Paulo Vinicius Coelho ou simplesmente PVC é comentarista
dos canais ESPN e também colunista do jornal O Estado de S. Paulo para onde
levou recentemente sua famosa coluna “Prancheta do PVC”.
Pesquisador nato, PVC impressiona pelo conhecimento
estatístico que tem quando o assunto é futebol. Uma verdadeira enciclopédia.
Cobriu todas as Copas do Mundo de futebol, a partir de 1994. Tal conhecimento e
a curiosidade natural também levaram PVC ao mundo dos livros esportivos. É de
sua autoria Os 50 Maiores Jogos das Copas do Mundo (2006),
Futebol Passo a Passo: Técnica, Tática e Estratégia (2006), Bola
Fora: A História do Êxodo do Futebol Brasileiro (2009), Os
55 Maiores Jogos das Copas do Mundo (2010), Os 100 Melhores
Jogadores Brasileiros de Todos os Tempos (2010).
Mas o destaque do Literatura na Arquibancada é sobre
o seu primeiro livro, Jornalismo Esportivo, lançado em 2003 pela Editora Contexto.
Uma quase autobiografia profissional com excelentes dicas para aqueles que
pretendem abraçar a carreira do jornalismo esportivo. Entre os vários
capítulos, destacamos um que, certamente, desperta enorme curiosidade no público
leitor (e das rádios e TV) do esporte número um do país: a relação do repórter
com a chamada “fonte”.
Apresentação (da
editora)
“O que faz um jornalista decidir-se pela cobertura
esportiva? Na maior parte dos casos bem-sucedidos de profissionais que se
especializaram na área, a resposta está em tempos anteriores aos dos bancos
universitários ou do primeiro emprego: a infância. O jornalista esportivo é,
antes de tudo, um apaixonado pelos assuntos com os quais lida todos os dias.
Apaixonado desde pequeno. Talvez seja esse o maior diferencial em relação aos
colegas de outras editorias. Um diferencial saudável, mas também perigoso. Não se
deve imaginar, e esse tem sido um erro comum, que a paixão é suficiente para
construir um bom profissional. É preciso seguir os fundamentos do jornalismo –
afinco para buscar informações, isenção no trato com as fontes, discernimento
para julgar o que é de fato relevante, criatividade para encontrar novos
ângulos. É este o alerta que Paulo Vinicius Coelho faz neste livro, desde já
indispensável a quem pretende seguir o caminho do jornalismo esportivo.
O ingresso na editoria de esportes pode ser também uma
questão de oportunidade. A área costuma ser uma das principais portas de
entrada no mercado para os recém-formados, que agarram a chance como um
trampolim para as áreas mais “nobres” do jornalismo. Há quem se encante e
decida ficar. O jovem repórter deve estar ciente, no entanto, de que
especializar-se em esportes é um caminho árduo. Não é a carreira que, na média,
oferece melhor remuneração – o jornalista esportivo raramente alcança os
patamares dos colegas que cobrem política ou economia. O prestígio, igualmente,
não é dos maiores. A editoria é frequentemente tida como a menos nobre de um
jornal e costuma ser a primeira da fila na hora dos cortes e redução de
despesas.
Até mesmo o público costuma colocar em dúvida o esforço
daqueles que cobrem esportes, frequentemente tachados de “palpiteiros” –
afinal, todo brasileiro pensa que entende de esporte tanto ou mais do que o
sujeito que aparece na TV ou escreve no jornal. São dificuldades, no entanto,
que podem ser superadas com esforço e dedicação em busca de uma carreira
compensadora”.
A relação com a
fonte
Por Paulo Vinicius
Coelho (PVC)
“Não é fácil conviver com jogadores de futebol. O contato
mais fácil é sempre no centro de treinamento. Na saída do treino, há um
comportamento típico dos jogadores com as emissoras de TV. Solícitos, sorriem,
dão espaço, brincam diante das câmeras. Mas nem todos são assim. Alguns não
sorriem diante das câmeras e mantem a mesma atitude diante de qualquer
repórter.
Parte dos jogadores, que tem como principais exemplos os
atacantes Miller e Viola, “fecha o tempo” quando a entrevista é para a imprensa
escrita. Há alguns motivos para isso. Um deles é a área de atrito.
Frequentemente, quando uma declaração mais forte vira título de matéria, o
jogador tira o corpo fora. Não disse, não foi bem assim, não foi isso o que
queria insinuar.
Outras vezes, é a fome do furo que leva repórteres a
mudar um pouco o teor de uma entrevista. Não por má-fé. Uma simples palavrinha,
no entanto, pode alterar todo o significado de uma frase.
Não é raro ver jogadores indignados com alguma dose de razão.
Outros, nem tanto. No início do ano 2000, uma manchete malfeita pelo diário
Lance! Criou mal-estar entre o repórter Maurício Oliveira e o meia Zinho, na
época no Palmeiras. A matéria era perfeita. Dizia que Zinho estava ressentido
com a diretoria do clube, que não demonstrava muito interesse na renovação de
seu contrato. A manchete usava recurso pouco ético. Tirava as aspas e usava uma
frase em primeira pessoa: Palmeiras não me quer. Tecnicamente, não era Zinho
quem dizia aquilo. Mas nas bancas a sensação era que sim.
Dois anos antes, um problema semelhante envolveu o
goleiro Rogério Ceni. Em entrevista também ao Lance!, o goleiro declarava estar
no grupo dos melhores goleiros do país. Não dizia com todas as letras que era o
melhor, mas um deles. E a manchete, também sem as aspas: Eu sou o melhor.
Rogério Ceni, este sim, criou um grande problema com a direção do jornal. Ameaçou
processar o diário e só não o fez porque o diário cumpriu a promessa de
publicar uma carta de retratação no mesmo espaço dedicado à matéria do dia
anterior. O comprometimento nesse caso foi para o jornal. Mas também para o
repórter, que queimou o pequeno relacionamento que já havia conseguido manter
com sua fonte.
O relacionamento é sempre difícil. Às vezes, muito
difícil. Em 2001, a revista Placar publicou um box de uma matéria sobre a
Seleção Brasileira, alfinetando dois jornalistas do Jornal da Tarde a respeito
do relacionamento que manteriam com o ex-treinador nacional Wanderley
Luxemburgo. A insinuação era que a dupla publicaria matérias deliberadamente
convenientes para o treinador. O que não era verdade, mas poderia ser, dado o
relacionamento pessoal que se criou entre o treinador e os jornalistas de
diversos veículos de comunicação.
Em 1999 acompanhei como repórter o Palmeiras na disputa
do Mundial Interclubes, contra o Manchester United. Por três anos acompanhei o
trabalho do Palmeiras dirigido por Luiz Felipe Scolari. Na véspera do embarque,
fiz matéria com Felipão, assistindo a todos os gols marcados pelo Manchester
United na temporada anterior à classificação para a final do torneio.
Todo esse tempo, todo esse trabalho somado a uma semana
de convívio diário no Japão levou Felipão a terminar a permanência no país,
declarando amizade eterna ao repórter. Grande diferença em relação aos dias em
que o mesmo repórter passava esperando colegas que não davam a mínima cada vez
que era preciso fazer entrevista mais longa. E também uma enorme faca de dois
gumes.
Amizade pressupõe respeito ao trabalho alheio. Significa,
por exemplo, que Felipão jamais poderia reclamar de uma nota ou de um
comentário mais cruel sobre seu trabalho. De uma informação exclusiva que
eventualmente prejudicasse o andamento de sua equipe. Por outro lado, ele podia
interpretar que o respeito ao trabalho alheio incluiria certos benefícios que
os repórteres sem nenhuma ligação com o técnico não precisariam ter. O
relacionamento pessoal nunca foi adiante porque os destinos não se cruzaram.
Mas Felipão nunca perdeu a chance de apontar sua insatisfação com algum
comentário mais severo feito pelo comentarista de quem um dia foi amigo.
Amizade não combina com jornalismo. Por outro lado, ajuda
muito a conseguir informações de cocheira antes dos demais colegas. Duro é
separar as duas coisas. Muitos jornalistas não conseguem separar amizade de
relacionamento profissional. Não é raro ouvi-los elogiar jogadores por conta
apenas da amizade. Era o que se notava no relacionamento entre um comentarista
paulista e o jogador Dinho, do Grêmio, sempre elogiado quando jogava no São
Paulo. E quando ia a São Paulo já jogando pelo Grêmio. Também não era raro
ouvi-lo criticar o goleiro Ronaldo, com quem o comentarista não se dava: “Se
posso não elogiar, não elogio. E quando ele der uma chance para uma crítica, aí
eu desço o cacete mesmo. Se o cara não me respeita, não serei eu a respeitá-lo”,
admitia.
![]() |
Coletiva do técnico da seleção brasileira, Mano Menezes. |
Não tem nada a ver com jornalismo. Nada a ver com opinião
isenta. Mas isso acontece. E com frequência maior do que se imagina. É o dilema
a que chega o jornalista depois de certo tempo. Manter fontes boas, seguras e
confiáveis requer relacionamento intenso com a fonte. Exige ligações e
investimento constantes em conversas sobre diversos assuntos. Assim, uma
informação pipoca aqui, outra, acolá. O que permite à fonte imaginar que pode
levar alguma vantagem na história. Não pode. Especialmente em cenário tão
propício à retribuição de favor. Basta uma nota um pouco mais alta numa
avaliação de jogo de futebol e o jogador já estampará enorme sorriso, que
certamente não fará parte do repertório do leitor se ele um dia souber o que estava
por trás.
O melhor a fazer é trabalhar. Manter o contato com a
fonte sempre que houver oportunidade. Questionar, perguntar, indagar sobre o
que for possível. Tentar sempre conseguir informações em primeira mão. Mas
sempre deixando claro que não se trata de troca de favores. Que as vantagens
não serão oferecidas no relacionamento profissional. Que nunca uma notícia será
paga com um favor que use as páginas do jornal ou os microfones.
No dia em que usar procedimento diferente, o repórter
estará morto. No Rio de Janeiro, um grupo chamado trem da alegria acompanha
todas as viagens da Seleção Brasileira. Não trabalha na grande imprensa. Mas
participa das rodas dos dirigentes da CBF; bebe da fonte com viagens. Na maior
parte das vezes, nem recebem as boas informações. É o caminho natural da queda
vertiginosa de quem se esquece de que o segredo da profissão é o respeito a seu
maior compromisso: a isenção”.
Sobre Paulo Vinicius
Coelho:
Nasceu em São Paulo, no dia 30 de agosto de 1969. Decidiu
ser jornalista aos 14 e sempre pretendeu trabalhar com esportes. Começou a
carreira em 1987 no jornal Gazeta do ABC. Passou pelo Diário do Grande ABC
(1990), pela revista Ação, como estagiário (1991), pela revista Placar (1991 a
1997) e foi fundador do diário Lance!, no qual começou a trabalhar em agosto de
1997, três meses antes do lançamento em banca. No Lance!, foi repórter especial
e editor executivo antes de retornar a Placar em junho de 2000, quando já era
comentarista do canal ESPN Brasil. Passou um ano em Placar, voltou ao Lance! para
editar a revista Lance! A+ (setembro a dezembro 2001). Desde janeiro de 2002 vem
trabalhando como comentarista na ESPN Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário