Atenção leitor, corra para as livrarias
ou encomende o seu pela internet, pois já está no mercado mais um livro
imperdível do mestre da sociologia, o professor Maurício Murad, um dos mais
respeitados estudiosos sobre o futebol brasileiro. Há 20 anos, Maurício Murad
coordena o Núcleo de Sociologia do Futebol na Universidade Estadual do Rio de
Janeiro (Uerj). Nesta longa trajetória, foram desenvolvidas pesquisas e estudos
fundamentais para entendermos melhor o futebol como um fenômeno social. Murad é
autor de diversos livros que analisam questões fundamentais do fenômeno chamado
futebol.
Desta vez (e como extensão de outros
trabalhos que já desenvolveu no tema), Murad chega com mais uma obra que estuda
a violência no futebol brasileiro. “A violência no futebol” (Editora Benvirá) é
mais um gol de letra de mestre Murad.
Sinopse (da Editora)
É difícil
imaginar o Brasil sem futebol. Da mesma maneira, parece ser difícil as pessoas
pensarem no futebol sem a violência entre os torcedores, dentro e – mais ainda
– fora dos estádios. Mais do que um fenômeno ligado ao esporte, ela é uma
expressão da sociedade brasileira, de seus problemas e desafios, cuja superação
faz parte da grande missão de educação e desenvolvimento do país.
Baseando-se em
estatísticas e reflexões, o sociólogo Mauricio Murad, um dos maiores
especialistas brasileiros no tema, revela que o aumento das mortes de
torcedores durante partidas de futebol está diretamente ligado ao envolvimento
de integrantes das torcidas com o crime organizado e ao acesso às drogas, à
tecnologia e à internet.
Jovens sem
perspectiva se unem a tribos que supostamente lhes dão identidade, valor e um
sentido que a sociedade parece negar a eles.
Em A violência no futebol, Murad apresenta
um panorama atualizado do futebol no Brasil e do comportamento das torcidas –
organizadas ou não. Tomando como exemplo casos de sucesso em outros países,
aponta caminhos para ajudar a pacificar o futebol e a própria sociedade, a
partir do trinômio repressão-prevenção-educação. E nos ajuda a descortinar
saídas para um futuro melhor, no qual o Brasil sempre será, como dizia o dramaturgo
e jornalista Nelson Rodrigues, a “pátria de chuteiras”.
Apresentação
Por Maurício
Murad
A violência no futebol é um assunto amplo, complexo e
de suma importância para a sociedade brasileira. O principal objetivo aqui é
escrever um texto simples e direto, de fácil leitura, mas baseado em muita
pesquisa e observação. Um texto que atinja grande número de leitores, para que
estes possam não só entender, mas também refletir e encontrar maneiras de
reduzir a violência no futebol, mais especificamente no futebol
brasileiro.
Repare bem que falaremos sobre a violência no futebol, e não do futebol. Não
há dúvida de que existe também a violência do futebol, própria dessa modalidade
esportiva. Afinal, trata‑se de um esporte coletivo, de alta competitividade, de
contato físico, o mais apaixonante e massivo de todos, e jogado com os pés, bem
mais instintivos e “brutais” do que as mãos.
Misture tudo isso e verá que o resultado pode ser violência, ainda mais
se as condições e pessoas ligadas 10 ao futebol, como dirigentes, treinadores e
árbitros, não se prepararem para evitar, controlar e punir práticas de agressão
entre jogadores dentro de campo.
A violência em campo reduz a beleza do espetáculo e o tempo de jogo
corrido, devido ao aumento do número de faltas e de cartões (amarelo e
vermelho), à interrupção constante da partida, às lesões (muitas delas graves),
ao rodízio de faltas para fugir de punições severas (orientação de treinadores
e dirigentes), à permissividade dos árbitros (despreparados, muitas vezes) e à
impunidade da Justiça Desportiva.
Então, quando se diz que existe uma violência própria desse microcosmo
social, o futebol, trata‑se de uma afirmação verdadeira. Porém, as práticas de violência
mais sérias e que agridem a consciência são de caráter mais geral, são as que
ocorrem entre torcidas organizadas, dentro de estádios e mais ainda fora deles
— estas é que serão alvo deste livro.
A violência que se manifesta no futebol tem sua origem em questões mais
profundas, de ordem social. Não é apenas o resultado daquilo que acontece nos estádios,
embora isto também contribua. Os principais exemplos dessas questões sociais são
o desemprego e o subemprego, a falta de consciência social, de educação e
cidadania, o tráfico de drogas e o crime organizado, o descaso das autoridades,
a desagregação dos valores familiares e escolares, a falta de policiamento
ostensivo e preventivo, a impunidade, a corrupção. São as chamadas
macroviolências, que aparecem no microcosmo do futebol, assim como em outros,
por exemplo, no trânsito, na escola, na família. Neste último âmbito, chama
atenção a crescente violência contra mulheres, crianças, idosos e deficientes
físicos e mentais, cujo número de ocorrências é assustador.
No caso do Brasil, devemos destacar dois fatores macrossociais, que são a
corrupção e a impunidade, porque ambas podem ser consideradas violências por si
sós e de fato resultam em mais atos violentos, já que estimulam e acentuam
outras causas sociais, culturais, jurídicas. Mais que isso: são problemas
estruturais — porque presentes em quase todos os grupos, setores e instituições
sociais — e históricos, uma vez que acontecem em todas as conjunturas, isto é,
em todas as épocas, em todos os momentos de nossa formação cultural.
O filósofo existencialista francês Jean‑Paul Sartre (1905‑1980), um dos
nomes mais respeitados na história do pensamento universal, comentou em relação
à vida individual: “O mais importante não é aquilo que fazem com você, mas o
que você faz daquilo que fazem com você”.
Acredito que a sabedoria desse pensamento possa ser aplicada também à
vida coletiva, em relação ao tema deste livro. Seria algo como: o mais importante
é como a sociedade e suas instituições reagem aos crimes, às transgressões, à
violência, já que estes — parece mesmo que sim — sempre poderão ocorrer, pelo
menos em certos níveis e proporção, tanto no futebol quanto em qualquer outra
realidade social.
Porém, espera‑se que tais níveis e proporções sejam
aceitáveis e que estejam sob o controle das instituições. E não o contrário,
como se vê hoje em muitos países; um exemplo é o Brasil, em que as instituições
estão à deriva, acuadas, em face do crescimento das transgressões e da
violência.
A corrupção e a impunidade anestesiam as reações ética, jurídica,
política, cultural e policial de uma sociedade. E, como são essas reações que
definem uma sociedade e a própria civilização, se não forem acionadas
normalmente pelas instituições, o efeito, mesmo que indireto, é incentivo a
novas práticas delituosas. E sabem por quê? Porque a violência fica banalizada
(“tudo é assim”) e, pior, naturalizada (“sempre foi assim”). Em resumo: a ideia
que pode ficar é a de que não há conserto. Trata‑se de uma verdade que vale
para o futebol, e não somente para o futebol. Ela é aplicável a quase tudo. Portanto,
para entender a violência no futebol, aquela que chamamos de violência do
público, é preciso começar a compreender a violência que a precede — a
violência pública. E esta, como já vimos, tem raízes culturais, sociais,
históricas, humanas.
Para entender a violência no futebol de determinado país, é preciso
contextualizá‑la nas violências macrossociais no e do país em questão. E, para
tanto, é necessário estudar um pouco sua cultura, sociedade e história. No caso desta obra, o que está em jogo é a
violência no futebol brasileiro. Por isso, temos de procurar entender os
contextos gerais e setoriais das práticas de violência no e do Brasil, fazendo‑o
de maneira integrada, articulada, para se perceber as relações de reciprocidade
e interfaces entre a violência como um todo e suas manifestações no âmbito do
futebol brasileiro.
Em outras palavras, combinar estudos, análises e interpretações macro e microssociológicas,
antropológicas, históricas, jurídicas, no esforço de evidenciar diferenças e
semelhanças, generalidades e particularidades, bem como interações existentes
entre a violência de modo geral e a de uma parte específica da sociedade. O
geral e o específico devem caminhar juntos.
Mas entender não basta, é preciso agir. É preciso buscar a definição de
políticas públicas de segurança em diversos ambientes — algo que poderia
ocorrer em qualquer outro cenário cultural e social, mas nos concentraremos no
futebol, foco deste livro.
Assim, teremos três níveis, que formam os conjuntos de medidas de um
plano de segurança consistente e que devem estar interligados: repressão, no curto
prazo; prevenção, no médio prazo; e reeducação, no longo prazo.
Este livro analisa as relações entre violência e futebol partindo do
princípio de que esse esporte não é violento por si só, nem necessariamente
violento, ao contrário do que muitas vezes aparece no imaginário popular e na
espetacularização, no sensacionalismo da mídia. Por que, então, o futebol é
apresentado assim, se não é só, nem essencialmente, isso?
É bom lembrar que a espetacularização não é exclusiva do futebol, e sim
um fenômeno da vida contemporânea, seu modelo quase dominante. Trata‑se de um
processo sensacionalista, que transforma tudo em espetáculo, em show. Em outras
palavras, é o showrnalismo adotado pelos telejornais.
O futebol pode ser, e tem sido, muitas vezes uma instituição cultural
voltada à não violência, numa tentativa concreta de inclusão social e
cidadania, por ser uma modalidade coletiva e democrática de esporte e por causa
de sua intensa e extensa popularidade.
O futebol pode ser, ainda, um processo lúdico, que ajuda a reeducar, em
particular crianças e jovens. Tem potencial para isso, já que sua lógica e
funcionamento estão fundamentados, pelo menos em tese, na igualdade de
oportunidades, no respeito às diferenças e na assimilação de regras e normas de
convivência com o outro. Não é panaceia, isto é, remédio para todos os males,
mas que ajuda, ajuda.
Nosso maior desafio é fazer essa força latente que existe no futebol
virar realidade manifesta, para que, num futuro, agressividades, exclusões e
violência — manifestações de hoje — sejam, se não superadas, pelo menos
controladas. E, como comentamos há pouco, um plano de segurança consistente,
com suas três etapas, vem ao encontro dessa nova percepção.
Trabalhos como este, ao qual damos início agora, são iniciativas que
auxiliam nesse processo, porque ajudam a entender um dos mais graves problemas do
futebol na atualidade: a violência entre grupos torcedores.
Sobre
Maurício Murad:
Além
de romancista, é professor da Universo e lecionou durante vários anos na UERJ;
é um dos mais destacados pesquisadores brasileiros na área da sociologia do
esporte, na qual milita com livros e artigos acadêmicos de grande relevância. É
autor, entre outros, de “A violência e o
futebol - dos estudos clássicos aos dias de hoje”, “Sociologia e Educação
Física”, “Todo esse lance que rola”, história de namoro e futebol, premiado pelo Ministério da Educação e Cultura
(MEC) e adaptado para o teatro, na versão de um musical. E ainda os romances “As fogosas
aventuras de J. Ferreira” e “Os pés de Laura”.
Veja também a entrevista com Maurício Murad feita pelo Literatura na Arquibancada sobre sua trajetória na literatura.