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Antônio Maria |
Sua passagem por este
mundo foi breve, mas nos 43 anos em que esteve por aqui, ele deixou seu nome
inscrito na literatura brasileira como um de nossos maiores cronistas. Antônio
Maria foi além de cronista, locutor esportivo, diretor e produtor de programas
de rádio, compositor de jingles e sobretudo boêmio incontido e poeta de mão
cheia.
Quis o destino que a
decepção com a tragédia ocorrida na final da Copa do Mundo realizada no Brasil,
em 1950, tirasse Maria de seu maior sonho profissional: o de locutor esportivo.
Mas antes de revelarmos as
andanças de Maria pelo mundo da bola, Literatura na Arquibancada apresenta o
texto revelador da trajetória de Maria por este mundo publicado na “orelha” da
obra “Um homem chamado Maria” (Objetiva,2005) escrita pelo craque Joaquim
Ferreira dos Santos.
“Sua passagem por
este mundo foi rápida – mas intensa, cintilante, romântica. Antônio Maria nos
legou crônicas deliciosas, hoje inscritas no melhor que a literatura brasileira
já produziu. Compositor, fez lindas músicas que ajudaram a criar o que conhecemos
como “samba-canção”. Viveu, como seu grande amigo Vinicius de Moraes, em estado
de poesia, o tempo todo voltado para a paixão pelas mulheres.
O pano de fundo de tudo isso é um Rio que não existe
mais, pré-bossa nova, de glamour hollywoodiano. Pois Maria, um pernambucano que
chegou à cidade para ser locutor esportivo, acabou se transformando num dos
personagens cariocas mais queridos, emblema de uma época e de um estilo de
viver.
Era doce, brejeiro, o poeta frustrado autor de “Ninguém
me ama/Ninguém me quer”, e a quem ninguém chamava de Baudelaire. Era o homem
que sabia escutar as mulheres e seus dramas, um dos melhores papos da cidade,
colega de copo de grandes artistas brasileiros, como Dorival Caymmi, Rubem
Braga e Di Cavalcanti. Com eles atravessava as noites de Copacabana, em boates
famosas como Vogue e Sacha’s, onde circulavam políticos, playboys e estrelas do
cinema internacional.
Foi brigão, boêmio. Maria se metia em confusões e delas
saía com candura. Também empolgava os corações femininos, depois das duas
regulamentares horas de conversa, e costumava se esquecer em namoros
apaixonados com as grandes vedetes de sua época. “É muito melhor estar mal
acompanhado”, disse em alguma noitada, contrariando o senso comum que preferia
a solidão. Cardisplicente, como também se chamou, morreu do coração – meses depois
da separação de Danuza Leão, com quem viveu quase três anos. Era de noite, foi
em Copacabana.”
Antonio Maria abandonou o sonho de se
tornar locutor esportivo após a derrota do Brasil para o Uruguai, na Copa do
Mundo de 1950. Joaquim Ferreira dos Santos revela em seu “Um homem chamado
Maria”, as andanças de Maria pelos microfones esportivos. Um caminho que teve
idas e vindas, primeiro, no Nordeste (Recife, Fortaleza e Salvador) e depois no
Rio de Janeiro, na Rádio Ipanema e mais tarde, na Tupi, onde trocaria (ainda
bem para a literatura brasileira) o sonho dos microfones esportivos pela
crônica jornalística, que acabaria se tornando a espinha dorsal de sua obra
literária.
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Antonio Maria Filho |
Enquanto o sonho durou, Maria deixou
sua marca – como sempre o fizera na vida – na história do rádio esportivo
brasileiro. Quis o destino que seu sonho de trabalhar na imprensa esportiva
fosse realizado pelo seu filho, Antônio Maria Filho tornou-se um dos mais
respeitados cronistas do jornalismo esportivo brasileiro. Joaquim Ferreira dos
Santos ainda revela em sua obra uma surpresa para muitos rubro-negros, a
descoberta de que o vascaíno Maria foi o criador da expressão “Mengo”.
(...)
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Ary Barroso |
“A vinda ao Rio, chamado por Fernando Lobo, era uma
aventura do mesmo tamanho que a de continuar no Recife. Maria queria continuar
irradiando futebol porque fazia esse trabalho com algum destaque na Rádio Clube
de Pernambuco. Não era pouca pretensão. Aquele tinha sido um dos primeiros
gêneros a se solidificar no rádio brasileiro com as transmissões feitas, no
início dos anos 30, pelos paulistas José Siqueira, Nicolau Tuma e Armando
Pamplona. Agora já surgiam as bossas de Ary Barroso, Valdo Abreu, Geraldo José
de Almeida e Oduvaldo Cozzi.
(...)
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Antônio Maria |
Maria, no entanto, não chegou em nenhum momento a entrar
para a história dos locutores brasileiros. Pagou o preço, percebeu-se mais
tarde, de estar um pouco à frente dos seus marcadores, em situação
futebolística de impedimento. Os bordões que seriam marcantes nas décadas
seguintes em locutores como Valdir Amaral (“o relógio marca”), Orlando Batista
(“bota no meio, Malcher”) ou o Sílvio Luís (“pelas barbas do profeta”), em
1940, destoavam.
Ainda era cedo para se ouvir que “Domingos da Guia está
caindo mais do que Gabinete francês” ou que “Ademir está passeando mais do que
pitomba em boca de velho”, outras expressões com que Maria marcava suas aparições
na Ipanema.”
(...)
Na Tupi, a partir de 1947...
“Nesse período Tupi, Maria batia o córner e corria para
cabecear. Dirigia o departamento artístico, fazia musicais, humorísticos, jingles e, a imagem futebolística não
era à toa, transmitia jogos. O speaker
entrava em campo novamente, não como os outros, é claro. Nessa temporada nos
estádios, já transmitindo diretamente do Maracanã, continuou com suas
expressões curiosas e manias esdrúxulas (se houvesse dois jogadores com o mesmo
nome em campo, dois Paulinhos, por exemplo, chamava um pelo sobrenome, mesmo
que ninguém o reconhecesse assim).
Na tentativa de se diferenciar dos rivais, extrapolou.
Inventou com Ary Barroso a transmissão em dupla. Assim: num Flamengo e Vasco,
por exemplo, Ary irradiava as jogadas do Flamengo. Quando a bola passava para
um jogador do Vasco, Maria assumia o comando. Complicado, mas era preciso
enfrentar as feras da Rádio Nacional, onde Antonio Cordeiro e Jorge Curi logo
fariam coisa semelhante: cada um narrava uma metade do campo.
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Brasil x Uruguai, 1950 |
Graças, ou desgraças, a esse esquema, coube a Maria
transmitir as jogadas do Uruguai contra o Brasil na trágica final da Copa do Mundo
de 1950 e deixar para a posteridade a gravação do gol de Ghigia. Um documento
impressionante: ouve-se o grito de gol, seco e rápido. Segue-se o silêncio de
pasmo no estádio. Uma enorme pausa na narração. E a mão de Maria dando uma
porrada, ódio puro, na mesa da cabine. Outro silêncio e a leitura de um
anúncio.
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Ademir, o Queixada |
Maria ainda transmitiria jogos por mais dois anos, e
parou. ‘Perdi o gosto do futebol naquele gol do Ghigia’, dizia.
Na verdade, ele
torcia por Ademir de Meneses Futebol Clube. No Recife era Sport, porque o
jogador, o inesquecível Queixada, artilheiro dono de um estilo requintado,
jogava lá.
Depois, Ademir veio para o Vasco, e Maria virou cruz-maltino.
Ademir
estava na Seleção de 1950, o que aumentou a força da porrada na mesa.
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Zizinho (centro), no Bangu. |
Maria ainda tentou encontrar alguma motivação depois de
Ghigia e do fim da carreira de Ademir, em 1956, e, segundo o radialista Luiz
Mendes, se entusiasmou pelo Bangu de Zizinho, do goleiro Oswaldo Topete, do
paraguaio Cabrera e do ponta-esquerda Nivio. Mas os uruguaios tinham acabado
com o prazer da coisa. ‘O futebol virou um emprego e a ida para o estádio, um
caminho tedioso’, escreveu Maria, decepcionado. ‘Duravam séculos os 90 minutos
de qualquer partida. Larguei tudo. Envelhecera’.
Sua passagem pela Rádio Tupi, no entanto, deixou como
marca principal os humorísticos, numa série de programas que o incluiria entre
os redatores clássicos do gênero no rádio. O mais célebre de todos os programas,
nessa fase da Tupi, foi o Rua da Alegria, toda segunda-feira, às 21h05. O ator
Orlando Drumond garante que foi Maria, num dos quadros do programa, quem
primeiro passou a tratar o Flamengo de Mengo. Era parte de um bordão, aquela
frase que o humorista repete várias vezes para marcar o personagem, de um ator
chamado Germano.
– Mengo, tu é o maior – repetia Germano, que ficou tão
marcado pela frase que, anos depois, quando foi para a Nacional, levou o bordão
junto, como se lhe fosse parte inalienável da personalidade artística.”
Sobre Joaquim
Ferreira dos Santos
Dono de um dos textos mais refinados da imprensa
brasileira, já trabalhou na Veja, O Dia,
Jornal do Brasil e atualmente colunista de O Globo. Organizou duas coletâneas de crônicas e o diário íntimo
de Antônio Maria. “Um homem chamado Maria”, escrito inicialmente para a coleção
“Perfis do Rio” com o título de Noites de Copacabana, em 1996, foi totalmente
revisto e atualizado por Joaquim.
Para saber mais
sobre Antônio Maria, acessar: http://www.releituras.com/antoniomaria_bio.asp
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