Mais um livro que diversos
personagens envolvidos na questão da violência nos estádios, principalmente as
autoridades públicas governamentais, devem obrigatoriamente ler. O tema do
livro do jornalista André Nery, a violência entre torcedores, é, infelizmente,
recorrente no futebol mundial. Recentemente, aqui mesmo no Literatura na
Arquibancada, apresentamos o livro “La Doce”, do jornalista argentino Gustavo
Grabia.
O livro de André Nery é baseado em uma tese de doutorado que ele
defendeu na USP, no final de 2011 e que acabou se transformando agora no: “'Violência
no futebol: Mortes de torcedores na Argentina e no Brasil”.
É o próprio André Nery
quem nos conta detalhes de sua obra que será lançada no próximo dia 27 de
abril, em São Paulo, no bar Canto Madalena:
“O livro tem como foco a
violência entre torcedores no futebol argentino e brasileiro. Ele apresenta os
casos de mortes que são relacionados a enfrentamentos entre torcidas e também
os incidentes ocorridos em estádios dos dois países que terminaram com vítimas.
Além disso, foi traçada uma comparação com o que o ocorre na Inglaterra,
Espanha e Itália, países em que o futebol tem grande apelo social e também
apresentam um grau elevado de violência entre seus torcedores.
Outros tipos de agressões,
como o racismo e a xenofobia, também foram analisados no livro, uma vez que
esse tipo de manifestação tem se ampliado no futebol nos últimos anos. Como a
violência é frequentemente relacionada às torcidas organizadas no Brasil e às ‘barras
bravas’ na Argentina, a formação desses grupos e sua atuação ganharam um
capítulo à parte.
O trabalho mostra ainda
como Brasil e Argentina tratam a questão da violência no esporte a partir de
suas respectivas legislações. Outros temas secundários, como a globalização e
seus efeitos no futebol argentino e brasileiro e as mortes de jogadores
profissionais registradas em campo e treinamentos, foram abordados com o
objetivo de mostrar que a violência no futebol se configura de variadas formas”.
André Nery também nos
antecipa alguns trechos de sua importante obra:
“As diversas críticas que
se fazem às torcidas organizadas na Argentina e no Brasil se justificam quando
se examinam os incidentes violentos que resultaram em mortes nos dois países. A
maioria deles ocorreu em enfrentamentos entre integrantes dessas torcidas.
Quase sempre os incidentes violentos são motivados pela rivalidade entre os
clubes. Há uma dificuldade em se aceitar o diferente, aquele que torce por uma
outra equipe, no mundo futebol. Nota-se um certo ódio em relação ao adversário,
que se expressa tanto através da violência física quanto da simbólica. Quem
nunca ouviu torcedores, protegidos no interior de suas residências, gritarem em
dias de jogos xingamentos direcionados a adversários que sequer conhecem? Há
ainda declarações feitas por dirigentes, técnicos e jogadores que acirram ainda
mais os ânimos.
O ódio decorrente da
rivalidade no futebol acaba atingindo mesmo outros esportes ou eventos quando
as torcidas organizadas se inserem nesse meio. Podemos citar como exemplo o
carnaval na cidade de São Paulo, em que as torcidas de Corinthians, São Paulo e
Palmeiras contam com escolas de samba e blocos. Um incidente grave registrado
no carnaval de São Paulo, motivado pela rivalidade no futebol, ocorreu em 22 de
fevereiro de 2003. Nesse dia, foram registrados dois confrontos entre
torcedores rivais, com um saldo de três pessoas mortas e seis feridas, cinco
delas com armas de fogo.
Individualmente, o
torcedor dificilmente chega à violência física. Na maioria das vezes, os
confrontos e agressões são protagonizados e praticados pelos integrantes de
torcidas organizadas. Isso acontece porque esses torcedores se sentem
confiantes e acreditam que os demais membros irão apoiá-los e defendê-los no
enfrentamento contra os adversários. Por isso, o confronto é praticamente
inevitável quando os membros de torcidas rivais ficam frente a frente. E é
através desses embates que os integrantes dos grupos de torcedores, em sua
maioria homens e jovens, reforçam sua masculinidade perante o grupo.
Para se ter uma ideia de como a violência é um
problema preocupante, a Argentina registrava 263 mortes até março de 2012,
sendo 141 no período pós-1990. Cabe ressaltar, porém, que mais da metade das
122 mortes no período anterior à década de 1990 ocorreram em um único jogo, em
23 de junho de 1968, quando 71 pessoas morreram asfixiadas e esmagadas num
duelo entre River Plate e Boca Juniors, no estádio Monumental de Núñez, em
Buenos Aires. O incidente de 1968 está entre as dez maiores tragédias da
história do futebol mundial.
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A tragédia de 1968, na Argentina. |
Em minha pesquisa,
abrangendo o período entre 1992 e março de 2012, identifiquei 133 mortes de
torcedores, que vão desde vítimas de enfrentamentos entre torcidas adversárias
até vítimas de acidentes sofridos em estádios durante as partidas de futebol,
divulgados por jornais de vários estados brasileiros. Isso representa uma média
superior a seis mortes por ano nesse período. Os últimos anos foram os mais
trágicos, sendo contabilizadas 14 mortes em 2007, nove em 2008, 11 em 2009 e 19
em 2010. Em 2011, foram, pelo menos, 20 casos. Uma análise mais detalhada
desses números aparece em um capítulo específico deste trabalho.
Mas o que se percebe, a
partir da pesquisa realizada, é que a violência no futebol brasileiro se
espalhou para quase todos os estados do país, e, nos últimos anos, tem deixado
um número de vítimas maior do que na própria Argentina, onde a violência entre
torcedores sempre foi um problema preocupante.
Tanto na Argentina quanto
no Brasil, a violência no futebol é quase que exclusivamente um problema
relacionado à rivalidade clubística. Há poucas mortes ocorridas por conta da
disputa entre seleções.
No Brasil, não há
registros desse tipo de incidente. A Argentina, por sua vez, apresenta quatro
episódios desse tipo. O primeiro deles ocorreu em 2 de novembro de 1924, quando
o uruguaio Pedro H. Demby foi morto por um argentino após a partida entre as
seleções dos dois países em Montevidéu, no Uruguai.
Em 29 de agosto de 1993,
Ramón Adolfo Quinteros foi morto a facadas durante o jogo entre Argentina e
Paraguai, em Buenos Aires. Em 11 de julho de 1995, Daniel García foi
assassinado após a partida entre Argentina e Chile, em Paysandú, no Uruguai, em
jogo pela Copa América. “García foi morto na saída da partida entre argentinos
e chilenos, durante um enfrentamento entre dois grupos de "barrabravas"
argentinos, que elegeram a Copa América para resolver velhas contas pendentes”,
destacou o jornal uruguaio “La Republica”.
O outro incidente envolveu
um torcedor brasileiro.
Elias Farias foi espancado por torcedores argentinos
até a morte depois que festejou a vitória da seleção da Nigéria contra a
Argentina na decisão da medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Atlanta (EUA),
em 1996.
Sobre André Nery:
Em 1994, lançou o livro
“Placar Máximo: As Grandes Conquistas do Esporte”. Por conta da obra, decidiu
cursar jornalismo e se formou em 2000, pela Unisinos (RS). Nesse mesmo ano,
passou a trabalhar como jornalista da editoria de Esportes, da Folha Online,
onde permaneceu por seis anos. Em 2006, foi para o site G1, portal de notícias
da TV Globo, onde continua até hoje. No período, fez ainda mestrado e doutorado
na Universidade de São Paulo (USP), ambos com foco no futebol. Em 2007,
defendeu a dissertação: “Preconceitos e rivalidade futebolística entre
Argentina e Brasil: análise da cobertura dos jornais Folha de S. Paulo e Clarín
nas Copas do Mundo de 1986 a 2002”. Em 2011, ganhou o título de doutor com o
trabalho: “Violência no futebol: Mortes de torcedores na Argentina e no Brasil”.
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