4
de dezembro. Terça-feira “gorda” ou terça-feira "marighellista"! A
definição é do jornalista e escritor Mário Magalhães, autor da espetacular
biografia sobre o guerrilheiro Carlos Marighella. “Marighella – O guerrilheiro que
incendiou o mundo” (Companhia das Letras) levou 10 anos para ser concluído, uma
pesquisa de fôlego, um trabalho magnífico feito por quem trata informação e
estética literária com respeito e qualidade. Um livro que, certamente, deve
faturar diversas premiações literárias pelo país.
E
por que hoje, dia 4, é a terça-feira “marighellista”? Porque hoje também é dia
do lançamento nacional do CD "Abraçaço", de Caetano Veloso, com a
música "Um comunista", dedicada a Marighella. Porque, em São Paulo,
Isa Grinspum Ferraz também lança em DVD o filme "Marighella". Porque, em Salvador, terra do
biografado, Mário Magalhães está lançando sua biografia "Marighella"
(a partir das 19h, na Livraria Cultura do Salvador Shopping).
Mas a razão
maior deste post é que 4 de dezembro é, sobretudo, véspera de aniversário dos
101 anos do nascimento de Marighella. Mário Magalhães, jornalista esportivo de
primeira – autor de um dos livros mais sensacionais da literatura esportiva, “Viagem
ao país do futebol” – não poderia deixar de fora da vida de seu biografado
histórias ligadas ao futebol. E elas existiram. Mário descobriu que o
guerrilheiro Marighella montou um time de futebol quando esteve preso na ilha
de Fernando de Noronha.
E no capítulo batizado com o apelido do “boleiro” Marighella,
Mário Magalhães nos revela quem era o “Bicão Siderúgico”. Um aperitivo desta
obra imperdível...
Bicão Siderúrgico
Por Mário
Magalhães
Revolucionários sem fortuna não eram passageiros
estranhos ao Almirante Alexandrino. O
navio conduzia-os entre portos nacionais e levava alguns para a Europa. Em
1936, o governo Getúlio Vargas expulsara duas dezenas de estrangeiros do
Brazkor, organização político-assistencial da comunidade judaica vinculada aos
comunistas. Acusou-os de perigosos à ordem pública e de nocivos ao país. Os
romenos Waldemar Roitberg e Moises Lipes atravessaram o oceano na embarcação.
Roitberg graduou-se capitão das Brigadas Internacionais na Espanha e, de acordo
com o camarada Apolônio de Carvalho, foi fuzilado em Paris quando combatia pela
Resistência francesa. É possível que Lipes tenha lutado contra os franquistas,
mas os voluntários brasileiros não tiveram certeza do seu destino.
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Presos em Noronha |
O de Marighella foi uma ilha do Atlântico na qual
desterrados eram comuns à paisagem como os as coreografias dos golfinhos. No
século XVIII, tinham sido enviados para Fernando de Noronha os ciganos que as
autoridades perseguiam por vadiagem. No século XIX, desembarcaram os conjurados
alfaiates da Bahia, capoeiristas reprimidos como desordeiros e o líder
farroupilha Bento Gonçalves. Os criminosos Pirão
Escaldado, Cão do Mercado, Caveira, Tripa Oca e Pé de Cabra haviam pontificado
nas primeiras décadas do século XX. O jornalista Amorim Netto a visitara em
1931 e a pintara com tintas trágicas: “Ilha do sofrimento, da dor e da expiação”.
Não era sua vocação – ao dar com ela no século XVI, depois de batizar a baía de
Todos os Santos, Américo Vespúcio tinha suspirado: “O paraíso é aqui”. O
naturalista inglês Charles Darwin o conhecera e fizera coletas botânicas em
1832. O arquipélago – 21 ilhas, ilhotas e lajedos – de origem vulcânica e a
ilha maior receberam o nome do seu donatário, um fidalgo português. Holandeses
e franceses o ocuparam antes da restauração do domínio lusitano.
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Presos em Noronha |
Quem mandava lá em 1940 era um veterano da Coluna
Prestes, o coronel gaúcho Nestor Veríssimo da Fonseca. No ano anterior, seu
sobrinho Erico Veríssimo lançara Saga,
romance ambientado na Guerra Civil Espanhola. O escritor se inspiraria no tio
para compor um personagem da trilogia O
tempo e o vento: o major Toríbio, irmão do dr. Rodrigo Cambará, que se
junta à Coluna Invicta. Para Erico, Nestor era “vigoroso como um touro”, tinha “um
tremendo apetite pela vida” e demonstrava “coragem cega”. O coronel Veríssimo
só abandonara a marcha de Prestes depois de colecionar incríveis 27 ferimentos.
Dirigia o presídio político, instalado em 1938, sob controle da União. Na sua
gestão, não se empregava os grilhões e gargalheiras esquecidos pela ilha – os castigos
físicos eram vergonha do passado. Os presos antifascistas já haviam feito um
acordo com o diretor quando o Almirante Alexandrino se aproximou dos 3 50’ ao sul do equador e 32 25’ a oeste
de Greenwich, embicou na enseada de Santo Antônio e uma balsa carregou os novos
hóspedes à terra firme: em troca do direito de administrar suas vidas e andar
livremente, comprometiam-se a não fugir.
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O presídio em Noronha |
Se tentassem, teriam chances reduzidas: Natal, a 360
quilômetros, e Recife, a 545, estavam longe demais para uma aventura a braçadas
ou em um barquinho improvisado. Arriscavam-se a ser degustados pelos tubarões
cuja gula apimentava os casos narrados pelos moradores permanentes da ilha.
Marighella viu poucos habitantes pelos quatro quilômetros percorridos a pé do
desembarque no nordeste de Fernando de Noronha até a Vila dos Remédios, onde se
fincava o prédio principal do presídio.
Sem considerar os minoritários presos comuns mantidos
para prestar serviços à administração, os condenados se apartavam em dois
grupos: por volta de noventa integralistas e 180 militantes de esquerda, quase
todos da extinta ANL, com hegemonia comunista. Não se misturavam:
camisas-verdes se acomodavam num prédio, aliancistas em outros – no alojamento
maior, em duas edificações médias também de alvenaria e em casas nas quais
cabia meia dúzia de pessoas. As casinhas se erguiam com pedras, cobriam-se de
palha de coco e tinham chão de terra. Em uma delas, Marighella dormia numa cama
patente, de espaldar alto de madeira e molas de arame sob o colchão.
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Marighella (abaixo, 2º da esq para dir) |
Um mutirão levantou mais duas construções: uma que servia
como dispensa e uma para sede do Grêmio Atlético Brasil, o clube desportivo que
os aliancistas fundaram. Eles aprimoraram a cancha de futebol já existente e
fizeram uma quadra de vôlei. Com a orientação do comunista Soveral Ferreira de
Souza, oficial do Exército da arma de engenharia, eliminaram declives e
introduziram um sistema de drenagem com a alternância de camadas de pedras
graúdas e pequenas sob a superfície de terra batida. Podia cair um dilúvio, mas
não alagava.
Marighella nunca fez chover no vôlei, esporte do gosto do
tenente José Guttman e do sargento Gregório Bezerra. Nenhum dos dois jogava
futebol, a modalidade que empolgava o companheiro civil. Ele brincava dizendo
que era bom de bola por ter se empanturrado de chocolate na infância. Enquanto
alguns peladeiros calçavam chuteiras, despachadas por parentes no continente,
Marighella atuava de pés descalços. Seus chutes impressionavam pela potência.
Batia de bico, e seu pé direito parecia moldado em ferro. Como dera uma
palestra sobre siderurgia, apelidaram-no de Bicão Siderúrgico. Todos o queriam
em seu time. Ele era beque, anglicismo para zagueiro. Exibia mais força que
técnica, embora não fosse um perna de pau no trato com a pelota ou a canela dos
adversários. Colega de prisão a partir de 1942, Noé Gertel o elogiaria como
beque “impenetrável” e o melhor futebolista ilhéu. Marighella perfilou na
equipe que derrotou a dos presos comuns, no único confronto entre elas. Para
evitar arranca-rabos com os integralistas, os rivais ideológicos se desafiaram
só uma vez, no vôlei. Os vermelhos bateram os verdes.
Sobre Mário
Magalhães:
Nasceu no Rio de Janeiro na primeira semana de
abril de 1964. Formou-se em jornalismo na Escola de Comunicação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). É jornalista desde 1986.
Trabalhou na "Tribuna da Imprensa", em "O Globo" e "O
Estado de S. Paulo" antes de ingressar na Folha, em 1991. Na Folha,
foi editor-assistente do "Folhateen", repórter, editor-assistente e
colunista de Esportes, repórter da Sucursal do Rio e repórter especial. Deixou
o jornal em 2003 para escrever a biografia do guerrilheiro Carlos Marighella
(1911-69), livro que será lançado pela Companhia das Letras em 2012. Voltou em
2006 como repórter especial, baseado no Rio. Entre prêmios e menções honrosas,
recebeu duas vezes o Prêmio Folha de Reportagem, duas vezes o Prêmio da
Sociedade Interamericana de Imprensa, o Grande Prêmio Esso de Jornalismo, o
Prêmio Lorenzo Natali (da União Européia), o Prêmio Vladimir Herzog, a Medalha
Chico Mendes de Direitos Humanos e o Prêmio Direitos Humanos-RS.
Vale a pena acessar o link abaixo:
Este blog é simplesmente maravilhoso...
ResponderExcluirUm abraço.