Para se entender a paixão do brasileiro pelo futebol, de
norte a sul deste imenso Brasil, é preciso conhecer personagens que a famosa “grande
imprensa” do eixo Rio x SP faz questão de deixar “invisíveis”. Alguns, por puro
preconceito. Outros, por puro desconhecimento. E não estamos falando de craques
dentro dos gramados de futebol, pois esses são eternamente esquecidos, mas de
personagens da própria imprensa esportiva.
A região Nordeste do Brasil é pródiga neste sentido. De
lá, parece existir apenas a seca, a fome e a miséria. Não é bem assim. Um dos
maiores nomes da imprensa esportiva brasileira é um ícone do estado do Piauí,
terra de campeonatos pouco ou nada divulgados para quem vive nos tais “grandes
centros”.
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Carlos Said |
Seu nome é Carlos Said, uma verdadeira lenda na região
Nordeste. No plano nacional o Pioneiro da Imprensa Esportiva Piauiense conseguiu
figurar entre os mais importantes comentaristas esportivos do Brasil, no nível
de João Saldanha, Rui Porto, Mauro Pinheiro, Mário Moraes, no Rio de Janeiro e
São Paulo. No Nordeste formou no time dos astros do microfone, como Barbosa
Filho, José Santana e Paulino Rocha.
E ele continua por lá, firme e forte, aos 81 anos de
idade. No ano passado, ganhou um livro, “Como era bom aos Domingos...”, escrito
pelo filho Gustavo Said contando sua rica história de vida dedicada ao esporte,
ao Direito, à Filosofia, à Geografia, à História, pois é formado e lecionou
sobre todas essas disciplinas, nas escolas e universidades do estado em que
nasceu e cresceu. Ou seja, um homem apaixonado pela cultura. E pelo futebol...
Não é a toa que o Ministro dos Esportes, Aldo Rebello,
convidou o professor e um dos mais importantes e respeitados cronistas esportivos
do Nordeste, a participar do “Livro da Copa”,
que será publicado pelo Governo Federal em homenagem à 20ª edição do mundial de
seleções de países, pela segunda vez no Brasil, em 1950 e 2014. Carlos
Said escreverá sobre o futebol brasileiro com o olhar e o jeito nordestino de
observar os 90 minutos da bola em jogo.
Mas por que tal reconhecimento
a Carlos Said? As respostas podem começar a serem encontradas na síntese abaixo
sobre o livro “Como era bom aos Domingos...”:
Sinopse:
"Como era bom aos domingos..." é a biografia do
fundador da imprensa esportiva estadual, o professor e jornalista Carlos Said,
conhecido como Magro-de-Aço.
A obra relata a viagem de seus pais da Síria para o Brasil e, num estilo textual próximo do jornalismo literário, narra os acontecimentos desportivos que fizeram com que Said, ainda na infância, despertasse a paixão pelo esporte e pelo jornalismo e atuasse em vários clubes de futebol e em quase todas as empresas de comunicação do Piauí, depois de ter dado os primeiros passos na imprensa esportiva do Estado, ainda na década de 40.
A obra descreve também como, num acidente automobilístico no qual se anunciou sua morte, foi construído o personagem que engendra o mito Magro-de-Aço, reconhecido pelo destemor com que luta pelas causas desportivas e pela linguagem e estilo radiofônicos recheados de gírias e bordões.
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Carlos Said (centro), um ano após o acidente. |
Carlos Said só, um nome curto para uma vida intensa. Em 1964, aos 33 anos,
quando a dona da foice pensou em levá-lo, as mãos milagrosas do cirurgião
Antônio Portela, a quem ele chamaria de pai pelo resto da vida, remendaram os
ossos danificados pelo acidente de carro, sem importar-se com a precariedade
dos recursos disponíveis à época.
Foi como nascer de novo, driblando a morte anunciada no rádio pelos seus companheiros de profissão e antevista pela família no semblante dos médicos que o atenderam no Hospital Getúlio Vargas. Lá mesmo, no HGV, alguém - não se sabe quem - diria sem pretensões de adivinho, que aquele homem era de aço.
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Carlos Said, o "magro de aço" e Garrincha, do River. |
Nascia o Magro de Aço, mito e referência do esporte
piauiense, apelido que ele assumiria por inteiro, homem e personagem integrados
numa vida só, herói de muitas pelejas, intérprete de muitas audições,
traduzindo na linguagem do povo a emoção dos gramados.
Vinte anos depois, a indesejada mulher da capa preta iria à forra num lance de Maquiavel. A voz, velha companheira do Magro de Aço, instrumento de seu labor e de seu talento, resolveu abandoná-lo. Era como morrer em vida, mas ao aço se dá consistência mergulhando-o, ainda candente, num banho de água fria. No tropel do disse-me-disse, espalhou-se a notícia da morte iminente e a 'viúva' chegou a receber visita de pêsames. Até que num dia de domingo os microfones da Rádio Pioneira vibraram outra vez ao som estridente do aço retorcido das cordas vocais do Magro de Aço. Carlos Said estava de volta.
Até hoje, completados oitenta anos de vida, Said esbanja inspiração e entusiasmo quando fala ou escreve sobre qualquer assunto, relembrando fatos e nomes com tamanha facilidade, que faz crer que a memória, essa sim, é de aço - temperado e inoxidável. Como são bons os domingos quando têm bilinguinguins!”
Carlos Said tem um dos maiores acervos de livros
esportivos do país. Para quem é assíduo leitor do Literatura na Arquibancada
irá se lembrar do depoimento de José Reinaldo Pontes, o livreiro de Campinas da
“Livraria Pontes”, pioneiro batalhador dos livros esportivos no Brasil, quando
mencionou Said como um de seus “top five” compradores das raridades encontradas
pelo país.
Para conhecê-lo um pouco melhor neste breve espaço,
Literatura na Arquibancada resgata o texto de outro autor consagrado no Piauí,
amigo pessoal do mestre Said, o poeta Elmar Carvalho publicado em seu blog www.poetaelmar.blogspot.com .
“...Nasceu em Teresina, em 14.01.31. É um oitentão.
Formou-se em Direito, Filosofia e em Geografia e História. É jornalista esportivo
desde 1943, quando tinha apenas doze anos de idade. Foi professor de Geografia
e História em quase todos os colégios da capital. Exerceu o magistério na
Faculdade de Filosofia (FAFI) e na Universidade Federal do Piauí. Nesta, por
falta de professores em seu início, lecionou várias disciplinas, em virtude de
sua cultural geral.
No tempo em que a rádio Pioneira ficava no ar durante 24
anos horas, cunhou o slogan “a emissora que não para”. Quando, em serviço de
reportagem, em 02.03.64, sofreu um acidente, reza a lenda que ele próprio
narrou o episódio. Por esse fato e talvez por causa de sua natureza resistente
e quase incansável, surgiu o seu epíteto de Magro de Aço, a que eu
acrescentaria as palavras inoxidável e inolvidável, caso o apelido original já
não fosse demasiadamente forte.
Em 1948, ingressou na rádio Difusora, a mais antiga de
Teresina, como narrador e comentarista de futebol. Em 1958, fundou a Associação
dos Cronistas Desportivos do Estado do Piauí (APCDEP), tendo sido o seu
primeiro presidente. Em 1º de março de 1946, juntamente com outros colegas do
Colégio Leão XIII, dirigido pelos professores Moaci Ribeiro Madeira Campos e
Antilhon Ribeiro Soares, fundou o River Plate Club, em homenagem ao time
homônimo da Argentina, porém teve que modificar seus estatutos, pois o
autoritário presidente da Confederação Piauiense de Futebol, Raimundo Ney
Baumann, que foi titular da Delegacia Regional do Trabalho e interventor de
Campo Maior, não aceitava nomes estrangeiros, pelo que a agremiação futebolística
passou a denominar-se River Atlético Clube. De 1946 a 1951 foi titular ou 1º
reserva, na posição de golquíper riverino. Nos anos de 52, 53 e 54 foi campeão
piauiense pelo River, na condição de titular absoluto. A partir de 1955 até a
data do acidente (02.03.64) continuou a jogar no RAC, mas só atuando quando
convocado.
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Crédito: Gervásio Castro |
Casou no dia 14.07.56, com a senhora Rochelene, barrense,
das família Fernandes e Fortes, com quem teve cinco filhos (duas mulheres e
três homens). Dois deles, Fernando e Gustavo, seguiram-lhe os passos no
jornalismo e no magistério universitário. Em plena lua de mel, mais
precisamente um dia após o casamento, foi defender a meta do River, na decisão
do campeonato de aspirantes, em que esse time se sagrou campeão invicto.
Em 1955, foi fazer, em Fortaleza, a cobertura de dois
jogos em que o River enfrentaria as equipes do Calouros do Ar, no sábado, e do
Ferroviário, no domingo. Na primeira partida, os dois goleiros do River, Afonso
e Xavante, não puderam jogar, pelo motivo prosaico de que estavam acometidos de
uma forte diarreia. Diante dessa situação, Carlos Said foi convidado a defender
a equipe do Galo, e o fez com tanta garra e brilhantismo, que sua atuação foi
comparada ao discurso inflamado, entusiástico e arrebatado do integralista Plínio
Salgado, também de compleição franzina, que então se encontrava na capital
alencarina.
Foi diretor de jornalismo e esporte da Rádio Pioneira,
fundada pelo arcebispo Dom Avelar Brandão Vilela, em 08.09.62. Iniciou sua
atividade de comentarista esportivo de televisão, em 1992, na emissora Antena
10. Atualmente, exerce essa atividade na TV Cidade Verde. Tem coluna no jornal
Meio Norte, na qual escreve sobre história, literatura e esporte. Continua em
atividade na rádio Pioneira. Foi comunicador social da Previdência Social no
Piauí durante quarenta anos.
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Dídimo de Castro, "o pequeno polegar". |
Na década de 70, nas transmissões esportivas, Carlos Said
e Dídimo de Castro reinavam absolutos, o primeiro com seus comentários
judiciosos, e o segundo, como narrador. Geralmente, suas previsões analíticas
se concretizavam, tanto que muitos técnicos o ouviam, e seguiam as “sugestões”
radiofônicas de suas análises. Várias palavras, consideradas “bonitas” e
“difíceis”, com que ele enfeitava seus comentários, com certa dose de humor,
como energúmeno, apedeuta, pacóvio, bilinguinguim do inferno, etc., se
transformavam em verdadeiros bordões, repetidos por todos os ouvintes. Gostava
de usar a expressão “raios me partam”, se determinada situação não acontecesse.
Um amigo meu, ouvinte dele, amiúde a usava; porém, cautelosamente, trocava o
pronome “me” por “te”, pelo que nada sofreria se as coisas dessem errado.
O Carlos Said continua a ser, oitentão, o mesmo homem
incansável e inquieto de sempre, de forma que permanece sendo o eterno Magro de
Aço – aço inoxidável e inolvidável, porque ele deixou de ser apenas professor
de História para entrar na História, pelos serviços que tem prestado ao
jornalismo, à cultura, à historiografia e à literatura do Piauí.
Sobre Gustavo Said,
autor de “Como era bom aos Domingos...”:
Gustavo Said possui graduação em
Comunicação Social Jornalismo pela Universidade Federal do Piauí (1992),
mestrado em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1998) e
doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(2006). Atualmente é professor titular - da graduação e do mestrado - da UFPI.
Tem experiência na área de Comunicação, atuando principalmente nos seguintes
temas: jornalismo, comunicação e cultura, estudos culturais, identidade
cultural, subjetividade e mídia, jornalismo e história e comunicações no Piauí.
Além da história do Magro-de-Aço, o
pesquisador publicou outros livros, dentre os quais "Jornalismo e
História: uma análise do tempo histórico da notícia" (APECH, 1997),
"Mídia, Poder e História na Era Pós-Moderna" (EDUFPI, 1998),
"Comunicações no Piauí" (APL/BAnco do Nordeste, 2001); "Comunicação:
novo objeto, novas Teorias?" (EDUFPI, 2008). Gustavo também foi professor
visitante nas universidades de Nebraska-Lincoln e Ole Miss-Mississipi, nos
Estados Unidos.
Sobre Elmar
Carvalho:
Nasceu em Campo Maior – PI, em 09/04/56. Poeta, cronista,
contista e crítico literário. Juiz de Direito. Bacharel em Direito e em
Administração de Empresas. Membro da Academia Piauiense de Letras.
Vi a sinopse na revista da ESPN. Li e gostei. É um personagem e tanto! Só deu trabalho para adquirir, pois tive que entrar em contato direto com o autor pelo facebook.
ResponderExcluirPaulo Marins - Brasília
O Carlos Said, magro-de-aço, é um dos maiores personagens aqui de teresina-PI! Um comentarista de futebol com uma super-memória. Uma figuraça. Sou seu fã!
ResponderExcluirDaniel Lemos, de Teresina