Em 2011a literatura esportiva brasileira recebeu um dos maiores presentes de sua
longa história. Após longos 46 anos era relançada a obra de referência da
literatura esportiva “Gigantes do Futebol Brasileiro”.
O livro lançado em novembro de 1965 pela Editora Lidador
e escrito por dois craques do jornalismo brasileiro, João Máximo e Marcos de
Castro trouxe o perfil de 13 ídolos do futebol, ou “gigantes” como o título da
obra define. Eram eles: Friedenreich (“El Tigre”), Fausto (“Maravilha Negra”),
Domingos da Guia (“O Divino Mestre”), Romeu Pellicciari (“O Homem-Equipe”),
Leônidas da Silva (“O Diamante Negro”), Tim (“El Péon”), Jair Rosa Pinto (“Jajá
de Barra Mansa”), Zizinho (“Mestre Ziza”), Heleno de Freitas (“O craque-galã”),
Danilo Alvim (“O Príncipe”), Nilton Santos (“Enciclopédia do Futebol”),
Garrincha (“Alegria do Povo”) e Pelé (“O Rei”).
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1ª Edição da obra, 1965. |
A primeira vista, pode parecer um daqueles livros chatos de se ler, por se tratar de pequenos perfis biográficos, mas na verdade, nas mãos dos autores, transformou-se em literatura, com a prosa e conteúdo que só mesmo dois craques do jornalismo poderiam oferecer.
Mas como em toda obra que decide eleger lista de craques
do futebol brasileiro, alguns nomes acabaram ficando de fora.
Quarenta e seis
anos depois, em 2011, quando a obra voltou a ser reeditada, a lista aumentou
para 21 nomes, com um corte e inclusões em relação à primeira edição.
Da lista
original, saiu Jair Rosa Pinto. Os craques acrescentados à edição atual foram:
Didi, Ademir de Menezes, Gerson, Rivellino, Tostão, Falcão, Zico, Romário e
Ronaldo.
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Didi, na ilustração de Ique. |
Sobre os dois primeiros da nova lista, João Máximo explicou no programa Redação, do canal Sportv:
“Didi foi uma falha universal, unânime. Mas o Ademir foi
uma falha pessoal minha. Porque foi um jogador da minha geração, (do meu tempo)
de adolescente. Foi um ídolo do futebol brasileiro da ocasião. E uma figura
humana maravilhosa”.
Sobre a exclusão de Jair, não foi aleatória. A viúva do
ex-craque da seleção brasileira de 1950 não autorizou sua publicação.
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João Máximo (esq) e Marcos de Castro. |
No mesmo programa do canal Sportv, Marcos de Castro explicou a razão da reedição da obra histórica e fundamental da literatura esportiva:
“Nasceu em um dia que olhei para estante e vi o livro
envelhecido. Achei que podia merecer uma nova edição. Então, levei para Luciana
Villas-Boas, executiva da editora Record, que se entusiasmou pela ideia.
Depois, levei o João Máximo e tivemos uma longa conversa. Acertamos novas
figuras. O que não esperava é que ficasse tão rica, bonita e toda colorida”.
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Pelé, na ilustração de Ique. |
Quando Marcos de Castro diz “colorida”, refere-se a mais um personagem que integrou a reedição da obra, o artista Ique, responsável pelas ilustrações dos craques biografados.
Em entrevista ao Blog da livraria FNAC, na época do
relançamento da obra, João Máximo fala sobre a obra que se tornou um clássico
da literatura esportiva brasileira:
Blog Fnac: Como fã de
futebol, como jornalista, como escritor… Como foi rever todas a história do
esporte que mudou a história do nosso país?
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João Máximo, integrante do Canal ESPN. |
João Máximo: O futebol me encanta não só como paixão de torcedor, mas sobretudo por sua história, já muito propriamente alçada à condição de “pequena mitologia brasileira”. Seus personagens são os nossos deuses, os nossos heróis. E, embora não tenha sido essa a intenção, minha e do Marcos de Castro, a história de cada craque acaba ajudando a contar a história do mundo em que ele vive ou viveu. No caso, o futebol. Como diz Paulo Mendes Campos no prefácio da primeira edição, há uma história do Brasil e uma história do brasileiro. Só depois do livro pronto, eu me convenci de que, do pioneirismo de Friedenreich à globalização de Ronaldo, muito da história do futebol brasileiro está contado, ainda que dentro de certos limites, nesta nova edição.
BF: Como foi
decidido o critério de quem entraria e quem não entraria nas biografias?
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Ronaldo, na ilustração de Ique. |
JM: Foi a parte mais fácil. Os 13 primeiros gigantes (que na verdade eram 15) foram escolhidos no começo de 1964, quando Marcos de Castro era o editor de esportes do Jornal do Brasil e eu, um de seus redatores. Vivíamos o futebol intensamente. Poucas conversas, entre nós e com amigos, bastaram.
Para a
segunda edição, o trabalho foi ainda mais simples. Começamos por corrigir a
lamentável ausência de Didi e Ademir na primeira edição. Em seguida, nos
fixamos nas unanimidades. E, com uma exceção para Ronaldo (que acabaria
deixando de sê-lo), só escolhemos jogadores cujas carreiras já estavam
encerradas.
BF: Das
histórias vistas e revistas, qual a que você acha mais marcante? Por quê?
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Heleno, na ilustração de Ique. |
JM: É claro que a de Heleno é a mais trágica (acaba de virar filme) e a de Garrincha, a mais dramática. Impressionou-me muito a luta de Fausto contra o racismo. Domingos da Guia divinizado e Leônidas da Silva idolatrado são dois belos capítulos sobre o nascimento do “estilo brasileiro de jogar futebol”.
Da nova
safra, fiquei feliz em ter penetrado na misteriosa personalidade de Didi e por
ter ajudado, mesmo que modestamente, a ensinar às novas gerações
que formidável gigante foi Tostão.
BF: Depois do
livro pronto, você chegou a pensar que deveria ter incluído ou excluído alguém
ou algum episódio?
JM: Não.
Felizmente, a frustração que nos tomou em 1965, pelas ausências de Didi e
Ademir, não se repetiu agora. Naturalmente, gostaríamos que a viúva de Jair
Rosa Pinto entendesse o objetivo do livro e nos tivesse deixado republicar seu
capítulo.
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Friedenreich, na ilustração de Ique. |
BF: O espaço de tempo entre um “gigante do futebol” e outro é grande, o que dificulta comparar dois jogadores de épocas diferentes. Mas, depois de conhecer histórias dos grandes do futebol brasileiro, você acha que seria possível um craque de antigamente fazer sucesso hoje (e vice-versa)?
JM: A opinião
que tenho sobre isso é, como diria Nélson Rodrigues, ululantemente óbvia:
craque é quem sabe jogar futebol.
Meus mais de 60 anos de estádios, aqui e pelo
mundo, me convenceram de que…
Quem sabia jogar em 1950, saberia muito
mais hoje, com o preparo físico e técnico que o craque não tinha na época
e que qualquer perna-de-pau tem hoje.
BF: Você cobriu
cinco Copas. Dos jogadores que viu jogar, quem mais te impressionou dentro de
campo? E fora dele?
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Garrincha, na ilustração de Ique. |
JM: Gostaria de ser mais original, mas não sei como: Pelé foi o jogador que mais me impressionou dentro do campo. Antes dele, Zizinho. É evidente que Garrincha ocupa lugar à parte: foi mais fenômeno do que craque. Como pode ter sido o que foi sendo aleijado, analfabeto, alcoólatra? Fora do campo, é sempre um prazer conversar (sobre futebol e tudo mais), com o hoje excelente escriba Tostão.
BF: Se pudesse
prever o futuro, quem hoje em dia seria o próximo gigante do futebol
brasileiro?
JM: Se esta
pergunta me fosse feita há dez anos, eu não hesitaria em responder: Ronaldinho
Gaúcho. E deu no que deu. Um dos aspectos mais instigantes do futebol
é que, na maioria, as previsões são feitas para não se confirmarem.
Por isso, nem Neymar, nem Ganso, nem Lucas, nem Pato… Não consigo pensar neles
no futuro.
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Paulo Mendes Campos |
Na entrevista de João Máximo concedida ao Blog da Livraria FNAC, ele cita uma definição espetacular de Paulo Mendes Campos, no prefácio do Gigantes do Futebol Brasileiro: “Há uma história do Brasil e uma história do brasileiro”. Por que o mestre da literatura brasileira assim definiu o futebol? Confira abaixo no prefácio escrito por Paulo Mendes Campos.
Uma palavra
Por Paulo Mendes Campos
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Paulo Mendes Campos |
Tinha cinco dias de prazo para ler este livro. Sentei-me na poltrona nas primeiras horas da tarde do primeiro dia: empilhei as laudas de prova no braço esquerdo da poltrona, passando-as, à medida em que lia, para o braço direito. Depois do jantar, Daniel, de 11 anos, sabendo de que se tratava, pediu um pedaço do livro: dei-lhe uma parte do capítulo final, sobre Pelé. Quando o menino me pediu mais um pedaço, recusei: “Você tem colégio amanhã cedo”. Ele fez uma crítica personalista sobre a técnica narrativa: “Se fosse eu, começava diferente: Era uma vez um garotinho pobre que nasceu na pequena cidade de Três Corações...”. Mero espanto ante o deslocamento cronológico, sua restrição não atuava sobre o gosto da leitura: pediu-me para ler todo o livro quando publicado.
Eu, que estava apreciando
igualmente a técnica narrativa, continuei a leitura: quinze minutos antes da
meia-noite chegava ao fim; a única vantagem de ser adulto é não ter colégio
amanhã cedo.
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Paulo Mendes Campos |
Este livro é bom, bem feito, honesto, bem documentado. Pode ter erros e omissões, mas revela por parte de seus autores um raro equilíbrio de profissionalismo jornalístico. É essa medida que garante o interesse constante da narrativa, sem prolixidade, sem teorizações excessivas, sem vulgaridade, sem a preocupação monótona e pueril da documentação acima de tudo. O futebol é uma série de fatos concretos, mas é também uma pequena mitologia brasileira, uma aura de sonhos e possibilidades em torno de cada jogador que o torcedor recorda, cada gol, cada lance. Racionalizar o futebol em teorias ou reduzi-lo aos fatos é observar a primeira realidade e omitir a segunda, isto é, aquela aura, misteriosamente enérgica, com que o brasileiro cria, à imagem de suas íntimas fantasias, a memória do esporte que o fascina.
Futebol no Brasil é uma
função da alma, uma função que se enreda em todos os outros ramos da grande
árvore psíquica: o amor, o ódio, o medo, a bravura, a solidariedade, a piedade,
o sadismo, o senso estético, o sentimento da solidão e da morte...Não me peçam
para explicar racionalmente a relação entre o futebol e o sentimento da morte.
Mas a relação existe.
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Domingos da Guia, na ilustração de Ique. |
Este mesmo livro talvez mostre ao leitor que essa relação existe. A mim o mostrou. E não pela primeira vez.
Pela primeira vez este
livro me fez pensar em outra coisa: há uma história do Brasil e há uma história
do brasileiro – a sua, a minha, a nossa história. O futebol faz parte da
história particular de cada brasileiro da nossa época. Nós também somos os
personagens de um livro como este. É o seu grande encanto. Eu, eu por simples necessidade de exemplo, não participei da
Revolução de 30 ou da renúncia de Jânio Quadros; mas participei, indelevelmente,
da glória de Friedenreich, da ascensão e da queda de Fausto, das bicicletas de
Leônidas, das fintas de Tim, da elegância de Danilo, do temperamento de Heleno,
da canhota de Jair, da arte de Pelé, da magia de Garrincha...E não só
participei, participo ainda, espero continuar participando até o fim dos meus
dias.
Jamais renunciarei ao direito e ao prazer de sonhar o futebol: por fidelidade à infância e por fidelidade ao orgulho inexplicável de ser brasileiro.
Este livro aclarou ainda mais
meu caminho. Quando quis saber o motivo pelo qual sua leitura me dava tanto
prazer, descobri essa coisa espantosa: Marcos de Castro e João Máximo
escreveram um livro sobre mim. Ou sobre você, leitor.
Sobre os autores:
João Máximo
Trabalhou na Tribuna da Imprensa, no Jornal dos Sports, na Enciclopédia Bloch, na revista Manchete, na revista Fatos e Fotos e em outras publicações. Atuou ainda na Rádio JB. Atuou durante longo tempo como crítico musical do Jornal do Brasil e foi editor esportivo do mesmo jornal. Além da pesquisa em música dedicou-se à pesquisa sobre futebol. Publicou com Marcos de Castro o livro "Gigantes do futebol brasileiro". Em 1966, foi um dos autores do livro "O negro no Brasil" lançado no Festival de Arte Negra em Gana, realizado naquele ano. Em 1967, recebeu o Prêmio Esso de Jornalismo. Em 1968, publicou com Luís Roberto Porto pela Edibras a "História ilustrada do futebol brasileiro". Em 1973, passou a colaborar com o Livro do Ano da Enciclopédia Britânica. Em 1977, publicou na revista Placar a série de fascículos semanais "História das 10 Copas" contando o desenvolvimento das Copas do Mundo de futebol até aquela data. Em 1981, começou a pesquisar a quatro mãos com Carlos Didier a biografia de Noel Rosa. Em 1984, colaborou com a publicação "70 anos de seleção - O marketing no futebol". Em 1987 e 1988, atuou como jurado nos desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Foi um dos autores do livro "Brasil Musical - Viagem pelos sons e ritmos populares" lançado em 1988 pela Art Bureau. Em 1990, por ocasião dos 80 anos de nascimento de Noel Rosa publicou com Carlos Didier pela Editora UNB o livro "Noel Rosa - Uma biografia", fruto de sete anos de pesquisas. Publicou com Tárik de Souza e Cristina Gurjão o livro "Bossa nova, do barquinho ao violão". Em 2001, participou do VII Encontro Nacional de Pesquisadores de Música Popular Brasileira realizado no auditório da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Em 2003, foi levada à cena no Teatro do Centro Cultural da Justiça Federal a peça "Quem tem medo de Kurt Weill", de sua autoria, com direção de Fábio Pillar.
É autor
ainda de Cinelândia
– Breve história de um sonho, Maracanã – Meio século de paixão e dois
títulos da coleção Perfis do Rio, João Saldanha – Sobre nuvens de
fantasia e Paulinho da Viola – Sambista e chorão.
Marcos de Castro
É apaixonado pela língua portuguesa, escritor, tradutor e jornalista há mais de 40 anos. Licenciado em Letras Clássicas pela Faculdade Nacional de Filosofia da antiga Universidade do Brasil, considera a leitura um hábito essencial. Seu grande sonho é ver a maioria dos jovens brasileiros interessada nas obras dos grandes autores nacionais.
Nasceu em Uberaba, em 1934. Foi revisor da Tribuna da
Imprensa e redator da seção de Esportes do Jornal do Brasil no auge da reforma
gráfica nos anos 1950. Em 1963, no JB, ganhou o Prêmio Esso de reportagem
esportiva com Dácio de Almeida. Trabalhou na Realidade, pela qual ganhou seu
segundo Esso, e na TV Globo. No Jornal dos Sports assinou a coluna
Boca-de-cuia.
É autor de duas obras
fundamentais da literatura brasileira: “Caminhos para a
leitura” e “A imprensa e o caos na ortografia”.
Bacana.
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