30 de outubro, dia de festa para um dos maiores camisas
10 da história do futebol mundial. Diego Armando Maradona completa 55 anos de
uma vida repleta de altos e baixos. Glória e fracasso. Vida e ressurreição...
Um legítimo dono da 10. Seres especiais, retratados no
livro A Magia da Camisa 10 (Verus Editora, 2006), de André Ribeiro e
Vladir Lemos. O capítulo abaixo, descreve essa “louca” vida de Maradona...
“O ano de 1986 foi a glória desse camisa 10 baixinho, o
momento alto de uma história carregada de predestinação, mas que no início pode
ter parecido apenas uma empolgação infantil.
Diego Armando Maradona nasceu em 30 de outubro de 1960 e
foi o quinto dos oito filhos do operário Diego e de dona Tota. Na infância
pobre, vivida em Villa Fiorito, subúrbio de Buenos Aires, Las Sete Canchitas
era o campinho que ficava próximo à sua casa. É nesse cenário que o garoto de
apenas nove anos começa a jogar pelo time de seu bairro, conhecido como La
Estrella Roja. Nessa fase da vida, Maradona era apenas o garoto humilde chamado
carinhosamente pelos amigos de Pelusa. Um deles, Goyo Carrizo, propôs ao amigo
craque que fizesse um teste no Cebolittas, equipe infantil do Argentino
Juniors. O único problema é que dom Diego, pai de Maradona, não tinha dinheiro
sequer para pagar o ônibus que levaria o filho ao treino. O jeito foi aceitar um
empréstimo do pai de Carrizo. O talento precoce, marcado pela habilidade para
chutar e driblar com a perna esquerda, facilitou sua aprovação no teste.
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Maradona, em 1973. |
No dia 20 de outubro de 1976, Maradona ganhou como
presente de aniversário antecipado a estreia pelo time profissional do Argentino
Juniors. Não houve gol nem jogadas geniais, mas, ao substituir um jogador de
meio-campo, mostrou que não poderia ficar de fora. Pelusa foi promovido e
ganhou novo apelido: El Pibe de Oro (O Garoto de Ouro). Quatro meses mais tarde
já estava em campo defendendo a seleção da Argentina na goleada por 5 a 1
contra a Hungria.
Os movimentos clássicos do futebol soavam simples nos pés
do pequeno jogador. A condição de artilheiro do campeonato metropolitano de
1978, quando marcou 22 gols, fez de Maradona o nome certo para a Copa que se
aproximava. Só quem não pensava assim era o técnico César Luis Menotti, que o
considerava inexperiente aos 17 anos. A Argentina ganhou o primeiro Mundial
disputado em seu país em meio a uma dolorosa ditadura.
No ano seguinte conquistaria o primeiro título importante
com a seleção ao vencer o Mundial Sub-20, disputado no Japão. O jogo contra a
então União Soviética terminou com o placar de 3 a 1, principalmente devido à
visão de jogo sem igual de Maradona, autor de um dos gols.
Com jogadas geniais, executadas por uma canhota
espetacular, Diego começava a despertar a paixão dos fanáticos torcedores
argentinos, especialmente os do Argentino Juniors, que o viram marcar 116 gols
e ser o artilheiro do Campeonato Argentino durante quatro anos consecutivos.
Suas atitudes dentro e fora de campo eram comparadas às de um rei que tomava
decisões de maneira passional. Maradona tinha o tamanho exato do craque
disfarçado. Escondeu todo o tempo sua maneira sublime de jogar bola em um
singelo metro e sessenta e seis.
Em novembro de 1980 foi aplaudido de pé após marcar
quatro gols na goleada por 5 a 3 em cima do Boca Juniors, seu clube do coração.
Com os olhos mareados, o craque confessou ao final da partida: “Estou
muito emocionado porque toda a minha família torce para o Boca Juniors”.
A confissão seduziu os dirigentes do clube de cores azul
e amarela, e três meses depois Maradona era comprado por 2,5 milhões de
dólares. Dava um passo decisivo em sua carreira profissional ao estreitar as
relações com o clube que mais amava. Revelou-se genial e logo na primeira
temporada conquistou o título argentino após marcar 28 gols nas 40 partidas em
que atuou com a camisa 10 do Boca.
Pouco antes do início da Copa da Espanha, Maradona
transformou-se no jogador mais caro do mundo quando foi comprado por oito
milhões de dólares pelo Barcelona. Na Copa, a derrota para a Bélgica, na estreia,
foi esquecida com uma goleada sobre a Hungria e uma vitória sobre El Salvador.
Mas na fase seguinte, depois de perder para a Itália, Maradona deixaria de
sonhar com um triunfo mundial ao cruzar com o futebol-arte da seleção
brasileira, de Zico, Falcão e Sócrates. O placar adverso de 3 a 1 revelou outra
face de Diego, tão verdadeira quanto sua genialidade. Emocionalmente abalado,
acabou expulso depois de agredir o volante brasileiro Batista em uma jogada sem
maior importância.
Ao vencer a Copa do Rei com o Barcelona, na temporada 1982/1983,
passou a ser cobiçado pelo futebol italiano. Maradona, em meio a essa boa fase,
assim como Zico, sofreu as dores de uma contusão séria. Ao enfrentar o Atlético
de Madrid, teve o joelho direito atingido por Goicoechea. A recuperação lenta
deixou-o de fora dos gramados até o final do ano.
Recuperado, em 1984 Maradona é comprado pelo Napoli, da
Itália, em uma transação milionária que gerou muitas suspeitas. Os 12 milhões
de dólares gastos pelo modesto time italiano começaram a retornar aos cofres do
clube logo no dia de sua apresentação aos torcedores. Não havia jogo nem
adversário em campo, e mesmo assim 60 mil torcedores pagaram para ver Maradona
aterrissar em um helicóptero no centro do gramado do Estádio San Paolo.
No México, terra em que Pelé viveu o apogeu, Diego escreveria
a mais bela página de sua história. A Copa do Mundo de 1986 seria dele, em
todos os sentidos. No dia 22 de junho, no instante em que Argentina e
Inglaterra entraram no gramado do Estádio Azteca para disputar as
quartas-de-final sob os olhos de quase 115 mil torcedores, o mundo sabia que
não se tratava apenas de um jogo de futebol. Havia dentro de cada jogador a
mágoa de um combate feroz. Os ingleses haviam vencido a guerra das Malvinas e
retomado as ilhas que a geografia deixava parecer muito mais argentina. Mas as
forças britânicas haviam cruzado o oceano para hastear em solo longínquo sua
bandeira. A vitória agora seria carregada de simbolismo. Bastou o árbitro
tunisiano Ali Bennaceur soprar o apito para Maradona roubar a cena do
espetáculo.
O primeiro tempo já havia atormentado as emoções dos
torcedores quando um longo lançamento partiu em direção à área britânica. O
baixinho Maradona não se intimidou diante do goleiro Shilton, armou a cabeçada
e, discretamente, tocou a bola com a mão para dentro do gol. A ousadia não foi
punida; ao contrário, premiada com a marcação do primeiro gol da partida. E
tinha mais... muito mais.
Três minutos depois, Maradona partiu do meio de campo
como quem dispara um tiro de misericórdia. Traçou uma linha imaginária,
pendendo para a lateral da cancha, e avançou sobre o território adversário. Não
foram poucos os que tentaram detê-lo. Um, dois, três, quatro, cinco
adversários. Um avanço que só terminou depois de driblar o mesmo goleiro
Shilton e entregar a bola, com uma força impiedosamente calculada, para o fundo
da rede. De nada adiantaria o gol de Lineker próximo do final do jogo. A
vitória por 2 a 1 alcançada, segundo Maradona, por “la mano de Dios” (a mão de
Deus), entrava para a história.
Na semifinal contra a Bélgica, o placar de 2 a 0 foi
construído com gols do camisa 10.
Na final contra a Alemanha, Maradona preferiu o enredo já
usado por outros craques e reservou-se a um papel que o privou de colocar a
bola na rede. Mas era sem volta. Burruchaga, ao marcar o gol do título, deu à
Argentina a Copa de Maradona.
Reconhecido como gênio, em 1987 El Pibe de Oro conquistou
ainda o Campeonato Italiano e a Copa da Itália. Dois anos mais tarde fez do
Napoli o vencedor da Copa da Uefa e em 1990 conquistou o segundo scudetto italiano.
A final da Copa de 1990, disputada na Itália, era um replay da realizada quatro anos antes.
Só que dessa vez os alemães não deixaram escapar o tricampeonato mundial.
Restou a Maradona disparar severas críticas contra os organizadores do Mundial.
O título da Supercopa da Itália, em 1991, precederia um
período negro na carreira vitoriosa de Maradona. As fotos ao lado de
integrantes da Camorra, a máfia italiana, e o envolvimento com o tráfico de
drogas e a prostituição indicavam os motivos da crise entre o camisa 10 e o
clube italiano, que o acusava de faltar aos treinos e fugir das concentrações.
A partida entre o Napoli e o Bari no dia 17 de março de
1991 foi a última do craque pela equipe. Afastado pela Federação Italiana, após
um exame antidoping com resultado positivo
devido ao uso de cocaína, recebeu da Fifa uma punição mundial de 15 meses. Foi
processado pelo clube, que exigiu o pagamento de 5,5 milhões de dólares pelo comprometimento da imagem da
instituição.
De volta a Buenos Aires, ainda em 1991, é autuado com um
grupo de amigos pela posse de meio quilo de cocaína. Paga 20 mil dólares para
ser solto. Processado, assume o vício e interna-se em uma clínica para
desintoxicação. Terminada a suspensão imposta pela Fifa, voltou à Espanha para
jogar com a camisa do Sevilha por 7,5 milhões de dólares. Repetindo a história de não
comparecer aos treinos, acabou mandado embora. A história repetiu-se logo na
seqüência, quando em 1993 passou a defender o argentino Newel’s Old Boys. Após
a marcação de um único gol, o presidente do clube argentino decidiu demiti-lo,
com base em avaliação médica que decretava “falta de condições psicológicas”
para continuar a jogar futebol.
E não era apenas falta de condições psicológicas.
Maradona também não tinha condição física para continuar a jogar. Incentivado
pelo presidente do país, Carlos Menem, e por Alfio Basile, técnico da seleção
da Argentina, Maradona protagonizou uma verdadeira luta para emagrecer,
livrar-se do vício e recuperar a forma. Conseguiu o que parecia impossível:
jogar o Mundial de 1994.
O Maradona que entrou em campo passou a sensação de que
era um homem capaz de enfrentar qualquer obstáculo, até mesmo o do tempo. Após
marcar o segundo gol da Argentina, na partida de estreia contra a Grécia, a 21ª
do menino de ouro em Mundiais, caminhou na direção de uma das câmeras que
transmitiam a Copa para quase 30 bilhões de telespectadores, para extravasar a
alegria. A face desfigurada no ritual de comemoração deixava transparecer um
jogador totalmente tomado pela emoção. O exame antidoping revelaria, horas mais tarde, que tamanha exaltação
poderia muito bem ter sido um dos efeitos do estimulante efedrina. Maradona
estava eliminado da Copa. Uma partida a mais o teria tornado o jogador com
maior número de jogos disputados em Copas do Mundo. Voltou para casa com nova
punição da Fifa, mais 15 meses.
Em 1995 retorna ao Boca Juniors, seu clube do coração,
mas continua sob a sombra dos problemas trazidos pelas drogas. Dois anos após o
retorno ao futebol argentino, foi pego em um exame antidoping, que acusou consumo de cocaína antes da partida em que o
Boca venceu por 4 a 2 o Argentino Juniors. Desesperado, sem conseguir escapar
do vício, declarou: “Estou cansado e entregue”. Fez a
última partida pelo clube argentino em outubro de 1997.
O maior craque da década de 1980 ainda voltou a campo em
10 de novembro de 2001, em uma partida realizada em Buenos Aires, para se
despedir de vez. Como sempre, foi ovacionado e cortejado pela torcida.
Mais do que tudo, Maradona foi um camisa 10 que continuou
se transformando mesmo depois de abandonar os gramados. Viveu boa parte dos
dramas reservados aos homens: drogas, problemas de coração, destemperos. Mas o
que o fez diferente de todos os outros foi sem dúvida sua maneira de encarar o
mundo. Existe no rosto de Maradona o riso do boa-praça e a figura austera de
quem descobriu que pode falar o que pensa, chocar e depois driblar o efeito.
Existe em Maradona um homem capaz de ressurgir, por mais que pareça derrotado.
Em 2004 sua figura era a de um homem devastado pelas drogas. Gordo, inchado,
foi internado quase morto em um hospital argentino. Multidões faziam vigília
orando pela vida do craque, tratado como autêntico deus, uma figura mítica no
imaginário do povo argentino. Recuperou-se após uma cirurgia para reduzir o
estômago, feita por um médico na Colômbia. Perdeu 40 dos 120 quilos que pesava.
A luta de Maradona pela vida sensibilizou o mundo: “Agora aproveito cada dia. A
glória não me deixava viver antes, e hoje
vivo a vida com ela ao meu lado”.
Maradona foi o único que ousou desrespeitar os cânones do
futebol. Se todos fizeram questão de tratar Pelé como algo único, Maradona
deu-se o direito de ousar achar que teria sido igual ao Rei, ou até mesmo
melhor que ele. Está lá, Che Guevara tatuado no braço de Dieguito; esta aí o
mais rebelde dos camisas 10”.
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