Ele partiu há quatro anos e a saudade continua
imensa. Luiz Mendes completaria no dia 9 de junho, 91 anos de uma vida
quase inteira dedicada ao jornalismo esportivo, principalmente, no rádio e na
televisão. Mas Luiz Mendes, apelidado de “o comentarista da palavra fácil”,
também escrevia muito bem. Durante décadas, após uma enorme experiência
profissional adquirida, os amigos e fãs lhe cobravam a feitura de um livro de
memórias. E, finalmente, em 1998, a editora Freitas Bastos, eternizou a vida
deste gaúcho que continua a nos encantar, não apenas pelo profissionalismo, mas
pela grande figura humana que era.
O impacto de sua morte em 27 de outubro de 2011 pode ser
vista nas centenas de páginas do site de pesquisas Google. A manifestação mais
impressionante foi a dos amigos de trabalho na Rádio Globo, transmitida ao vivo
pela internet.
Aqui, neste humilde espaço do Literatura na Arquibancada,
deixei minha homenagem ao mestre, não apenas logo após a sua morte, mas
resgatando sempre que possível histórias vividas por ele nessa longa trajetória
de vida. Vale a pena recordar algumas delas:
“Ele era assim...Luiz Mendes, o craque da palavra”
“Uma mesa de debates do barulho”
“Saldanha, o João Sem Medo” (crônica “Dois tiros no
escuro”)
“A estátua de Bellini que não é de Bellini”
Na obra deixada por Luiz Mendes, “7 mil horas de futebol”, três textos nos deixam uma visão quase completa do que ele representou para a história do jornalismo esportivo, e, principalmente, como vida de um homem extremamente generoso, com os amigos, família e companheiros de trabalho.
Prefácio
Por Armando
Nogueira
“Prefaciar um livro de Luiz Mendes sobre futebol é de certa maneira, avalizar uma declaração de amor. Trata-se de um profissional que dedicou sua vida a exaltar o esporte. O testemunho de Luiz Mendes é uma valiosa contribuição ao culto de uma das mais autênticas paixões populares do Brasil.
Surgi no futebol, ouvindo a voz de Luiz Mendes, a recriar
lances históricos, seja nos campeonatos domésticos, pelos quatro cantos do
Brasil, seja na seleção nacional. O tom emocionado de uma voz privilegiada fez
desse ilustre gaúcho uma das minhas mais ardentes admirações.
Devo a ele a
valorização de muito texto que escrevi na televisão. Especialmente no programa “Noite
de Gala”, na saudosa TV Rio dos anos dourados do Brasil.
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Mesa Redonda Facit |
O futebol, nossa mais lúdica religião, nos aproximou ao longo de tantos mundiais. Cobrimos juntos a Copa de 54, na Suíça, quando nos conhecemos pessoalmente. Durante anos, nossos domingos, vividos no caldeirão do Maracanã, culminavam sempre num estúdio de TV.
Participando da legendária “Mesa Redonda Facit”, que
Mendes comandava com a habilidade de um regente de orquestra. Mais que isso,
com a lucidez de um técnico de seleção. Afinal, ele conduzia, como safo
mediador, os vulcânicos debates entre Nelson Rodrigues, João Saldanha, José
Maria Scassa. Eu também pertencia à mesa, mas, ainda metido a britânico, sempre
procurava fugir do corpo-a-corpo em que se engalfinhavam, todo domingo, o
rubro-negro Scassa, Nelson, o tricolor, e o botafoguense Saldanha. Aquele
programa era uma fogueira de paixões cujas labaredas o Mendes apagava com a
água fria de sua sábia liderança.
Depois de passar meio século ouvindo Luiz Mendes, no
rádio e na TV, chegou a hora de desfrutar-lhe o talento jornalístico que
desponta no livro “7 mil horas de futebol”. É leitura de puro prazer para quem
ama, eternamente, o futebol brasileiro”.
Simplicidade talvez seja o maior adjetivo que Luiz Mendes tenha carregado ao longo de sua vida. Com certeza, por isso, colecionou tantos amigos. E logo na apresentação de seu livro de memórias, ele não poderia deixar de “reconhecer” e agradecer àqueles que realmente o convenceram e o ajudaram a transformar em livro sua trajetória de vida pessoal e profissional.
Reconhecimento
“A publicação deste livro se deve muito ao incentivo
moral e material de amigos das Faculdades de Comunicação Social. Meu curso de
jornalismo foi feito, na prática, sentindo o cheiro de tinta e ouvindo o
barulho dos velhos prelos dos jornais editados por meu pai, em várias cidades
do Sul, entre os quais o meu pequenino Alerta,
que o Presidente Vargas considerou “órgão da juventude brasileira”, para efeito
de registro no Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). No meu íntimo,
entretanto, sinto como se houvesse estudado em uma dessas faculdades, tais as
afinidades que tenho com seus alunos e professores.
Agora, os professores Fábio Iório e Paulo César Lepetri me estimularam a escrever e publicar este trabalho despretensioso, partindo do Diário da Copa de 94, que já estava pronto, porque fora escrito em uma agência distribuída pela Petrobras com o título “Sua Excelência o futebol”, no dia-a-dia da competição nos Estados Unidos. O jovem professor Paulo César Ramos, juntamente com o professor Raphael Iório Filho, foram encarregados de levar meu manuscrito ao computador, dando aspectos editoriais às minhas “7 mil horas de futebol”, finalmente formatado pelo professor Marcelo Fonseca.
Esses amigos atuaram como verdadeiras plataformas
lançadoras deste livro. Houve também uma espécie de cobrança dos colegas da
Comunicação Social da Light, Armando Correia, César Romero e Leonídio Barros,
que me perguntavam diariamente: “Quando você vai contar suas vivências
esportivas num livro?”. E eu lhes prometia que não morreria sem fazê-lo. A
esses amigos, agradeço do fundo do meu coração – que não é mais um coração bom,
mas que tudo faço para que seja um bom coração...”
No texto abaixo, Luiz Mendes demonstra que, além do enorme talento que o consagrou no rádio e TV, também sabia lidar muito bem com a palavra escrita.
Sua prosa é feita de poesia, puro amor pela vida, e em poucas
linhas podemos perceber o quanto viveu por estas terras.
Porta de entrada
“Tivesse eu que dar uma marcha a ré na vida, voltando ao
ponto de partida, afirmo que faria tudo quanto fiz, andaria pelos mesmos
caminhos e viveria tudo de novo.
Fui menino com os mesmos sonhos de todos os meninos. Meus pensamentos foram calcados na imensa imaginação das crianças: fui marinheiro, cruzei todos os mares; alcei voo nas asas de Santos Dumont; montei nos cavalos que galopavam nos verdes campos de minha terra natal; fui, como meu pai, advogado; desfrutei do conforto dos carros fabricados por Henri Ford; viajei com Júlio Verne – fui ao fundo do mar; dei a volta ao mundo em 80 dias; conheci a Lua e a imponderabilidade; andei descalço e pisei nos espinhos, nas rosetas das campinas; conheci o vento e o enfrentei como um Dom Quixote infantil; fiz dos vaga-lumes, estrelas ao meu alcance; atravessei riachos como se estivesse vadeando o Amazonas; tomei parte nos combates entre ximangos e maragotos; parti com a Coluna Prestes, percorrendo terras nunca dantes percorridas; participei das revoluções de 30 e 32; rodei os pensamentos entre sonhos e realidades, entre verdades e mentiras.
E, somente aos 10 anos, despertei dessa ilusão que invade a alma das crianças, fazendo-as confundir o concreto com o abstrato. O côncavo com o convexo. Meus olhos constantemente se fixavam no céu de veludo negro, salpicado de lantejoulas. Eram milhares, trilhões de estrelas e minha avó, Ana Maria – como eu a amava! – dizia, aos meus ouvidos, que todas elas eram os olhos de Deus e, por isso, Deus enxergava tudo, castigava os maus, punia as travessuras, mas era bom para os bons, premiando os bem comportados.
O vento
que gemia nas noites de inverno, eram as almas penadas dos homens maus, dos
feitores que maltratavam escravos, como aquele fazendeiro que fazia tanta malvadeza
com o negrinho do pastoreio. Embalado por tantos sonhos da infância, mudei meus
rumos quando resolvi seguir a trajetória da bola. 55 anos depois, conto-lhes
agora esses caminhos da bola que segui até os dias de hoje”.
Luiz Mendes e Daisy Lúcidi |
Generoso como sempre, Luiz Mendes não poderia deixar de agradecer em seu livro a personagem que ele julgava fundamental em sua vida; a esposa Daisy Lúcidi, uma linda história de amor.
O amor como última
palavra
“Eu não queria encerrar este volume, sem lhes falar sobre
a influência exercida sobre minha carreira por minha mulher Daisy Lúcidi. Um
homem não se completa, não se realiza profissionalmente, sem ter por trás, o
incentivo, a compreensão e o afeto de uma mulher. E no meu caso, posso dizer,
de uma grande mulher. É evidente que foram muitos os momentos difíceis por que
passei em minha trajetória no rádio e na televisão. Vivi instantes de
sacrifícios, de renúncia, principalmente nos muitos anos em que atuei na antiga
TV Rio. Sofri o drama dos pagamentos atrasados, enfrentei alguns diretores de
caráter duvidoso, mas sempre encontrei na grande companheira uma enorme força
de paz, uma extraordinária fonte de apoio. Esses problemas nunca chegaram à
telinha ou ao ouvinte de rádio.
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Daisy Lúcidi e Luiz Mendes ao lado do casal Dias Gomes e Janete Clair. |
Convivendo ela mesma com sua atividade no teatro, no rádio e na TV, Daisy sempre encontrou tempo para também conviver com a minha parte. Mais tarde, quando seu programa, “Alô Daisy”, da Rádio Nacional, se transformou numa trincheira de lutas sociais e a impulsionou para a política, não sei como essa grande mulher encontrou tempo para servir à pobreza de sua cidade, sem afetar, nem de leve, o funcionamento de seu lar. E vejam que, no desdobramento de seu programa, ela montou uma creche na favela Roquete Pinto, abrigando mais de 70 crianças. Temos, já se vê, uma família enorme, ultrapassando o nosso filho Luiz Mendes Júnior, a nossa nora Eglê, os nossos netos Luiz Cláudio, Marcello e Laila; e a bisneta Bianca. Tudo porque a força de Daisy, nestes 50 anos em que estamos casados, impulsiona a nossa vida com o único ingrediente que constrói para a eternidade – o amor”.
Sobre Luiz Mendes:
Nasceu em 09 de junho de 1924, em Palmeira das Missões, interior do Rio Grande do Sul. Começou a trabalhar numa estação de autofalantes, em sua própria cidade. Gostava também de futebol, e jogava no time juvenil. Foi para a capital, Porto Alegre, e fez teste na Rádio Farroupilha. Passou e foi contratado como locutor. Chegou ao Rio de Janeiro com 19 anos, já na locução esportiva. Ingressou na Rádio Globo em 1944. Embora contratado como locutor comercial, Luiz Mendes logo passou para o esporte da Rádio Globo, pois Gagliano Neto, o titular, faltou a uma transmissão e Luiz Mendes o substituiu. No dia seguinte foi chamado pelo presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho, que o convidou para ser locutor esportivo da emissora. Em 1946, um concurso com o público carioca, elegeu-o como “o melhor locutor esportivo da cidade”. Foi para a TV Rio e, por 15 anos dedicou-se exclusivamente à TV. Fez também os programas: “TV Ringue” e “A Grande Revista Esportiva Facit”. Participou da primeira transmissão a cores, no Rio de Janeiro, em 19 de fevereiro de 1972. Cobriu 13 Copas do Mundo. Foi também comentarista na Rádio Globo conquistando muitos prêmios ao longo da carreira, entre eles uma placa comemorativa, da Rádio Globo, recebida das mãos do próprio Roberto Marinho. Luiz Mendes era chamado de “o comentarista da palavra fácil”. Morreu no dia 27 de outubro de 2011.
Literatura na Arquibancada recomenda também que você,
leitor, ouça a homenagem feita pela Rádio Globo em um especial dedicado ao
mestre. Basta clicar aqui,
E há também outro livro dedicado a Luiz Mendes, a biografia “Minha Gente – Luiz Mendes, o mestre da crônica esportiva do Brasil” (Sete Letras, 2010), escrito pela jornalista Ana Maria Pires, ex-companheira de Luiz na rádio Globo.
Eu espero que alguém escreva uma biografia mais completa do Luiz Mendes.
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