24 de
janeiro é uma data triste para o futebol brasileiro, mas em 2013 foi o "pontapé" para um ano repleto de
comemorações para um homem, ou melhor, uma verdadeira lenda do futebol mundial. Agora, em 2014, portanto há 10 anos, Leônidas da Silva, o Diamante Negro, o primeiro “Pelé” de nosso
país, o homem que revelou ao mundo a magia do nosso futebol, a partir da Copa
do Mundo de 1938, nos deixava quando tinha 90 anos.
A comemoração de 2013 tinha razão especial. Era o ano do centenário de Leônidas da Silva. Agora, em 2014, nos 10 anos da morte do Diamante Negro, Literatura na Arquibancada resgata
abaixo alguns artigos, publicados por aqui mesmo e ainda o documentário que
imortaliza o Diamante Negro, exibido pela TV Cultura de São Paulo.
O apelido,
Diamante Negro, surgiu da primeira grande sacada de marketing (praticamente
inexistente na época) de uma empresa nacional.
Logo após o
lançamento da biografia do craque Leônidas (Diamante Eterno, Gryphus, 1999), o
respeitado jornalista da cidade de Campinas, interior de São Paulo, Antonio
Carlos Fernandes, escreveu para o extinto jornal Gazeta Mercantil (Caderno de
Cultura) um artigo sensacional mostrando o surgimento desta marca consumida até
hoje.
O Diamante Negro é a
segunda marca de tabletes, com 8,2% de participação de mercado (dados de 2010),
e também a marca de chocolate ao leite mais consumida do mercado.
Descobriu-se,
então, muito tempo atrás, como os craques do nosso futebol poderiam virar
“fenômenos” de vendas...
Diamante
Negro:
O craque que não para de vender chocolate
O craque que não para de vender chocolate
Por Antonio
Carlos Fernandes
Leônidas da
Silva, craque que se notabilizou no futebol brasileiro nos anos 30 e 40 pela
capacidade de fazer gols e por ter inventado uma das jogadas mais espetaculares
do esporte, a bicicleta, não sai de cena. Diamante Negro, como ficou conhecido
nos gramados, segue viagem brilhante na indústria de alimentos como marca de um
dos chocolates mais vendidos no Brasil. Diamante Negro, o chocolate lançado em
1938 e que ilustra gôndolas de supermercados e padarias, vende hoje (1998)
cerca de 20 mil toneladas por ano. Diamante Negro, o craque, que jogou duas
Copas do Mundo e marcou a profissionalização do futebol no país.
Trabalhar a
imagem de Leônidas da Silva, quando o profissionalismo no esporte bretão ainda
engatinhava por aqui, seria um doce na mão de criança nestes tempos de
Ronaldos. Literalmente.
Com a fama
conquistada nos gramados, engrandecida pela invenção da bicicleta, Leônidas
negociou seu apelido com a Lacta por quase nada se compararmos com as cifras
que o mercado do esporte move atualmente.
As toneladas
de chocolate que o mercado consome hoje representam 1 bilhão de tabletes por
ano nas embalagens de 20 gramas, a primeira versão do Diamante Negro que
desapareceu em meados dos anos 80 - atualmente a embalagem mais vendida é de 30
gramas. Leônidas não tinha ideia das dimensões da empreitada – leia-se direitos
pelo uso da marca. Ganhou o “bicho” pelo gol e viu desaparecer sua participação
nessa história.
Para o
futebol, ao se falar de Leônidas, recupera-se a história da profissionalização
do esporte no Brasil, de curso acidentado nos anos 30 e 40. O jogador é um
divisor de tempos nos negócios do esporte, cercado na cronologia pelos craques
Friedenreich e Edson Arantes do Nascimento, o Pelé.
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Leônidas (esquerda), Friedenreich e Pelé. |
Friedenreich viveu a fase branca do futebol brasileiro,
quando o esporte era dominado pela elite, sob influência dos ingleses que
chegaram ao País com as primeiras bolas no início do século. Nesse período, em
que negros e mulatos não tinham vez nos campos, Fried, filho de alemão com
negra, foi o jogador mais notável. Pelé, tricampeão do mundo, que mostrou a
cara e o talento em 1958, foi o primeiro exemplo de atuação gloriosa de um
futebolista também fora das quatro linhas. Não que tenha abocanhado os milhões
de dólares que os craques de hoje, como Ronaldo, da Inter de Milão, e Rivaldo,
do Barcelona, abocanham. Mas fez fortuna. Principalmente depois de contratado
pelo Cosmos, dos Estados Unidos, nos anos 70, já no final de carreira, para
tentar vencer a resistência norte-americana ao futebol.
Se o chocolate da fábrica Lacta, do bairro do Brooklin,
em São Paulo (atualmente a Lacta tem sede em Curitiba, Paraná), tivesse caído
nas mãos dos craques atuais - melhor, nas mãos dos empresários dos jogadores,
personagens quase que inexistentes na primeira metade do século passado -, a
fábrica teria que rebolar na produção e estratégias de marketing para
justificar o investimento pesado no garoto propaganda.
Mas nos anos 30, quando o principal meio de comunicação
era o rádio movido a carvão, a história era outra. Não só do futebol como da
indústria brasileira. Leônidas da Silva, por exemplo, que despontou no Rio de
Janeiro no time do Bonsucesso, em 1931, aos 17 anos - os times maiores, como
Flamengo, Fluminense e Botafogo só admitiam brancos nas equipes -, durante
algum tempo teve o hábito de percorrer a arquibancada antes dos jogos para
leiloar seus gols entre os torcedores, todos muito bem arrumados e acompanhados
por moçoilas protegidas por sombrinhas. A vaquinha improvisada era a única
forma de engordar o orçamento e dar consistência à vida boêmia carioca. Imaginem
Romário ou Edmundo em atitude semelhante no Maracanã.
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Antiga fábrica da Lacta (à esq), no bairro do Brooklin, em SP. |
E a indústria brasileira, guardadas as devidas proporções, não era muito diferente naquele início de século do bairro do Brooklin, em São Paulo, em São Paulo.
Em 1912,
quando surgiu em São Paulo a fábrica de chocolates Lacta, a primeira
especializada em chocolates finos a se instalar no País, o Brasil apostava
todas suas fichas na borracha dos seringais nativos da Amazônia. O País
exportou 42 mil toneladas de borracha, o equivalente a 40% da exportação
brasileira, alegria que logo depois virou lamúria no momento em que os ingleses
encheram os bolsos com os seringais plantados no Oriente.
Naquele
1912, em que o sucesso carnavalesco ficou por conta do frevo “Vassourinha”, a
Lacta era fundada por um grupo liderado pelo cônsul suíço Achilles Izella, que
criou a Societè Anonyme de Chocolats
Suisses. A empresa se propunha a dar aos brasileiros produtos com a mesma
qualidade dos importados. Em 1916, a Zanotta, Lorenzi & Cia, a mais
conhecida importadora de chocolates franceses do País, assumiu o controle da
Lacta para iniciar o processo de expansão.
Enquanto a
Lacta crescia, o futebol se transformava em entretenimento de massa e Leônidas
da Silva, que ganhara o apelido de Diamante Negro em gramados franceses na Copa
de 1938, passou a conquistar fama sem precedentes no País. Leônidas cairia de
vez nas graças da torcida depois da Copa, na França, quando orquestrou a equipe
brasileira na conquista do terceiro lugar, fato surpreendente para um país que
até pouco tempo assistia o futebol pelo buraco da fechadura.
Naquela Copa
do Mundo, Leônidas foi o artilheiro da competição com sete gols e seu empenho
chegou ao insólito quando fez um gol descalço no jogo contra a Polônia, o
último na vitória por 6 a 5, depois de perder a chuteira esquerda no campo
encharcado. No meio de uma confusão na área cheia de lama, o juiz não percebeu
que o jogador estava descalço e validou o gol. Foi a glória. O Diamante Negro
chegou ao Brasil com a bola toda.
Pouco antes
da Copa, em 1937, a importadora Zanotta, Lorenzi & Cia vendera a Lacta para
o Grupo Chateaubriand, que reformulou o enfoque mercadológico da empresa e deu
novo rumo para sua linha de produtos. Nessa virada, nasceram aqueles que seriam
as estrelas entre as guloseimas da época: um chocolate em forma de bola,
embalado em papel celofane vermelho, batizado de Sonho de Valsa, e outro
tablete recheado com castanha de caju, chamado apenas de Chocolate Lacta.
Seduzidos
pela popularidade do futebol no Brasil, cujos clubes mais populares estufavam
os ainda acanhados estádios, os executivos da Lacta deram tratos à bola e
buscaram em Leônidas da Silva a inspiração para dar nome ao chocolate com
castanha de caju: Diamante Negro.
Apresentado
em embalagem de cor negra com o símbolo estilizado de um diamante, o chocolate
tinha uma receita que se mostrou imbatível com o passar do tempo, como descreve
a assessoria de imprensa da Lacta: açúcar, glucose e mel cozidos e misturados
com castanha de caju, massa que é adicionada ao chocolate ao leite e triturada
em cilindro. Pronto. Quando o Grupo Chateaubriand introduziu nessa história a
figura de Leônidas da Silva, estava completa a fórmula do sucesso.
O jornalista
André Ribeiro, autor da biografia de Leônidas da Silva, “O Diamante Eterno”, da
Editora Gryphus (e Diamante Negro, da Cia dos Livros), comenta que o jogador se
tornaria então o primeiro a trabalhar como “garoto propaganda” remunerado,
mesmo que de forma quase que simbólica. Antes dele, segundo Ribeiro, só
Friedenreich fizera propaganda dos refrigerantes Antarctica, o que não merece
comparação com Leônidas, uma vez que aquele que foi o primeiro ídolo do futebol
brasileiro era ao mesmo tempo funcionário da empresa.
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Leônidas e Friedenreich. |
O jogador
chegou a participar de propagandas do chocolate em rádios e jornais, a convite
do fabricante. Em troca, recebera “um punhado” de dinheiro dos donos da Lacta,
segundo o jornalista Ary Silva, amigo de Leônidas, que o acompanhara no
encontro na fábrica paulistana. Silva teria visto ainda o jogador assinar
contrato de participação nas vendas do chocolate Diamante Negro, como relatado
em “O Diamante Eterno”.
O “punhado”
de dinheiro entregue ao jogador, de acordo com Albertina Santos, atual mulher
de Leônidas, foi o equivalente a três contos de réis, pouco mais de R$ 3 mil, o
equivalente ao triplo do seu salário. E do contrato de participação nas vendas
do chocolate ninguém tem notícia. Albertina prefere não polemizar sobre a
questão dos direitos do uso do nome, diz que Leônidas sempre preferiu pôr panos
quentes na história, que recebera o que pedira, e ponto final.
Pelo menos o
jogador recebeu algum dinheiro pela divulgação do chocolate. No período
pós-copa de 38, como Ribeiro conta em seu livro, o empresário Manoel de Brito
pediu a Leônidas que assinasse uma declaração colocando nas nuvens a goiabada
marca Peixe. O anúncio, em um quarto de página, foi publicado em todos os
jornais. O pagamento foi feito em espécie: uma caixa de goiabada.
Como
Leônidas seria capaz de vender qualquer coisa endossada pelo seu apelido, como
garantia Mário Filho em “O Negro no Futebol Brasileiro”, os convites para
propaganda pareciam não ter fim. Diamante Negro era a marca da vez. Mesmo o
nome Leônidas, não tão popular quanto o apelido, empurrava qualquer negócio. O
craque, acompanhado do secretário José Maria Scassa, o primeiro empresário de
jogador de futebol que se tem notícia, foi assim parar na cidade de Jundiaí
para assinar contrato para o lançamento de um produto que deixariam os atuais
profissionais de marketing esportivo arrepiados: cigarro. Por 15 contos, o
jogador fechou acordo com a Companhia Sudan - maior fabricante de cigarros do
Brasil na época -, que lançou no mercado os cigarros Leônidas. Nada mais
politicamente incorreto.
Mas naquela
época tabaco era símbolo de status até para atletas.
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Leônidas e o presidente Getúlio Vargas. |
Em 1939, quando jogava pelo Flamengo, a Companhia de Cigarros Magnólia fez um concurso para saber quem era o jogador mais popular do Rio de Janeiro. Leônidas ficou dias no Café Rio Branco recebendo torcedores que lhe entregavam maços de cigarro. Cada maço valia um voto. Foram mais de 300 mil maços de cigarro. Era o auge da fama e o jogador passava a competir em popularidade com Getúlio Vargas, “o pai dos pobres”, e Orlando Silva, “o cantor das multidões”.
Depois de
jogar pelo Peñarol, do Uruguai, Vasco, Botafogo, Flamengo e seleção brasileira
nos anos 30, após a Copa de 38, na França, Leônidas renovou contrato com o
Flamengo a peso de ouro: 50 contos (R$ 53 mil) por um ano. O jornalista André
Ribeiro avalia na biografia de Leônidas que o jogador mais famoso do Brasil
poderia ganhar mais dinheiro na renovação se tivesse mais paciência. Mas estava
rico o suficiente em 1939 para comprar por 3 contos um carro zero. Ele e Heleno
de Freitas eram então os dois únicos jogadores do futebol brasileiro a ter este
que se tornaria o eterno objeto de desejo dos futebolistas.
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Leônidas carregado pela multidão na chegada a SP. |
A Lacta seguia seu caminho de sucesso e tinha como carro-chefe o chocolate Diamante Negro, quando, em 1941, passou a ser controlada pela família Adhemar de Barros. Naquele ano, o Brasil vivia o quarto aniversário do Estado Novo e a Rádio Nacional lançava a primeira radionovela do País: “O Direito de Nascer”. No ano seguinte, Leônidas deixaria definitivamente o Rio de Janeiro ao ser comprado pelo São Paulo por 200 contos de réis, uma fortuna para um país em que um quilo de carne custava 1.500 réis, como Ribeiro compara em seu livro.
Leônidas
jogou no São Paulo até 1949, período em que conquistou praticamente todos os
títulos possíveis. Depois tornou-se comentarista de rádio e tevê. Nos anos 50,
com o mercado de chocolates vivendo expansão sem precedentes no Brasil, a Lacta
expandiu seu parque industrial em São Paulo e consolidou a liderança no setor.
Leônidas
continuou a trabalhar como comentarista esportivo até a Copa de 74, quando se
aposentou, forçado pelo mal de Alzheimer, que passou a se manifestar com
intensidade. Em 1996, a Philip Morris, que já detinha 40% do capital da Lacta
através da Jacobs Suchard, assumiu o controle da empresa (hoje, 2013, é a Kraft
Foods quem controla a empresa).
Assim como
Pelé deixou sua marca com o soco no ar para comemorar os gols, Leônidas fez da
bicicleta o símbolo da habilidade do jogador brasileiro.
Sobre Antonio Carlos Fernandes:
Cacalo
Fernandes mora em Campinas, interior de São Paulo e já atuou na área de
esportes nos jornais Lance, O Estado de S. Paulo, Correio
Popular, Diário do Povo e revistas Cruzadas Esportivas e
Interesportes. Na área esportiva, Cacalo Fernandes é autor do livro de
crônicas A Bola é uma História, que reúne histórias publicadas nos
jornais Correio Popular e O Estado de S.Paulo.
Abaixo, alguns artigos publicados pelo Literatura na
Arquibancada sobre o Diamante Negro:
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Arte: Zuca Sardan |
- 100 anos do Diamante Negro no “Deixa Falar: o megafone
do esporte”, artigo assinado pelo mestre Sebastião Witter.
- O resgate do histórico jogo entre Brasil e Polônia, na
Copa do Mundo de 1938 e que teve Leônidas da Silva como principal personagem.
- A estreia de Leônidas da Silva no São Paulo Futebol
Clube. Um dia histórico para o futebol brasileiro.
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Albertina e Leônidas |
- A linda história de amor de Leônidas da Silva e
Albertina, esposa e fiel companheira do Diamante Negro.
- E, finalmente, o documentário exibido pela TV Cultura, "Diamante
Negro - O homem que venceu o tempo", que você pode acessar nos links
abaixo. Apenas como observação, infelizmente, logo no início do programa (os 30”
iniciais), o belíssimo texto interpretado pelo ator Milton Gonçalves, não é
reproduzido:
https://www.youtube.com/watch?v=bxcfrtI3vIk
( parte 3)
https://www.youtube.com/watch?v=6Nibf_8PhL0
(parte final)
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