Ele
é um mestre da literatura brasileira. Mauro Rosso é professor, pesquisador,
ensaísta, escritor e autor de Lima Barreto versus Coelho Neto – Um Fla-Flu
Literário (Difel, 2010). Está sempre “antenado” nas reflexões propostas
pelo Literatura na Arquibancada. E lá de Petrópolis, onde mora, ele nos
escreveu mais uma vez respondendo a pergunta: Qual foi a primeira obra ficcional
da literatura brasileira a tratar sobre o tema futebol?
A
resposta de mestre Mauro Rosso é essa, com direito a trecho da obra histórica:
“Esfinge, publicado originalmente por Livraria
Chardon, Lelo & Irmão, editores, Porto, constitui efetivamente a primeira
obra ficcional brasileira a tratar do futebol — portanto, inaugurando,
formal e “oficialmente” a sempre presente [ainda que alguns não acreditem e
argumentem sobre uma (pseudo) carência: eu
sustento justamente o contrário...] “tabelinha” entre futebol e literatura
brasileira.
Coelho Neto, principal
literato brasileiro a se empenhar na difusão e propagação do futebol, no início
(como todos, aliás) via nele apenas uma nova diversão, uma espécie de “passatempo
de estrangeiros endinheirados...e excêntricos” — haja vista a descrição e cenarização que faz
do personagem inglês James Marian no romance Esfinge, publicado em 1908.
(...)
Os
hóspedes tratavam-se com intimidade, só o inglês do segundo andar, o apolíneo
James Varian, retraía-se a todo o convívio, sempre sorumbático, calado,
aparecendo raramente à mesa às horas das refeições, tomando-as só ou no quarto,
quando não as fazia no jardim, a uma pequena mesa de ferro, à sombra das
acácias, com champanhe a refrescar em um balde, ouvindo os passarinhos.
Aos
domingos, cedo, todo de branco, saía com a raquete para o tênis ou com a bolsa
em que levava a roupa para o foot-ball.
Era,
em verdade, um formoso mancebo, alto e forte, aprumado como uma coluna.
Mas
o que logo surpreendia, pelo contraste, nesse atleta magnífico, era o rosto de
feminina e suave beleza. A fronte límpida, serena e como florida de ouro pelos
anéis dos cabelos que por ela rolavam graciosamente, os olhos largos, de azul
fino e triste, o nariz direito, a boca pequena, vermelha, pescoço roliço e alvo
como um cipó, implantando a cabeça de Vênus sobre as espáduas robustíssimas de
Marte.
(...)
Uma
noite passeávamos na praia de Botafogo, Brandt e eu, quando o vimos passar em
carro aberto.
—
Lá vai o excêntrico — disse o músico atirando à rua a ponta do charuto.
Comentamos aquela vida misteriosa e eu referi o caso da noite, “a vertigem” e
Brandt, depois de ouvir-me em silêncio, disse:
—
Para mim é um doente d'alma. Queria que o visses à noite, quando toco. O homem
vem até à minha janela e ali fica horas e horas, ouvindo. Há certas músicas que
o irritam, não sei porque. Mal as começo, vai-se nervoso, resmungando. Outras
atraem-no como a Melodi-nocturne, de Meyer-Helmund, por exemplo — e não
me causará surpresa vê-lo, uma noite, entrar no chalé, ouvir e retirar-se sem
dizer palavra. Beethovem e Schumann exercem verdadeiro prestígio sobre ele. Se
queres convencer-te vem ao chalé e verás. E o mais interessante é que Miss
Fanny adora-o.
(...)
O
jantar, nesse dia, apesar da redobrada atividade de Miss Barkley, que não
descansou um segundo, aligeirando os criados, só foi servido às 7 horas, ao
fulgos desusado de todos os bicos de gás. Na sala, a que a mesa, mais estendida
e mais rica, dava solene aspecto, entre o brilho luminoso dos espelhos do
bofete e dos trinchantes, por vezes, ao lufar da aragem que agitava as palmas
das arécas e das lataneas, havia murmúrios leves de silvas.
Péricles,
desolado, lamentava achar-se desprevenido de chapas, senão perpetuaria em um
instantâneo a entrada de James.
—
E se cantássemos o God save the king!? — lembrou Décio. Mas Penalva
adiantou-se.
—
Nada de troças com esse homem. É terrível!
—
Quem? — perguntou Basílio em tom de desprezo.
—
Quem? James Varian. Conhecem o Felix Alvear? É um colosso.
Todos
concordaram.
—
Um monstro! — acrescentou Décio, arregalando os olhos.
—
Pois no domingo, depois do jogo, no Fluminense, só porque o Felix fez menção de
beijá-lo, chamando-lhe Miss, ele meteu-lhe as mãos ao peito e, como o outro
investisse, atirou-lhe um murro pondo-lhe a cara em sangue. O engraçado é
que depois teve uma síncope.
Maricas!...
achincalhou Basílio. É que não havia um que entendesse da coisa. Isso não vai a
muque. Calça-se o freguês ou manda-se-lhe a cabeça aos queixos. É um instante,
ele que se meta comigo.
Breve sinopse da
obra (livro disponível na Editora virtual Infinitum):
Esfinge, de
Coelho Neto, é um dos primeiros romances brasileiros de literatura fantástica e
traz elementos de ficção científica, esoterismo, simbolismo oriental e da
estética gótica, em contraste com o típico cenário boêmio da cidade do Rio de
Janeiro do começo do século XX, povoado por personagens das mais diversas
castas e estilos de vida. A história tem como pano de fundo o cotidiano da
pensão de Miss Barkley, habitada por músicos, intelectuais e estudantes. A
rotina é alterada com a chegada de James Marian, um hóspede inglês excêntrico e
recluso. Pouco se sabe sobre ele, porém sua presença causa espanto e admiração
de todos devido à sua aura de mistério e uma peculiaridade física ― ostenta o
mais belo rosto feminino apoiado sobre um esbelto corpo masculino, sendo
descrito como “a mais formosa cabeça de mulher sobre o tronco formidável de um
Hércules de circo.”
Sobre Mauro Rosso:
Mauro
Rosso é professor e pesquisador de literatura brasileira, ensaísta e escritor.
Palestrante e conferencista em universidades e entidades culturais. Escreve
textos, artigos e ensaios sobre literatura brasileira para revistas acadêmicas
e sites de literatura. Desenvolve projetos e programas de pesquisa literária
para entidades acadêmicas.
Sobre Coelho Neto,
acessar:
Nossa!
ResponderExcluirComo eu aprendo quando venho aqui...
Ontem tive uma alegria e uma tristeza.
Meu Mengo é Tri, mas perdemos o genial Nilton.
La vida es así! Qué hacer...
Beijo.
Tô na espera,,, rsrs