Mais um ano
sem o mestre Telê Santana, que nos deixou há seis anos. Neste dia 26 de julho
ele completaria 84 anos. Para quem quiser conhecer um pouco mais sobre a vida
do homem, técnico e ex-jogador, vale a leitura de sua biografia, "Fio de Esperança", lançada em
primeira edição no ano de 2000 (Ed. Gryphus) e mais recentemente, atualizada
pela Editora Cia dos Livros.
Apresentação
Por André
Ribeiro
Logo após a
conclusão de O Diamante Eterno – Biografia de Leônidas da Silva, meu
primeiro trabalho biográfico, fiquei imaginando quem poderia ser a próxima
personagem ou fato, entre tantas do futebol brasileiro, que deveria ter a
história contada.
Decidi que, se
fosse para investir em outra personagem, deveria ser um nome que não repetisse
o período pesquisado para resgatar a vida de Leônidas da Silva, décadas de 1930
a 1950. A razão era simples: meu interesse pessoal na descoberta de fatos e
personagens da nova fase do futebol brasileiro, denominada pelos especialistas de
a “fase da profissionalização” do esporte número um do Brasil.
O escolhido
foi Telê Santana. Isso porque sua vida profissional coincidia exatamente com
esse período. Se Leônidas da Silva, o Diamante Negro, reinou durante a era
“romântica”, Telê é o nome que pode nos ajudar a compreender melhor a evolução
do futebol entre os anos 1950 e 1990. Suas conquistas como jogador e mais tarde
como técnico podem dar ao leitor uma ideia geral do que aconteceu nos últimos cinquenta
anos do século 20 dentro do futebol mundial.
O resgate de
sua vida como jogador profissional, no início dos anos 1950, quando o futebol
carioca teve seu apogeu, deixa bem claro a principal mudança ocorrida em
relação aos tempos modernos. Telê jogou durante doze anos seguidos pelo mesmo
clube, coisa rara ou praticamente impossível nos últimos anos. Com o Fluminense
de Didi, Castilho e Pinheiro, viveu dias de glória dentro de um campo de
futebol.
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O primeiro título brasileiro pelo Atlético MG. |
Fora das
quatro linhas, passou à função de técnico profissional. Homem de personalidade
forte e marcante durante toda a carreira, sempre se revelou um apaixonado por
futebol. Seus atos e gestos nunca foram muito bem compreendidos e muito menos
aceitos nos bastidores do futebol, principalmente pelos jogadores, os
principais protagonistas desse espetáculo.
A obsessão
pela vitória foi sempre sua principal característica, embora isso não
significasse que ele queria vencer a qualquer custo. Ao contrário, foi quem
mais combateu o chamado futebol de resultados. Ficou famoso justamente na
derrota da seleção que comandou no Mundial de 1982. O futebol-arte, proclamado
por Telê e exibido por seu grupo de jogadores na Espanha, deu ao resto do mundo
a sensação de que aquele era o modelo que todos queriam ver, principalmente
numa Copa do Mundo. Pareceu que a derrota para os italianos não havia
acontecido. Tanto que Telê voltou a dirigir a seleção brasileira no Mundial
seguinte, fato inédito na história do futebol brasileiro.
Com as duas
derrotas consecutivas em Copas do Mundo, Telê passou a ser chamado de pé-frio, azarado. Os que conviveram com seus métodos, porém, sabiam que sua
obsessão pela perfeição um dia haveria de dar certo. Nos anos 1990, tornou-se o
técnico mais badalado do Brasil, com a conquista de dois títulos mundiais e
mais uma infindável coleção de torneios e competições nacionais e
internacionais.
Como um pai
que ensina os primeiros passos ao filho, Telê sempre foi paciente ao extremo
com jogadores de qualidade técnica inferior, mas dava o mesmo tratamento aos
que se achavam perfeitos ou craques. Não poderia haver distinção na hora das
cobranças por um passe certo ou na forma de se chutar corretamente uma bola.
Conceitos tão simples para muitos, para Telê eram ponto de partida para
qualquer trabalho.
Não foi à toa
que ganhou o apelido de “Mestre”, “Mestre Telê Santana”. Como um professor,
tinha a paciência de poucos no seu meio profissional. Por tudo isso, ganhou o
respeito da maioria dos críticos e, principalmente, dos torcedores do futebol
brasileiro e mundial.
Quando se afastou
dos gramados em 1996, ao sofrer uma isquemia cerebral, o futebol se ressentiu
das polêmicas e confusões provocadas por Telê Santana. Nunca árbitros e
dirigentes tiveram tanto sossego para administrar o futebol brasileiro.
Como Tele
mesmo sempre afirmou, ele nunca teve “rabo preso” para criticar quem quer que
fosse dentro do futebol. A luta pela qualidade, no período em que se manteve
afastado dos gramados, restringia-se à maneira de viver o dia a dia ao lado da
família, em Belo Horizonte, Minas Gerais.
Durante quase
um ano, mesmo com a saúde debilitada, o prazer de resgatar detalhes tão
distantes de sua vida pessoal e profissional ajudou Telê a reforçar a convicção
de que um dia ainda voltaria a comandar um time de futebol. O retorno aos
gramados era o único sonho que sustentava sua luta pela vida. Com garra e
tenacidade, Telê demonstrou que, dentro ou fora dos campos de futebol, sempre
haverá um “fio de esperança”.
Prefácio
Por Juca Kfouri
Qual Telê?
O Telê sério,
rabugento, quase intratável?
Ou o Telê,
alegre, piadista, pregador de peças?
O Telê leal,
solidário, afetuoso?
Ou o Telê
dissimulado, solitário, frio?
O Telê
ganhador ou o Telê perdedor?
O Telê
autoritário ou o Telê democrático?
Todos esses
Telê Santana estão nesta biografia, mais um belo trabalho do jornalista André
Ribeiro.
Posso dizer
que conheço bem Telê Santana.
Fomos
companheiros de trabalho no SBT por um bom tempo, além de eu tê-lo acompanhado
de perto tanto na Copa de 1982 quanto na de 1986, além das eliminatórias um ano
antes. De perto mesmo, marcação cerrada.
Apesar disso,
o livro me surpreendeu em diversos momentos.
E convivi com
todos os Telê acima citados, embora, na verdade, jamais o tenha visto como
perdedor. Muito ao contrário.
Telê sempre
foi um obstinado na defesa do futebol bonito e limpo e sua indignação com as
tantas coisas erradas em nosso futebol certamente há de ter contribuído para
seu estresse e para o acidente vascular cerebral que sofreu.
Mas vi um Telê
enclausurado na Copa de 1986, desconfiado de tudo e de todos, até de seus
melhores companheiros.
Vi um Telê
frio, principalmente quando São Paulo e Corinthians disputavam jogos
importantes, decisões de campeonato, como no Brasileiro de 1990.
O vi dissimulado,
quando, alta madrugada, tocou o telefone no quarto que dividíamos em Santiago,
horas depois da derrota da seleção brasileira de Evaristo de Macedo para o
Chile.
Ele atendeu e
conversou monossilabicamente com seu interlocutor, um pouco por ter sido
acordado, outro pouco, desconfiei, por não querer que eu soubesse com quem
falava e qual era o teor da conversa.
Tão logo
desligou, perguntei: “Era o Giulite, Telê?”
“Vira pro
outro lado e dorme”, respondeu.
“Ele te
convidou pra assumir a seleção, o SBT perdeu um comentarista?”, retruquei.
“Cala a boca e
me deixa dormir”, devolveu.
Só que não
dormiu, virava para lá e para cá, até o amanhecer.
Horas depois,
recebeu o convite e agiu exatamente como está no livro, com extrema lealdade.
A mesma que
inspirou o gesto solidário, e inesquecível, poucos meses depois, que o levou a
convencer a CBF que o jogo contra o Paraguai, pelas eliminatórias da Copa, no
Maracanã, deveria ser precedido por um minuto de silêncio em homenagem ao meu
pai, morto por uma bala assassina no dia anterior.
Na cabine do
SBT no estádio, ao ouvir o alto-falante anunciar a homenagem, quase morri eu,
tamanha a emoção.
Como, em
diversas ocasiões, na Espanha, em 1982, ou nas viagens que fizemos para
comentar jogos, quase morri de tanto rir com suas piadas e com as peças que
pregava em Jorge Kajuru, repórter do SBT e seu grande amigo, quase filho.
O Telê Santana
que fez Sócrates e Raí, na base da conversa, jogarem sob seu comando como
jamais jogaram nem antes nem depois, o mesmo Telê capaz de barrar Renato Gaúcho
e Leandro, na sua opinião o maior lateral-direito que viu jogar.
Um Telê de
carne e osso que aparece inteiro neste belo “Fio de Esperança”.
Orelha
Por Raul
Drewnick
Técnico de
futebol e juízes tem muito em comum: nervos de aço, ouvidos moucos, mães
vulneráveis. Sempre de plantão, a ira do torcedor, quando seu time perde, volta-se
quase invariavelmente contra esses dois personagens e não perdoa: um é burro, o
outro é ladrão.
Reconhecer que
um juiz apitou bem é uma heresia que o torcedor jamais cometerá. Para ele, os
homens do apito só estão em campo para prejudicar os astros do espetáculo: o
centroavante, o goleiro, o volante, o zagueiro central. Outro reconhecimento
que o fanático por futebol dificilmente está disposto a fazer é o do trabalho
do técnico. Para ele, não há dúvida: técnico perde jogo.
Uma exceção a
essa regra, talvez a mais expressiva, sempre foi Telê Santana. Jogadores,
jornalistas, comentaristas e torcedores, que costumam divergir em tudo desde
que o futebol é futebol, concordam nisto: Telê ganhava jogo. E, o que era muito
importante: ganhava bonito.
Alguns, é
verdade, ainda são capazes de dizer que ele perdeu a Copa de 1982 exatamente por
isto: por querer fazer a seleção jogar bonito. Esses mesmos, se perdêssemos
jogando na retranca, diriam que perdemos por violentar o estilo brasileiro, o
futebol-arte. Desse episódio, o que fica, objetivamente falando, é isto:
perdemos, mas nossa seleção é até hoje considerada a melhor daquela Copa. Quer
dizer: Telê foi tão grande, tão superior, que o seu martírio foi a sua glória.
André Ribeiro,
se fosse técnico, teria o estilo de Telê. Já no brilhante livro que escreveu
sobre Leônidas da Silva, ele mostrou isso. André reúne todos os ingredientes de
uma boa biografia – depoimentos, fatos, informações, documentos, histórias –, e
deixa cada um atuar com o que possui de mais significativo. O resultado só
podia ser este: o melhor que pode dar o jornalismo é o máximo que pode oferecer
a emoção.
Um gol de
placa, digno do Telê técnico e também do Telê jogador – esse homem que amou uma
bola de futebol como nenhum outro e recebeu dela um amor que só alguns, muito
poucos, mereceram.
Sobre André
Ribeiro
É jornalista,
pesquisador, produtor de televisão, desde 1978, quando ingressou na extinta TV
Tupi. De 1983 a 1988, trabalhou na TV Manchete. Foi produtor executivo na TV
Cultura de São Paulo durante treze anos. A partir de 1998, escreveu: Diamante Eterno – Biografia de Leônidas da
Silva (Editora Gryphus, 1998); Fio de Esperança – Biografia de Telê Santana (Editora Gryphus,
2000); A magia da camisa 10
(Verus Editora, 2006), publicado no Brasil, Portugal, Hungria, Polônia e Japão;
Uma ponte para o futuro (Editora
Gryphus, 2007); Os donos do espetáculo
– Histórias da imprensa esportiva do Brasil (Editora Terceiro Nome,
2007); Uma janela para a serra – A
história de Extrema, Portal de Minas (Prefeitura de Extrema, MG, 2008); Leopoldo – Os caminhos de Leopoldo Américo
Miguez de Mello para um Brasil maior (Editora Cenpes/Petrobras, 2010).
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