Para o meu pai
Por André Ribeiro
"Dia dos Pais", mais uma entre tantas datas que só trazem o apelo
comercial do dia. Afinal, dia dos pais, dia das mães, deve ser “comemorado”
todos os dias, esteja ele ou ela, vivo ou não.
O meu pai não o tenho fisicamente há 20 anos, mas na alma e coração ele estará eternamente presente.
Por este espaço tratar-se de temas ligados ao esporte e, sobretudo ao
futebol, deixo registrado aqui uma lembrança que ainda me provoca sentimentos
antagônicos de alegria e tristeza. Quem, neste país do futebol, não foi e
continua sendo influenciado por alguém de sua família, principalmente pelo seu
pai, para escolher o time pelo qual torcer?
Papai era o que poderia se classificar de “corintiano
doente”. Em dia de jogo do Corinthians em que não pudesse ir ao estádio,
trancava-se no quarto com o radinho de pilha ligado na cabeceira da cama e,
deitado, sofria como um pobre coitado. Era fácil descobrir quando um gol fora
marcado porque em segundos ele abria a porta do quarto e saía correndo e
pulando pela casa gritando gol junto com o narrador do rádio. E não estou
falando de dia de clássico, podia ser um jogo contra o Juventus que a cena
seria a mesma.
Com ele, descobri também a paixão pelo futebol. Não do
futebol jogado nas ruas e campos de terra da periferia onde nasci na capital
paulistana, e que para isso não precisei de sua ajuda, mas o futebol
espetáculo, aquele das arquibancadas dos estádios.
Desde os meus 7 anos de
idade, descobri essa sensação maravilhosa que todo ser humano deve experimentar
um dia, apesar da violência que se instalou pelos estádios brasileiros. Ele
devia saber disso, claro, pois nunca foi ao estádio sem deixar de me levar
junto. Nessa época, deixamos a periferia para ir morar no bairro do Paraíso, na
zona sul paulistana. Para mim paraíso era estar bem perto do estadio do
Pacaembu, local onde o Corinthians sempre jogava.
Domingo sim, domingo não, e
as vezes, nas quartas-feiras a noite, lá estávamos nós, eu e ele, caminhando
pela Avenida Paulista, recém modernizada, em direção ao jogo. Isso mesmo, eu
disse caminhando, porque fazia parte do ritual dele, talvez por pura
superstição, ir e voltar a pé.
Também fazia parte dos seus rituais a estranha mania de
chegar ao estádio e se sentar nas arquibancadas de cimento gelado do Pacaembu,
exatamente na linha do meio de campo. Chegávamos normalmente com duas horas de
antecedência, porque naqueles tempos, final dos anos 1960 e início dos anos
1970, havia preliminares sensacionais, e mesmo assim, estivesse alguém sentado
onde ele queria, bastava para ir até o sujeito e pedir para “dar uma chegadinha
pra lá” porque ele queria estar exatamente na linha divisória do campo. Faz
tanto tempo, mas ainda agora consigo sentir o cheiro da grama, da pipoca que
passava pra lá e para cá nas mãos dos vendedores, do gosto doce de uns
“canudos” enrolados com creme que eram um horror, mas que naquele clima,
tornavam-se “mágicos”.
Papai morreu jovem, com apenas 62 anos de idade.
Não viu sequer o neto corintiano roxo que ele deixou no ano em que morreu,
1992. Mas pouco antes de sua morte, já com problemas no coração, e longe dos
estádios havia anos, decidi retribuir esses momentos maravilhosos de minha
infância. Ele nunca havia ido ao estádio do Morumbi, e eu já jornalista
esportivo, consegui convencê-lo a ir a um jogo. Desta vez, era eu quem tinha
que segurar suas mãos para que não se perdesse entre a massa de torcedores
enlouquecidos para entrar rapidamente, pois o jogo já iria começar. Suas mãos
tremiam feito às minhas muito tempo atrás.
Jamais esquecerei daquela fração de
segundos quando, finalmente, conseguimos ultrapassar a catraca que dava acesso
às arquibancadas. Sem o empurra empurra tradicional, ele parou seu corpo frágil
e magro, respirou fundo, caminhou alguns passos e parou quando viu a luz do sol
refletir no gramado do estádio. Seus olhos estavam cheio de lágrimas. Não
lembro se o Corinthians ganhou ou perdeu. Só agora me lembro que o mais fiel
dos torcedores não partiu sem antes ir ao estádio com o seu filho. Obrigado meu
pai, por tudo. E lá se vão 20 anos sem meu pai. Saudades de você, sempre.
Obs: texto publicado
aqui no LA no Dia de Finados, em 2/11/2011, agora revisto para o Dia dos Pais.
Parabéns pelo texto, André. Esse tipo de relato é muito emocionante e mostra que o futebol não é apenas um esporte. Ele serve também como ferramenta que une - e separa às vezes - as pessoas. Abraço. David Bonis
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