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Henrique Coelho Neto |
E para, talvez, compreender a perda do próprio filho,
Coelho Neto escreveu dois anos depois, em 1924, um livro que desde o título, “Mano”,
é um tributo ao jovem batizado Emmanuel Coelho Neto, o primogênito da família. A
obra ficou conhecida como o “Livro da Saudade”, a dor profunda de um pai pela
morte precoce do filho, a agonia das últimas horas de vida de Mano. É emocionante.
Segundo o próprio autor: “O livro mais
sentido de quantos tenho escrito". Quis ainda o destino que outro filho de Coelho Neto, João,
mas que ficou conhecido por “Preguinho”, marcasse o primeiro gol da seleção
brasileira em Copas do Mundo.
Henrique Coelho Neto, escritor e poeta famoso, foi também
um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, a ABL, autor de 130 livros
e exímio capoeirista. Prova de seu amor maior pelo Fluminense era morar em
frente ao estádio das Laranjeiras.
Literatura na Arquibancada
resgata trechos do livro escrito por Coelho Neto, “Mano” e ainda um artigo
escrito por um apaixonado torcedor do Fluminense, o médico Marco Porto, que
mantém o espetacular blog http://jtdecarvalho.com/blog/.
A morte de Mano
Por J.T. de Carvalho (Marco Porto)
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Mano |
“Tricolores,
Talvez já tenham notado
que, nas conversas aqui do grupo, evitamos abordar temas como óbitos, velórios
etc. Não sei a razão ao certo, mas talvez se trate de atender à conhecida
recomendação de “não falar de corda em casa de enforcado”. No entanto, nem
mesmo essa restrição nos impediu de relembrar o episódio mais trágico de
toda a Mitologia Tricolor: a morte de Emmanuel Coelho Netto, o Mano.
Em conversas anteriores, já expressamos nossa
admiração por Henrique Coelho Netto, grande intelectual tricolor e incansável
defensor do futebol. Coelho Netto, a quem se acusava de ser
tradicionalista e anacrônico, optou por não criar os filhos como flores de
estufa. Encaminhou-os todos à prática de esportes, inclusive com o exemplo
pessoal, pois esse fundador da Academia Brasileira de Letras, autor de mais de
cem livros, era exímio capoeirista. Seus sete filhos se desenvolveram de
forma saudável e teriam todos chegados à velhice, se o destino não lhe houvesse
imposto o maior sofrimento possível a um pai: perder um filho subitamente,
ainda muito jovem.
Em 1904, a família Coelho Netto foi morar em frente ao
Fluminense, que logo se tornou uma extensão de casa e, a seguir, da própria
família. A partir de 1915, Emmanuel (o Mano) e Georges, os dois filhos mais
velhos, começaram a defender o futebol tricolor nos segundo e terceiro quadros.
No ano seguinte, com a criação da seção infantil, foi a vez de Paulo e João (o
Preguinho) vestirem a camisa tricolor, com a qual venceram o primeiro
campeonato infantil de futebol do Rio de Janeiro. A partir daí, a família
Coelho Netto se tornou um patrimônio do clube.
Mano disputou 67 partidas pelo Fluminense, venceu 48,
empatou 12 e perdeu apenas 7. O excepcional desempenho se explica por ele ter
integrado o mais espetacular esquadrão da fase amadora do futebol brasileiro: o
time tricampeão de 1917-18-19.
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Fluminense tricampeão 1919 Equipe base: Marcos, Vidal, Chico Netto, Laís, Osvaldo, Fortes, Mano, Zezé, Welfare, Machado e Bachi. |
No Campeonato Carioca de 1922, Mano, então com 24 anos,
foi brutalmente atingido durante um jogo contra o São Cristóvão. Deixou o
gramado sentindo fortes dores no abdome e recebeu massagens do treinador.
Contra os conselhos deste, Mano insistiu em voltar à partida, sob o
argumento de que sua ausência iria prejudicar o time. E, de fato, retornou à
ponta-direita, já com hemorragia interna. Seu espírito de amador puro, sua
noção de dever e o devotamento ao Fluminense superaram o sofrimento físico, que
evidentemente se agravou com o esforço, levando-o a uma cirurgia de emergência
e, 48 horas depois, ao fim.
No dia seguinte à morte de Mano, dia 1º. de outubro de
1922, no restrito espaço entre sua residência e a sede do Fluminense,
criaram-se dois cenários grandiosos e contrastantes. De um lado, o silêncio,
gente à espera, duas longas filas de automóveis e o coche fúnebre em frente à
casa dos Coelho Netto.
Do outro, no Estádio das Laranjeiras – onde Mano e seus
irmãos honraram a camisa tricolor e tantas glórias proporcionaram à nossa
torcida -, a multidão barulhenta principiava a chegar, para um dos jogos
mais disputados do Campeonato Sul-Americano de Seleções: Brasil x
Uruguai. A seleção brasileira, que teve nessa competição sua primeira
conquista relevante, entrou em campo portando braçadeiras negras, tendo à
frente três craques tricolores: Laís, Fortes e Marcos Carneiro de Mendonça.
Por resolução unânime da Diretoria, foi confeccionada uma
inscrição no túmulo de Mano, onde se lê: “Em memória de Mano e para jazigo da
família Coelho Netto, os sócios do Fluminense mandaram erigir, eternizando a
sua gratidão”.
Em 30 de setembro de 1972, o Fluminense inaugurou no
clube uma placa de bronze, em memória de Emmanuel Coelho Netto, pelo
cinquentenário de sua morte. Que estranha magia terá esse clube, por quem – em
diferentes épocas, no profissionalismo e no amadorismo – seus jogadores se
dispõem a mutilar o corpo ou até a arriscar a vida pela honra de defendê-lo?
Talvez, parte da explicação esteja no fato de que esses jogadores não
apenas jogavam no Fluminense – assim como milhões de brasileiros não
apenas torcem pelo Fluminense -, eles todos são Fluminense”.
Marco Porto é médico, professor
universitário e ghost writer de um autor querido e sobrenatural: seu avô, J.
T. de Carvalho, responsável pela fundação de uma cultura familiar
organizada em torno de um único conceito fundamental: “Acima de leis e
mandamentos, uma ética soberana: sou tricolor!”.
O livro “Mano” não é mais encontrado em livrarias e
praticamente impossível em sebos, mas está disponibilizado na íntegra (http://www.superdownloads.com.br/download/33/mano-coelho-neto/#ixzz1u5r4NmbU)
para aqueles que não se contentarem com os pequenos fragmentos
apresentados abaixo.
Lembramos que algumas palavras dos textos foram escritas
com a ortografia atual e outras, preferimos mantê-las como o autor escreveu à
época.
DOR
A alegria
dispersa; a dor concentra. É na dor que, em verdade, sentimos que um filho é
carne da nossa carne. Ao vê-lo sofrer vibramos doloridamente e, se ele geme, o
seu gemido ressoa-nos no coração. Os ais que lhe escapam do martírio são
frechas que nos lancinam e, se baixam do clamor à queixa humilde, doem-nos
ainda mais, como a punção de uma lanceta aguda que se nos crava paulatinamente.
Se o enfermo sara esquecem-se tais vozes, se elas, porém, se calam suspensas
pela morte, então represam-se-nos no íntimo, e nunca mais o coração as esquece
e os gemidos nele perduram como fica eterno nas conchas o marulho soturno do
mar.
INSONE
A casa não
dormia. Era a única na rua sossegada que se mantinha aberta e acesa durante a noite
toda e, ainda que silencioso, ensurdecido pelos cuidados, o movimento nela era
contínuo. Falava-se aos cochichos, e, volta e meia, no quarto em que ele
sofria, vígilo, soava a exclamação angustiosa:
“Se eu dormisse
uma hora!”
O sono, que
enchia a casa, acabrunhando aos que o desvelavam - tantas noites despertos! –
só não lhe chegava, a ele. Os enfermeiros revezavam-se-lhe à cabeceira e, por
toda a parte, em desordem, eram pacotes de algodão, ampolas, rolos de gaze,
frascos. De quando em quando alguém chegava-se à luz com o termômetro.
Em todo o caso
havia esperança e, quando os pássaros começavam a cantar nas árvores e o céu
desensombrava-se em rosicler e ouro, mais se animavam os corações. “Se eu
dormisse uma hora...!” arquejava, cansado, o pobrezinho. O sol entrava a
jorros. Era o dia e começava na rua o movimento. Todos contavam vê-lo, de
repente, sorrir, anunciando o alivio desejado e ele, rolando aflitamente os
olhos, agitando-se no leito, ansioso, insistia nas palavras tristes:
“Se eu dormisse
uma hora...!”
E, assim,
passaram-se nove dias e nove noites, dias de tortura, noites em claro, longas,
exaustivas, sem
sono, gemidas, até que, ao fim da tarde décima, ao lento soar das sete horas, abriram-se-lhe
muito os olhos, encheram-se-lhe de lágrimas e, entre nós dois, ela e eu, ele começou
a aquietar-se, deixou de gemer para dormir, e adormeceu, enfim, não por uma
hora, mas para não acordar mais, nunca mais!
VOLTA AO
NINHO
Pediu-me que o
mudasse de leito, e quis o nosso. Podia alguém imaginar que era o Destino que o
fazia retroceder ao ponto onde principiara a sua genitura para encerrar o
círculo fatal? Quem o diria presa da morte vendo-o tio robusto, em pleno viço
de saúde, mascarando com o sorriso o ricto do sofrimento?
Alarmando-me o
grande aparato de socorros de que se cercava o médico e a solicitude ativa do enfermeiro,
interroguei-os aflito. Sorriram-me tranqüilizando-me. Ele próprio estranhou os
meus cuidados impertinentes. “Era lá possível, diziam, que tão exuberante
mocidade perecesse, frágil como uma ruína? Só um desastre.” Todavia eu
procurava ler nos olhos de quantos o visitavam e, desconfiado, tornei-me espião
dentro da minha casa, vigilo, atento a tudo e a todos, escutando às portas,
caminhando mansinho no silêncio das noites desveladas para surgir, a súbitas,
entre os que se lhe revezavam à cabeceira, surpreender cochichos, gestos, ver o
que faziam, ouvi-lo, a ele, inquieto, de olhos despertos e ansiosos, gemendo, a
pedir alívio ainda que à custa de martírios.
Mísero corpo!
Quanto sofreste pungido, de instante a instante, para inoculações de vida efêmera.
Por que não haviam de dizer-me a verdade? Por que não m’a disseram, se a
sabiam? Ao menos eu não o teria deixado um só instante e, aproveitando-me, sem
desperdício de um segundo, do tempo que lhe restava, tanto o havia de prender a
mim que... sabe-se lá o que é a vida e como são as raízes que a sustentam e
nutrem! - talvez não fosse tão fácil à Morte arrancar-m’o do amor.
Mas confiava em
todos, nele principalmente e, quando saí da ilusão em que me mantinha a esperança,
onde o vira nascer, no leito que ele pedira, o nosso, vi-o, pouco a pouco,
aquietar-se, cerrar os olhos, dormir nos braços daquela mesma que, em pequeno,
o acalentava e que, então, o abraçava imóvel, sem lágrimas, como se a dor a
houvesse petrificado, como faz o inverno intenso com as águas múrmuras e
correntias. Leito de nascimento, ninho; leito de morte, esquife: princípio e
fim da mesma felicidade, tu no-lo deste, tu no-lo levaste. Agora, quando me
deito, antes do sono vir, sinto-o comigo, a meu lado, vivo na minha lembrança,
em saudade, sombra que me ficou no coração, rastro de uma ventura que passou, sonho
com que me consolo dentro da noite triste e eterna, no qual o vejo desde
pequenino, quando ali nasceu para tão curta vida, até o doloroso instante em
que se foi para o sempre.
A MORTE
Todos se
acercaram do leito e ele, estranhando, talvez, o rosário de corações que assim
o
cingia,
relanceava em volta lento, interrogativo olhar de espanto. Por vezes
crispava-se-lhe, de leve, o rosto como se frisa com a aragem a superfície da
água; as mãos moviam-se-lhe inquietas, contraindo, distendendo os dedos; o
peito arfava-lhe opresso como se sustentasse um peso esmagador.
Silêncio trágico
continha a todos, suspensos.
Que haveria? Por
que tão atento o fitava o médico tomando-lhe obstinadamente o pulso?
Eu sentia um
perigo. Parecia-me vê-lo à beira de um abismo que ele tivesse de atravessar
sobre estreita ponte frágil. De repente, agitando-se, abrindo um olhar imenso,
perguntou em voz surda:
- Que horas são?
Alguém respondeu
baixinho, entanto a resposta soou forte no silêncio, como pancada em
lâmina metálica:
“Sete!”
Ia-se a tarde em
desmaio melancólico, já agasalhada em sombras. Por que teria ele feito tal
pergunta? Que teria visto? Os prenúncios, talvez, da noite primitiva, a noite
que se fecha para o sempre, noite vazia, silente, sem astros, sepultura da luz.
O coração retransiu-se-me apertando, o fôlego sustou-se-me na garganta e meus
olhos, como atraídos, voltaram-se para o oratório buscando a cruz de
bronze, relíquia de Jerusalém, sacrossanto sinete que tem selado para a
Eternidade todos os mortos da minha família.
E as lágrimas
borbulharam-me no coração, senti-as subirem-me aos olhos, a jorros violentos, e
tive forças para contê-las. Súbito o silêncio estalou em pranto como um vaso
hermeticamente fechado que se fizesse pedaços derramando todo o líquido
contido. Tombei de joelhos junto do leito agarrando-me desesperadamente ao
corpo que se imobilizava. Tudo cessara e o olhar, que ele ainda mantinha fito
em nós, extático, não tinha luz: era como o morrão que fica ardendo nos círios
e que, pouco a pouco, envolto em fumo, vai-se extinguindo, até de todo se
apagar. Alguém chamou por ele, em pranto.
Ai! de nós...
Às pedras
deu-lhes Deus o eco para responderem a quem lhes brada e ao que morre tudo se vai,
não fica, sequer, um pouco de som para a suprema palavra de um adeus.
É um caixão que
se fecha. Nada mais.
CONTRASTE
Quando o levaram
de nós o estádio começava a encher-se para um dos mais renhidos jogos do campeonato
sul-americano. Ao alto da muralha da mole atlética, trapejada a bandeiras e
flâmulas, que espadanavam ao vento, borrifadas de chuva, apareciam os primeiros
vultos. O movimento das duas ruas que se cruzam dissemelhava-se em contraste
irônico. Em uma, o borborinho alacre da multidão desensofrida, que afluía ao
espetáculo da luta: veículos e turba, pregões, estropeada de patrulhas,
correrias de retardatários que se apinhavam tumultuosamente junto da bilheteira
como se a quisessem tomar de assalto. Na outra rua, silêncio: gente à espera,
em grupos nas calçadas, às portas e às janelas; duas longas filas de automóveis
e o coche fúnebre parado diante da nossa casa em pranto.
Na minha sala de
trabalho, de janelas abertas, revestida de luto, com um altar armado, jazia sobre
a minha mesa, entre círios e flores, o maior desastre da minha vida. Toda a
casa regurgitava de gente: era a solidariedade dos corações amigos na desgraça,
a doce esmola de amor trazida à nossa miséria. Por toda a parte, profusamente,
flores: sobre os móveis, pelos cantos, fora, no jardim: em palmas, ramos e
grinaldas e ainda esparsas, aqui, ali. Nunca a primavera fora tão pródiga com o
meu jardim. Foi preciso que a Morte nele entrasse para que os meus canteiros se
adornassem tanto. Por tal preço não os quisera eu tão vegetos. Longo,
perduradouro vozear no estádio anunciava o início do jogo quando o sacerdote, o
mesmo que o ouvira de confissão, aproximou-se para encomendá-lo a Deus. Era o
sinal da partida.
Uma voz
sussurrou-me:
“Que iam fechar
o caixão”.
Estremeci. Seria
possível! Encheu-se-me o peito de tanta agonia que me senti opresso como se o
coração se me houvesse petrificado. Que fazer? Último adeus ao filho, último
beijo à fronte gélida, bênção derradeira. Retiraram-lhe o crucifixo do peito. Como
o que embarca entrega no portaló o bilhete de passagem, assim já lhe não era necessário
o símbolo da Fé, porque o seu corpo tinha a câmara à espera e o seu espírito
suave já devia achar-se na presença de Deus. Tomei-lhe, a furto, o que dele me
podia ficar - algumas flores que lhe haviam murchado sobre o peito, mortas com
ele, bem em cima do seu coração. Um a um alguém foi apagando os círios. Eram as
últimas esperanças que se extinguiam. A sua eterna manhã rompera. Para que
luzes noturnas? Fecharam o caixão florido. Que mais?! Eu olhava em volta de mim
em busca de uma esperança e só via lágrimas em todos os olhos. Tudo estava
acabado. Dali ao túmulo, nada mais.
Levaram-no.
E a casa foi,
pouco a pouco, esvaziando-se - vazia da gente, vazia das flores, vazia,
principalmente,
da felicidade, que ia com ele. E tive coragem de o acompanhar até à estância
derradeira e vi-o baixar ao fundo da sepultura, profundidade só comparável à do
azul infinito. E o abraço brutal da terra sonora, pouco a pouco encerrando em
si o corpo amado, fechando-se sobre ele, abafando-o, sumindo-o até possuí-lo
todo, só dela. E ali fiquei a olhar como quem, de cima de uma rocha, vê
perder-se no horizonte a vela da última esperança. E, diante daquele deserto,
eu era como um náufrago em ilhéu estéril na vastidão do oceano.
Arrancaram-me do
presídio. Era a vida que me reclamava como a morte o levava, a ele. E vim, sem
consciência, até a casa, onde revi os meus, como se uma vaga me houvesse arrojado
à praia e eu acordasse atônito. A tarde estiara. Dir-se-ia que a chuva fora
apenas para chorar o morto, como os olhos dos que me haviam acompanhado no
doloroso transe. Águas que não cessam são as que jorram das fontes e dos corações.
Águas que se formam nas nuvens passageiras e nos olhos indiferentes depressa o
sol e o esquecimento secam; as que brotam das rochas e das profundas do amor,
essas não estancam nunca! Se estancassem como se mataria a sede, como se
mitigaria a saudade? No jardim, restos de flores: ainda na minha sala os círios
da vigília.
Já haviam
despido do luto as paredes, já haviam desarmado a essa e o altar e a minha sala
de trabalho voltara ao seu aspecto natural. Pairava apenas no ambiente um
cheiro morno de cera e de flores murchas. E na casa era tudo. Os corações,
esses...
Onde quer que se
passasse ouvia-se convulso tremor de pranto. Uma figura inerte, de negro,
estatelada, estéril, jazia apagada a um canto, como aqueles círios que ainda lá
estavam, de morrões negros, também apagados, sem lágrimas. Não parecia sentir:
olhava pasmada, como alguém que se visse em um patíbulo, condenada sem culpa e,
em tamanha injustiça, não achasse palavra para bradar a sua inocência.
Pobre mãe!
Mano |
Aproximei-me dela,
unimos os nossos corações feridos do mesmo golpe e as nossas dores
comunicaram-se. Assim um rio cresce assoberbado e na violência em que investe
derruba árvores e barrancas e tais destroços represam-no até que outro rio,
nele despejando-se, engrossa-o e, os dois, juntos, forçam, levam de vencida o
empeço e correm alagadoramente. Chorávamos humildes quando trovejou no estádio
clamor imenso de triunfo e o coliseu longamente atroou o estrondo das
aclamações vitoriosas. Ouvindo aquele tronejo heróico lembramo-nos de tardes,
outras, iguais àquela e parecia-nos que o nome proclamado estrepitosamente era
o dele, dele que ali se fizera desde pequenino, brincando naquele campo, nele
crescendo em força e garbo, nele batendo-se pelas cores, que eram o seu orgulho.
E seria dele o nome que ouvíamos nas aclamações ovantes da multidão em delírio?
Sim, era o seu nome, não saía do estádio, mas do fundo dos nossos corações
porque, embora estrondosas, todas aquelas vozes de milhares de bocas não
estrugiam tão alto como nos soavam intimamente os apelos doloridos da nossa
imensa saudade.
E, no final do
jogo, com o escoar da turbamulta, a nossa rua encheu-se e os que passavam, comentando
os lances mais brilhantes da partida, não se lembravam do enterro que dali
saíra. E, para o seu espírito, foi melhor assim. Era em tal alvoroço que ele
gostava de ver o seu clube, cheio, empavesado, ressoando músicas e clamores.
Quanta vez...
A casa, fechada,
em silêncio, tremia com o rumor da rua. Pobres corações! E a tarde daquele dia,
que fora de tristeza lúgubre, desanuviara-se a pouco e pouco, galeando-se do
sol. Dir-se-ia que o céu despia o luto por aquele que chorava ou, quem sabe!
talvez assim se transfigurava para recebê-lo festivamente. Nós é que em nada
mudamos: tal como ele nos deixou jazemos: na mesma desolação, na mesma saudade.
E como não há de ser assim se a nossa alegria era ele e ele foi-se, não torna,
não tornará nunca! nunca mais!
Para saber mais sobre Coelho Neto, acessar http://cpdoc.fgv.br/mosaico/?q=artigo/coelho-netto-um-intelectual-servi%C3%A7o-do-esporte
Parabéns pelo destaque a Coelho Netto, um grande injustiçado da literatura brasileira.
ResponderExcluirAgradeço muito pela gentil referência ao blog "Memórias Imortais".
Abraço.
A leitura de alguns de seus livros e fatos de sua vida demonstram a enorme sensibilidade da pessoa Coelho Netto...
ResponderExcluirAlém dos fatos acima narrados, seu filho Paulo Coelho Netto mencionou (como introdução de antologia específica) que seu pai, após a morte da esposa, foi definhando lentamente, a despeito da existência de vários filhos. Um dia, os filhos, com o fim de o animar, mencionar que ele deveria levantar-se da cama, motivar-se novamente para a vida, pois seria homenageado brevemente... Ele (Coelho Netto) em resposta, disse: há algo que vcs, os médicos e ninguém pode fazer por mmim: "diminuir a saudade"...! (da esposa)