São 65 anos de histórias
gravadas na memória do torcedor brasileiro, seja ele morador do Rio de Janeiro
ou de qualquer lugar do planeta, afinal, não é a toa que ele ganhou a fama de “Templo
Sagrado”, do futebol, mas também da música e até da religião.
Maracanã, que um dia já
foi o maior do mundo e em 2014, palco da final de mais uma Copa do Mundo realizada no Brasil. Maracanã que já foi palco
de grandes shows, da bola e da música.
Apesar da "cara nova", não são cadeiras novas e instalações luxuosas que apagarão da memória
afetiva dos torcedores momentos eternos.
Entre tantas obras já
publicadas sobre ele, há uma em especial indispensável e fundamental na
biblioteca da literatura esportiva. Quando o Maracanã completou 50 anos de
vida, o craque do jornalismo esportivo e escritor, João Máximo, foi convocado
pela editora DBA para escrever o seu “Maracanã, Meio Século de Paixão”. E lá se
vão 15 anos do lançamento.
Vendo o atual Maracanã, palco de vários jogos e da final da Copa do Mundo de 2014, o
livro, como sempre, é o melhor remédio para curar as dores das saudades que o “velho
Maraca” sempre trará.
A DBA e João Máximo
capricharam na homenagem ao velho estádio. Uma produção luxuosa dividida em 160
páginas e quase 300 fotos e projeto gráfico de outro craque, Victor Burton.
Junto com a beleza estética, a prosa fina de João Máximo que dividiu a obra em
11 capítulos (número considerado cabalístico por ele por conta da escalação dos
times de futebol). Dentro de cada capítulo, 11 temáticas diferentes que vão
desde a batalha para a sua construção, momentos inesquecíveis e, evidentemente,
os grandes nomes do futebol brasileiro. João Máximo relembra da despedida de
Pelé, da conquista da Copa Rio pelo Palmeiras, da homenagem a Friedenreich,
Leônidas da Silva e Ademir de Menezes, de Romário nas eliminatórias da Copa em
1993, do jogo em homenagem a Garrincha e até da visita de Bob Kennedy ao rei do
futebol, Pelé, nos vestiários do Maracanã.
Foram tantos os craques
que já deixaram suas marcas no Maracanã que João Máximo foi obrigado a montar
dois times com 11 desses eternos ídolos. O primeiro com Castilho, Djalma
Santos, Bellini, Nílton Santos, Zito, Danilo Alvim, Garrincha, Zizinho, Ademir
Menezes, Pelé, Tostão. O segundo, com Barbosa, Carlos Alberto, Mauro Ramos,
Bauer, Didi, Júnior, Julinho Botelho, Zico, Gérson, Roberto Dinamite e
Rivellino.
João Máximo ainda escalou
mais 11 onze craques estrangeiros inesquecíveis que já pisaram no solo sagrado
do Maracanã: paraguaio García, Beckenbauer, Bobby Moore, Andrade,
Platini, Obdúlio Varella, Di Stéfano, Ghiggia, Maradona, Puskas e Schiaffino.
Há ainda os gols e lances inesquecíveis já ocorridos no
Maracanã, um estádio que guardará para sempre momentos eternos para quem nele
jogou ou simplesmente torceu nas arquibancadas. Como na memória do jornalista
José Trajano, torcedor apaixonado do América do Rio de Janeiro, que assina um
dos textos do livro:
Saudades do Maracanã
Por José Trajano
Havia uma espécie de ritual. Durante a semana, o
encontro era num barzinho no Leme para traçar os planos para o domingo. Entre
um gole e outro eram definidos o cardápio do almoço (com direito a entrada), a
marca da cerveja (geralmente a Bohemia, que na época vinha mesmo de Petrópolis)
e a sobremesa (quase sempre pavê de chocolate). Foi assim durante dezenas de
domingos. Anos a fio. Eu, Zé Carlos, Calazans, Toninho éramos fixos. Dois ou
três amigos menos assíduos completavam a turma que, como se fosse compromisso
sagrado, se reunia na casa de minha mãe, Nilza, para o banquete dominical. O
melhor, porém, estava por vir.
![]() |
José Trajano |
Depois da mesa farta e de uma dúzia de cervejas,
seguíamos para o Maracanã. A pé. O maior do mundo ficava a uma boa caminhada de
casa, no Largo da Segunda-Feira. Às vezes, exaustos e empanturrados pela
comilança, pegávamos um bonde, que podia ser o 63 (São Francisco Xavier) ou o
75 (Lins de Vasconcelos). O divertido era ir a pé, mexendo com os que passavam
de ônibus ou de carro. Muitas vezes o pau quase quebrava entre nós e os
torcedores adversários. Mas havia, entre os da turma, enorme solidariedade. Se
o América não jogava – naqueles tempos o Ameriquinha mandava suas partidas no
Maracanã –, torcíamos para o time da maioria. De um modo geral, a gente torcia
ou para o América ou para o Flamengo, time do Calazans e de Faquito, por
exemplo. Fim de jogo, nos abraçávamos. Se o time ganhasse, festa. Em caso de
derrota, xingamentos até o último jogador do time deixar o campo. E a turma
repetia o trajeto de volta a pé. Com direito a paradas num bar quase em frente
ao Colégio Militar, para comer sardinhas, ou em outro, do Largo da
Segunda-Feira, para jogar sinuca. Voltávamos para casa mais companheiros do que
fôramos. Era a hora de tocar violão ou de ouvir LPs de jazz e bossa nova.
Dia seguinte, tínhamos que pegar no batente. Estava
deserto e adormecido o gigante do Maracanã, como dizia Valdir Amaral, locutor
preferido do pessoal, que também não podia viver sem os comentários de João
Saldanha, companheiro de Valdir na Rádio Globo. Antes de pegar no sono, ficava
deitado na cama revendo como num filme as imagens do jogo. Os gols do América,
a vibração da torcida, os gritos do juiz, nossas caras de felicidade ali na
arquibancada de cimento, pulando agarrados uns aos outros. Com o tempo a turma
se desfez. O América também. Mudei de bairro e, mais tarde, de cidade. Nunca
mais vivi um domingo como aqueles, regados a Coquille Saint-Jacques, que dona
Nilza fazia como ninguém, copiando uma receita que conseguimos com o maître de
um restaurante do Leme. Só o Maracanã permaneceu ali. Gigante. Pagaria o preço
que custasse por um ingresso para poder ver, nem que fosse por uma única e
derradeira vez, meu time campeão ao lado daquela turma. A dos domingos mais
maravilhosos que tive em minha vida. Os domingos do Maracanã.
E não há como falar do Maracanã sem lembrar os versos do
poeta do futebol e jornalista Armando Nogueira, que nos deixou uma verdadeira
ode ao velho Maraca.
Maracanã
Por Armando Nogueira
Revejo, com saudade,
as bandeiras das tuas batalhas
repartidas sobre o campo.
Revejo, com saudade,
a tua multidão que torce e distorce a verdade até morrer,
doa a quem doer.
Revejo, com saudade, as esperanças que se perdiam pela linha de fundo
no entardecer de cada jogo.
Quantas vezes foste a minha pátria amada, idolatrada,
salve, salve a seleção!
Quantas vezes a minha alma escapava de mim
e, sem que o árbitro notasse, aparecia na pequena área,
providencial, para fazer o gol da vitória.
Perdi a conta dos gols
que fiz com pés que nunca foram meus.
Saudade de certa lágrima de vitória
que, um dia, vi brilhar no rosto quase meu de uma criança.
Maracanã.
Revejo, com saudade,
a tua multidão que torce e distorce a verdade até morrer,
doa a quem doer.
Revejo, com saudade, as esperanças que se perdiam pela linha de fundo
no entardecer de cada jogo.
Quantas vezes foste a minha pátria amada, idolatrada,
salve, salve a seleção!
Quantas vezes a minha alma escapava de mim
e, sem que o árbitro notasse, aparecia na pequena área,
providencial, para fazer o gol da vitória.
Perdi a conta dos gols
que fiz com pés que nunca foram meus.
Saudade de certa lágrima de vitória
que, um dia, vi brilhar no rosto quase meu de uma criança.
Maracanã.
És a fantasia da paixão
que aproxima e divide:
louvor e blasfêmia,
alegria e desdita.
És o gol de Gigghia,
celebrado com um minuto de silêncio à soberba nacional.
És o ignorado heroi de uma tarde
cujo gol restou sem data
como se nunca houvera sido feito.
És gol de placa
que ninguém sabe ao certo como nasceu
mas que o tempo
vem tratando de fazê-lo cada dia mais bonito.
Gol de fábula.
És o craque que passa, sem pressa,
tecendo a promessa de gol com a bola nos pés
e os olhos na linha do horizonte.
És Gérson e Jair da Rosa Pinto
que tinham no pé esquerdo o rigor da fita métrica.
És Nilton Santos, futebol de fino trato,
na majestade e no saber.
louvor e blasfêmia,
alegria e desdita.
És o gol de Gigghia,
celebrado com um minuto de silêncio à soberba nacional.
És o ignorado heroi de uma tarde
cujo gol restou sem data
como se nunca houvera sido feito.
És gol de placa
que ninguém sabe ao certo como nasceu
mas que o tempo
vem tratando de fazê-lo cada dia mais bonito.
Gol de fábula.
És o craque que passa, sem pressa,
tecendo a promessa de gol com a bola nos pés
e os olhos na linha do horizonte.
És Gérson e Jair da Rosa Pinto
que tinham no pé esquerdo o rigor da fita métrica.
És Nilton Santos, futebol de fino trato,
na majestade e no saber.
És Zizinho, que conhecia, como
ninguém,
todos os atalhos da tua geometria.
És Zico que driblava triscando a grama,
suave como uma pluma.
És a "folha-seca" de Didi,
fidalgo de rara nobreza
que tratava a bola como se trata uma flor.
És Ademir Menezes correndo, olímpico,
pelos indizíveis caminhos do gol.
És Carlos Castilho, santo goleiro
que fazia milagres pelos confins da pequena área.
És Pelé,
cujos gols eram tramados na véspera
(ele trazia de casa as traves e a bola do jogo).
És Zico que driblava triscando a grama,
suave como uma pluma.
És a "folha-seca" de Didi,
fidalgo de rara nobreza
que tratava a bola como se trata uma flor.
És Ademir Menezes correndo, olímpico,
pelos indizíveis caminhos do gol.
És Carlos Castilho, santo goleiro
que fazia milagres pelos confins da pequena área.
És Pelé,
cujos gols eram tramados na véspera
(ele trazia de casa as traves e a bola do jogo).
És Garrincha que dobrava as
esquinas da área
driblando Deus-e-o-Mundo
com a bola jovial da nossa infância.
Quanta saudade
daquele drible pela direita
que alegrava as minhas jovens tardes de domingo.
És, enfim, a vitória e a derrota,
caprichosa imitação da minha vida.
E porque és uma parte da minha memória,
seguirei cantando, comigo, a melodia de teu doce nome:
Maracanã...
com a bola jovial da nossa infância.
Quanta saudade
daquele drible pela direita
que alegrava as minhas jovens tardes de domingo.
És, enfim, a vitória e a derrota,
caprichosa imitação da minha vida.
E porque és uma parte da minha memória,
seguirei cantando, comigo, a melodia de teu doce nome:
Maracanã...
Viva!!!
ResponderExcluirParabéns.
"És Garrincha que dobrava as esquinas da área
ResponderExcluirdriblando Deus-e-o-Mundo
com a bola jovial da nossa infância.
Quanta saudade
daquele drible pela direita
que alegrava as minhas jovens tardes de domingo.
És, enfim, a vitória e a derrota,
caprichosa imitação da minha vida.
E porque és uma parte da minha memória,
seguirei cantando, comigo, a melodia de teu doce nome:
Maracanã..."