Um dos maiores jornalistas do país, Marcos de Castro,
definiu com precisão absoluta o que representa o livro que Literatura na
Arquibancada destaca agora. “Anos 40 – Viagem à década sem Copa” (Editora Bom
Texto, 2004), de Roberto Sander, é “um verdadeiro achado”, na história da
literatura esportiva brasileira.
Escrever e publicar livros sobre personagens famosos,
ídolos, grandes conquistas nacionais ou internacionais, é, relativamente,
fácil, mas escrever e publicar uma obra sobre um período praticamente esquecido
do futebol mundial por conta de uma Guerra Mundial é um desafio. Por que um
leitor iria se interessar por um período em que nem mesmo Copas do Mundo foram
disputadas? Campeonatos locais esfacelados pelas dificuldades impostas do
pós-Guerra?
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Roberto Sander |
Mas é exatamente por conta de tudo isso que o livro de
Roberto Sander se tornou uma referência na literatura esportiva brasileira. Um período
negro na história do futebol mundial que pouquíssimos ou quase nenhum
jornalista, escritor ou pesquisador, se atreveu a mergulhar com o devido rigor.
Sander, não. Deixou para a história uma obra obrigatória para amantes ou não da
literatura esportiva.
Quer entender a razão? Leia o prefácio assinado por
Marcos de Castro.
Um achado
Por Marcos de Castro
“Ao prefaciar um livro do grande Alceu Amoroso Lima, Otto
Lara Resende disse, no fecho de suas palavras, que o prefaciador é apenas uma
espécie de porteiro: não lhe compete mais do que o singelo ato de abrir a
porta. É o que tentarei fazer aqui, com a consciência de que o bom porteiro tem
que trabalhar discretamente. Isso não me impede, porém, de dizer logo que este
livro é um achado. Um grande achado.
No mundo do futebol, vivemos bombardeados de quatro em
quatro anos pela menina dos olhos desse grande mercado, a Copa do Mundo. A
televisão despeja em nossos olhos e em nossos ouvidos, vários meses antes de
começar a competição, uma cascata colorida sobre os encantos das Copas que se
foram, e as maravilhas que nos aguardam na Copa que virá. As editoras parecem
acreditar – e creio sinceramente que se trata de um equívoco mercadológico (ou
de marketing, perdão) – que a Copa do Mundo é o único grande filão na área da
literatura do futebol. E tome livro sobre Copa! Pois se esquecem que as Copas
do Mundo não se fazem por si mesmas: são feitas nesses períodos quadrienais que
estão por trás delas. E o grande encanto do futebol está precisamente nessa
zona de bastidores, na qual tudo nasce, cresce, vive e pulsa sempre com grande
intensidade.
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Página de "Anos 40" |
Aí é que entra este livro do nosso Roberto Sander, cheio
de revelações impressentidas, pois ninguém ainda tinha se lembrado de fixar seu
foco de luz exclusivamente sobre esse período, por todos os motivos o mais rico
no crescimento do futebol brasileiro. Isso mesmo, o período da adolescência do
nosso futebol, com todas as crises próprias da idade. Vivemos nos esquecendo
disso, dessa riqueza inerente à fase que une a infância à juventude – e nesse
sentido é que este livro é um achado. Trata-se simplesmente de um mergulho nos
anos 40. E que mergulho! Nele você vai descobrir a verdade um tanto
negligenciada de que a raiz do nosso futebol de sonho está toda ali. Que tudo
começou nos anos 40, sim, senhor. Que a mágica do nosso futebol moldou-se
naqueles dez anos.
Por causa da Segunda Guerra Mundial, nos anos 40 não
houve Copa do Mundo – por isso mesmo esses dez anos são um tanto desprezados,
pelo menos como visão de conjunto. E, no caso do Brasil, distante da guerra europeia,
foram os dez anos formadores por excelência do nosso futebol. Neles está a
passagem do romantismo para o profissionalismo (embora oficialmente o
profissionalismo começasse nos anos 30, essa data na verdade é apenas um
registro burocrático), com o lado dramático que isso pressupõe, encarnado na
figura simbólica de Heleno de Freitas – hoje a elite dos meios de comunicação
preferiria dizer “emblemática”.
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Leônidas da Silva |
Encarnado nos desencontros permanentes de Leônidas com
seu dono, na realidade que nascia, o clube (no caso, especificamente o
Flamengo), e na longa lua-de-mel que se seguiu com o novo dono, o São Paulo. Em
Jair, que sai do seu clube, no Rio, num doloroso momento de crise típico dessa
época, para continuar sua caminhada de glórias em terras paulistanas. Em
Zizinho, que projetou sua carreira ímpar até o fim dos anos 50.
De todas essas coisas tínhamos vasta informação
específica, aqui e ali. Mas uma visão de conjunto não tínhamos. Pois veio este
livro e nos deu essa visão. Você leitor, vai se deliciar com o mergulho total
nos anos 40. E descobrir que o jeito de ser do nosso futebol se formou lá,
quando se agregou de uma vez por todas o negro a um esporte até então muito
branco (Gilberto Freire, vai-se ver, dizia que jogamos futebol sob a influência
da capoeira e do samba). Você vai descobrir que nossas glórias se enraízam
todas lá, que está tudo lá, nos anos 40.
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A derrota para o Uruguai, na Copa de 1950. |
É verdade que saímos desse período de formação para o
fracasso que foi a derrota na Copa de 1950. Mas, afinal, não é nas derrotas que
se forjam as grandes vitórias? Isso quer dizer que nos anos 40 é que está a
gênese de toda a nossa história de colecionadores de títulos mundiais.
Aberta a porta, leitor, comece a descobrir, pelas mãos de
Roberto Sander, o encanto dessa década sem Copa, berço de todo o esplendor do
nosso futebol campeão de cinco Copas”.
Como toda essa história surgiu? É o próprio Roberto
Sander quem nos revela.
Apresentação
Por Roberto Sander
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Soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) |
“Desde que me entendo por gente, a década de 1940 me
fascina: a guerra que mudou os rumos do século, o cinema em preto e branco e o
futebol visto por fotografias amarelecidas e filmes corridos de pouca nitidez.
Nasci no fim da década seguinte e comecei a acompanhar futebol no auge da era
Pelé. Cheguei a ver o seu milésimo gol. Tinha 11 anos e estava com meu pai, na
arquibancada do Maracanã, bem atrás da baliza onde foi cobrado o pênalti quase
defendido pelo goleiro argentino Andrada. Hoje, quando revejo esse gol,
registrado sem cores, do jeito que tanto gosto, custo a acreditar que estava
realmente lá; que era personagem, como todos os presentes, do ritual em que se
transformou aquela cobrança.
O fato é que fui mal-acostumado. Afinal, vi ali, bem na
minha frente, o maior gênio do futebol no momento mais fulgurante da sua
carreira. A partir de então – talvez pela experiência de tão jovem ter
presenciado um marco histórico do futebol – passaram a instigar a minha
imaginação craques de quem os mais velhos contavam incríveis façanhas.
Leônidas, Romeu, Zizinho, Tim, Jair Rosa Pinto, Perácio e Heleno eram nomes que
soavam misteriosos e que me faziam indagar: como teria sido o futebol dos anos
40, da chamada “Era Pré-Maracanã”?
Menino, porém, tinha muito mais com que me ocupar: os
estudos, as peladas de rua, o mar de Ipanema, as primeiras paixões, o fascínio
do Maraca, o rock’n’roll começando a
bater na alma...Com toda a volúpia, se escancaravam as portas dos anos 70. No
entanto, aqueles tais anos 40 permaneciam lá, intactos, volta e meia atiçando a
minha curiosidade. Curiosidade que só aumentou quando fui percebendo a
indiferença com que são tratados esses 12 anos que separam as Copas de 1938 e
1950 – uma lacuna inexplicavelmente não preenchida pelos livros que contam a
história do futebol brasileiro.
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Guerra na Iraque |
Os anos voaram e, após assistir a incontáveis jogos,
primeiro como torcedor e em seguida como repórter esportivo, decidi finalmente
resgatar esse tempo perdido, fazendo uma viagem à década escondida sob as mais
remotas reminiscências da minha meninice. O estalo se deu quando soube que o
Campeonato Mundial Sub-20, que seria realizado em março de 2003 nos Emirados
Árabes, havia sido cancelado por causa do iminente ataque norte-americano ao
Iraque. Fiz uma ligação imediata com o que aconteceu nos anos 40 quando dois
mundiais não foram disputados por causa da Segunda Guerra Mundial.
O belicismo de Hitler, sem exagero, parecia encarnado em
Bush e o futebol novamente virou alvo, sendo atingido em cheio pelo insano
gatilho do imperialismo. A partir daí, parti resoluto em busca da década sem
Copa. Nela, não havia televisão para registrar os grandes feitos e o rádio
cumpriu esse papel com inegável competência. Não havia também Maracanã,
Morumbi, Mineirão ou Beira-Rio, mas o futebol já estava se tornando a segunda
pelo do brasileiro e, por isso, esses grandiosos palcos acabariam erguidos – o Maracanã
ainda dentro da década.
Alguma experiência como pesquisador me ajudar a fazer, no
decorrer de quase um ano, uma varredura nos jornais da década. Assim, as
imagens fragmentadas de um tempo de sombras foram ganhando forma, como o papel
fotográfico depois de banhado pelo líquido revelador. Desse modo, pude imaginar
tabelas, dribles e gols de craques que, infelizmente, a nossa amnésia esportiva
crônica relega a um segundo plano. Assim, também avaliei com mais precisão a pujança
de um esporte que deitava raízes em todo o mundo, que já se tornava o mais
popular entre todos. Entendi como a guerra deixou a bola de luto e dimensionei
o quanto as cidades brasileiras, mesmo distantes do conflito (nem tanto porque
em nosso litoral vários navios da frota nacional foram torpedeados por
submarinos nazistas), viviam sobressaltadas pelo medo de um ataque alemão.
O que proponho é um encontro com a década esquecida. Para
saber mais das pugnas – que muitas vezes não tinham mais que dez faltas, mas
que, não raro, terminavam numa monumental pancadaria –, dos grandes craques,
suas conquistas, dramas e decepções.
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Pedro Amorim e Heleno de Freitas |
Saber de um football
que brotava tão espontaneamente nas pessoas que acabava se manifestando como
uma espécie de fervor religioso e que, por isso mesmo, foi ardilosamente
manipulado pelos artífices do Terceiro Reich. Saber, enfim, de um Brasil que
ainda lutava para se livrar das marcas de uma pesada herança escravista e que,
ao mesmo tempo, passava por profundas transformações políticas, sociais e
econômicas.
Para finalizar, devo dizer que fiz o possível para
relatar o que de mais importante aconteceu nesse período. Mas, evidentemente,
dado o universo quase infinito contido em dez anos, em nome de uma certa
concisão, dolorosamente, precisei abrir mão de alguns episódios, além de deixar
de estender em outros. Espero que isso não tenha comprometido o essencial: a
percepção de todo o encanto da década sem Copa. Portanto, como nos sugere Ari
Barroso em Aquarela do Brasil, o estrondoso
sucesso que ganhou o mundo a partir de 1939, estão abertas as cortinas do
passado. Só nos resta então viajar para desvendar um pouco da face mais oculta
de um certo esporte chamado futebol”.
Sobre Roberto
Sander:
É formado em jornalismo, publicidade e pesquisa em
comunicação pela PUC-RJ. Foi pesquisador-bolsista do CNPq. Integrou a equipe de
reportagem geral na TV Record e SBT. Na área esportiva, trabalhou no jornal O Globo, na TV Globo e no canal Sportv
da Globosat. Foi apresentador do telejornal Sportvnews
durante a Olimpíada de Sidney, em 2000. Trabalhou como editor de projetos
especiais no Jornal dos Sports.
Atualmente, comanda a Editora Maquinária.
PORQUE NÃÕ FALAM SOBRE O TECNICO QUE ATUOU NESSA ÉPOCA
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