riva é eterno.
Em 2006, ele não poderia ficar de fora do livro que
reuniu a maior seleção de todos os camisas 10 no mundo: A Magia da Camisa 10
(Verus Editora), também teve os encantos de Rivellino. Abaixo, o texto de
Vladir Lemos e André Ribeiro.
Rivellino
Por André Ribeiro
e Vladir Lemos
Rivellino era um legítimo camisa 10, mas na Copa que
jogou ao lado de Pelé, no México (1970), ninguém teria o direito de quebrar o
encanto daquela camisa. Suceder o reinado de Pelé não era missão para qualquer
um. Haveria de existir alguém capaz de suportar o peso que aquela simples
camisa com dois números às costas representava.
Na Copa de 1974, Rivellino já era um jogador experiente e
acostumado com a pressão sofrida pelos craques dos grandes clubes. Estava com 28
anos e era o ídolo do Corinthians, clube paulista com uma das torcidas mais
fanáticas de todo o Brasil.
Roberto Rivellino era um garoto nascido no pós-guerra, em
1946, e que muito cedo descobriu o futebol. Tanto que a frase mais proferida por
sua mãe naqueles tempos acabou virando título de sua biografia: “Sai da rua, Roberto!”. Sem imaginar,
a mãe pedia o impossível, pois era nas ruas que o menino podia aprimorar seu
grande dom. A infância e boa parte da adolescência foram passadas não só nas
ruas jogando bola, mas também em campos de várzea e, principalmente, em quadras
de futebol de salão. Aos 12 anos tentou pela primeira vez um lugar em uma
equipe de futebol de campo, o São Paulo, e não foi aproveitado. Os três anos
que ainda passaria longe dos gramados foram decisivos para amadurecer um estilo
diferente, que seria sua marca registrada no futuro. A intimidade com o futebol
de salão permitiu a Rivellino jogar em outra dimensão, em espaços menores, e transformar-se
no dono de um drible curto mortal, sem
falar no chute potente de sua perna esquerda.
Em 1962 o Palmeiras, time da capital paulista, esteve
perto de ser a equipe que levaria Rivellino para os campos, mas o treinador
demorou a perceber o que aquele canhoto poderia fazer. Ao acompanhar sua
atuação na final de um campeonato juvenil de futebol de salão, tentou voltar
atrás, mas era tarde. O rival Corinthians, ao contrário, viu talento de sobra
no menino e, no início de 1963, ele passou a integrar o time juvenil do alvinegro.
A falta de um meia-esquerda levou o garoto para a equipe
de aspirantes um ano depois. Foi a oportunidade perfeita para mostrar o que
sabia fazer. Como os jogos eram realizados antes de o time profissional entrar
em campo, Rivellino criou um laço quase inseparável com a torcida. Em janeiro
de 1965 estreou na equipe principal enfrentando o Santa Cruz, do Recife, e
marcou um dos gols na vitória por 3 a 0. Curiosamente, entrou em campo com a
camisa 8, mas o tempo, a técnica e a vocação para os lances de bola parada
transformaram o jogador em ídolo e craque da camisa 10.
Em 1974 Rivellino era o Reizinho do Parque, uma alusão ao
campo do time, o Parque São Jorge, na zona leste da cidade, e à herança do
trono de Pelé. Foi nessa condição que entrou em campo para enfrentar o arquirrival
Palmeiras. O Corinthians, que não conquistava o título do Campeonato Paulista
havia 20 anos, não esteve bem na segunda fase do torneio; mas, depois do empate
por 1 a 1 no primeiro jogo da decisão, a torcida acreditou que era
chegada a hora. No jogo decisivo, porém, um gol sofrido aos 24 minutos do
segundo tempo deu o título ao Palmeiras. Naquele mesmo torneio, o camisa 10
havia marcado um dos gols mais rápidos da história. Ao ver o goleiro adversário
distraído, usou a potência de seu chute para fazer 1 a 0 em cima do América,
time do interior de São Paulo, antes que o cronômetro marcasse cinco segundos
de jogo. O confronto terminou em 5 a 0.
Mas o passado recente, marcado por momentos brilhantes,
de nada adiantou. Torcedores e dirigentes viram em Rivellino o grande culpado
pela perda do título estadual, e tamanha cobrança tornou inviável a permanência
dele no time. O que poucos sabiam Rivellino revelou tempos depois:
“Deus sabe tudo o que fiz e quanto eu queria
ganhar aquele título, quanto eu queria ser campeão com a camisa do
Corinthians...Pouca gente sabe que saí do Estádio do Morumbi a pé e fui andando
pelas ruas até meu apartamento. As pessoas olhavam, mas não acreditavam que era
eu mesmo. Saí com cabeça erguida. Tinha perdido um título, muitos outros
poderiam vir, mas ninguém iria me tirar o orgulho de ter vestido a camisa
branca do Corinthians”
Rivellino acabou negociado com o Fluminense, do Rio de
Janeiro. Os 50 mil torcedores que fizeram questão de ir ao Maracanã, no dia 8
de fevereiro de 1975, foram um reflexo da expectativa que cercava sua estreia.
Era um sábado de carnaval, e o confronto não passava de um amistoso contra o
ex-clube. Mostrando uma disposição incrível, Rivellino tomou conta do jogo,
fazendo belos lançamentos e, mais do que isso, marcando três gols, dois deles
ainda no primeiro tempo. Quando as duas equipes voltaram a se encontrar pouco
depois, o ex-corintiano mais uma vez foi hostilizado pela torcida. Mais uma vez
a resposta veio em campo. Com um gol do camisa 10, o Fluminense venceu de
virada por 2 a 1.
Por mais que os torcedores enxergassem aquelas vitórias
como vingança, não era disso que se tratava. O jogador, capaz de dribles cruéis
e chutes espantosos, seguiu sua trajetória e levou o Fluminense ao bicampeonato
estadual em 1975 e 1976. Na “máquina tricolor”, como ficou conhecido aquele
time, continuou mexendo com a emoção dos torcedores por um longo período. Era
agora chamado de dono da patada atômica e não tinha nada a provar, sendo
capaz de lançamentos precisos e muito mais.
Certo dia, quando ainda nem jogava no time principal do
Corinthians, viu Sérgio Echigo, um companheiro de clube, descendente de
japoneses, dar um drible curto que alterava rapidamente a trajetória da bola.
Demorou um pouco até entender o que tinha visto, mas gostou tanto do movimento
que o aprimorou e o incluiu em seu repertório. Não foram poucas as vezes em que
os adversários, no afã de pará-lo, se viram desconcertados pelo drible,
eternizado como elástico. Consistia
em levar a bola para um lado com a parte de fora do pé e depois,
repentinamente, trazê-la de volta, quando os olhos já custavam a acreditar que
isso seria possível. Mesmo quando deixou de ser uma novidade, a sensibilidade
de saber a hora exata de aplicá-lo não permitiu que se transformasse em um
truque comum.
A velha herança do talento forjado nos espaços exíguos do
futebol de salão acompanhou Rivellino em todos os cantos, e não foram poucos.
No início da década de 1980, após aceitar um convite para jogar na Arábia
Saudita, venceria a Copa do Rei e seria bicampeão do torneio local. Ao retornar
ao Brasil, ensaiou defender o São Paulo, mas, como tinha o passe preso ao clube
saudita, não pôde levar o propósito adiante. A história com a seleção havia
terminado três anos antes, no Mundial da Argentina, em 1978.
Rivellino, aos 32 anos, demonstrou nos gramados sentir
falta dos companheiros de sua geração. Contundido, jogou apenas três partidas;
a última delas, uma vitória contra a Itália que daria o terceiro lugar ao
Brasil. Despediu-se invicto do torneio e só não foi além porque os argentinos,
donos da casa, tiveram a trajetória facilitada pelos peruanos, vítimas de uma
goleada histórica por 6 a 0, placar exato para eliminar o Brasil da disputa
pelo título:
“Quando saí do
vestiário, depois do jogo diante da Itália, não falei nada com ninguém, estava
emocionado, decidido. Na seleção não jogaria mais. Saí andando pelo corredor em
direção ao ônibus e nem vi se havia pessoas na minha frente, eu só queria sair
dali. Foram os cem metros mais longos e mais tristes da minha vida. No meio do
caminho chorei, um misto de dever cumprido com o orgulho ferido de estar saindo
de uma Copa sem ter apresentado o que pensava”.
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