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Thomas Donohoe |
Quem foi Donohoe?
É o que você vai descobrir logo abaixo na entrevista
feita com o jornalista Carlos Molinari, pesquisador e torcedor banguense, e Clécio
Régis, um cenógrafo respeitado e fanático torcedor do Bangu.
A polêmica
levantada pelos banguenses ganhará ainda mais força a partir do lançamento de
um Portal construído por Clécio e que será inaugurado nos próximos dias no
bairro.
Clécio Régis sabe que tudo isso causará enorme polêmica e por isso mesmo
decidiu se preparar para o que vem pela frente. Para se cercar de todas as “provas”
possíveis do que está afirmando vai viajar até a Escócia para trazer toda a
documentação possível sobre Donohoe. E para isso vai até acompanhado com uma
equipe de televisão do Brasil para registrar tudo.
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Documentos de Thomas Donohoe encontrados pelos pesquisadores do Bangu. |
Mas afinal, como esses pesquisadores chegaram a essa conclusão? É o que
você confere agora no bate-papo com Clécio Régis e Carlos Molinari. Ainda neste
“post” você poderá também assistir um documentário produzido sobre a história
do Bangu.
Literatura
na Arquibancada:
Quem foi
Thomas Donohoe?
Carlos
Molinari:
Thomas Donohoe, escocês, nascido em 1863 na vila industrial de Busby, a oito
quilômetros de Glasgow. Como todo morador da vila, Donohoe teve como destino
trabalhar na fábrica Printworks, lidando diretamente com o setor de tingimento
de tecidos.
Casado com Elizabeth Montague e vivendo na vila operária da
cidadezinha, num sobrado, que dividia porta a porta com seu irmão, um bombeiro
da fábrica, Donohoe começou a perceber que as finanças vinham mal quando nasceu
o primeiro filho: John, em 1891.
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Documentos de Thomas Donohoe encontrados pelos pesquisadores do Bangu. |
A vida de um operário no berço da Revolução Industrial não era fácil:
trabalhava-se muito, ganhava-se pouco. Em 1894, nasceu o segundo filho do
casal: Patrick. Foi aí que Donohoe notou que o ordenado pago pela Printworks
não cobriria as despesas da família.
Por sorte, seu irmão James passou a ser o
chefe da seção de tinturaria. Mas a fábrica vinha mal das pernas. Fundada em
1796, a Printworks de Busby encaminhava-se para a falência (de fato, encerraria
suas funções em 1901).
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Platt Brothers & Co, de Oldham. |
Foi o irmão de Thomas Donohoe quem o indicou para a Platt Brothers &
Co., de Oldham, que estava recrutando trabalhadores para uma nova fábrica
têxtil instalada no Brasil, justamente a Companhia de Bangu.
Assim, após ser bem recomendado pelo seu patrão-irmão, Thomas Donohoe saiu
do vilarejo de Busby e foi de trem até Oldham, sede da Platt Brothers & Co.
assinar o seu novo contrato. Antes de embarcar, recebeu também uma espécie de
“salvo-conduto” assinado por John Wodehouse, 1st Earl of Kimberley, que
garantiria toda a proteção em terras brasileiras ao cidadão britânico.
Foi assim que, em 4 de maio de 1894, no porto de Southampton, o novo
mestre da Companhia Progresso Industrial do Brasil embarcou para o porto do Rio
de Janeiro a bordo do S. S. Clyde, junto com outros 48 passageiros. Uma viagem que duraria 21 dias. Emprego garantido como Mestre da
Tinturaria, uma boa casa na vila operária, passagem paga pela Companhia,
salário pago por dia de trabalho de acordo com a cotação da Libra, vantagens
que os brasileiros ofereceram para o destemido escocês que cruzou o Atlântico
para desenvolver a nossa incipiente indústria têxtil.
No entanto, duas preocupações ainda povoavam a cabeça de Thomas Donohoe.
Sua esposa e seus dois filhos pequenos tinham ficado na Escócia e, outra,
adepto dos sports, jogador do Busby F.C., o intrépido mestre tinha reparado que
não se jogava football em Bangu, sequer existia uma bola à
venda nas casas comerciais do centro do Rio.
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A bola de Thomas Donohoe. |
Não perdeu tempo: foi até a diretoria da fábrica. Certificou-se que seu
contrato era longo, iria realmente ficar no bairro, precisava trazer Elizabeth.
Foi assim que a fábrica pagou a viagem da sra. Donohoe, que embarcou no S.S.
Liguria, em Liverpool, no dia 16 de agosto de 1894, trazendo os filhos John,
com 3 anos, e Patrick, de seis meses,
mais uma bola de couro na bagagem – pedido feito por Thomas em carta escrita à
mulher.
No mês de setembro, quando Elizabeth desembarcou no porto do Rio, junto
com outros 39 passageiros, Thomas estava lá para recepcioná-la.
Esta bola, ao que tudo indica, foi a primeira a existir no Rio de
Janeiro. A partir daí, Thomas pode organizar os primeiros jogos entre os
compatriotas da fábrica nos grandes espaços vazios que existiam no bairro de
Bangu.
Curiosamente, somente dez anos depois da chegada da pelota, em 1904, os
britânicos receberam autorização do novo gerente da fábrica para fundarem um
clube de football nos moldes dos que conheciam na Inglaterra. Assim, em 17 de abril, foi organizado o
Bangu Athletic Club, e Thomas eleito seu primeiro vice-presidente. Aos 41 anos,
“seu” Danau – como já era chamado pelos operários brasileiros da Companhia –
jogou pouco pelo novo clube. Já não
tinha o mesmo pique dos tempos de Busby.
No entanto, seu filho Patrick, que se formou em químico industrial,
seguiu o legado profissional e esportivo do pai. Aos 18 anos, ou seja, em 1912,
empregou-se na fábrica Bangu e a partir de 1913 passou a figurar entre os
titulares do time de football. Logo na estreia de Patrick, os
banguenses enfrentaram o time de outra Companhia têxtil, a América Fabril.
Vitória esmagadora do Bangu por 9 a 0 e o jovem Donohoe marcou três gols.
Seu pai estava honrado. Para quem era um simples operário na Escócia, a
vida no Brasil trouxera muitos lucros para Thomas Donohoe: virara Mestre,
ganhara projeção no bairro por ter trazido a primeira bola para o Rio de
Janeiro, fundara um clube e ganhara status de dirigente, e agora era o pai do
maior talento que o time de Bangu já revelara.
Morador da Rua Fonseca, nº 7, até o seu falecimento, no dia 2 de abril
de 1925, não existia alguém no bairro
operário que não conhecesse e não prestasse reverência ao importante Mestre de
Tinturaria da Fábrica.
L.A:
Relate o processo de como chegaram a conclusão
de que o futebol brasileiro pode ter começado em Bangu, e não com Charles
Miller, em SP ou Oscar Cox, RJ.
Carlos
Molinari:
Não cheguei sozinho a essa conclusão. Antigos banguenses já falavam
sobre isso. Textos de um antigo diretor de patrimônio histórico do clube, o
Vivi - Manoel Rodrigues de Moura - já sinalizavam na direção de que Thomas
tinha sido um pioneiro. Em publicações feitas pelo próprio Bangu A.C. nos anos
80 já se falava sobre isso. Aliás, até mesmo em edições de diversos jornais - a
respeito do aniversário do Bangu Atlético Clube, em 17 de abril - sempre que
entrevistavam o Vivi ele tocava no assunto. Foi assim que O Globo chegou a publicar sobre este pioneirismo em 1961.
Mas o Vivi (1908 - 1990) era um garoto de 13 anos quando T. Donohoe
morreu. Ele pode ter convivido muito tempo com o filho de um outro técnico têxtil,
William Wallace Hellowell (falecido em 1954), e creio, que daí ele tirou a
conclusão que o futebol em Bangu começou antes dos jogos de Charles Miller. W.
W. Hellowell era filho de Thomas Hellowell, um técnico têxtil que veio
trabalhar na fábrica na mesma época de T. Donohoe. A diferença é que a família
Hellowell era de Yorkshire.
Depois, em 1999 quando comecei a pesquisar e a escrever a história do
clube, deparei-me com o atual presidente da FFERJ, Rubens Lopes. Fui por três
anos diretor de patrimônio histórico do clube, entre 1999 e 2001, e o
"Rubinho" - de quem hoje sou desafeto - disse assim: "Você sabe
que o futebol no Brasil surgiu aqui em Bangu, não é? Você tem que escrever
sobre isso. Tua história não será verdadeira se você não conseguir provar
isso".
Daí, eu comecei a buscar informações que me permitiram reconstruir o
cenário da chegada desses imigrantes, as datas corretas em que desembarcaram,
em que começaram a trabalhar na fábrica, para verificar que, realmente, era
extremamente possível que eles tenham jogado futebol aqui antes do jogo inicial
de Charles Miller, em abril de 1895, em São Paulo.
A única explicação possível para um fracasso do meu argumento é que eles
tenham aberto mão de qualquer tipo de lazer, de prática esportiva nos dias de
folga, o que me parece estranho. Afinal, em 1897 eles solicitam à direção da
fábrica a fundação de um clube esportivo, que é negado pelo administrador
Ferreira Gomes, por achar que jogos esportivos eram a mesma coisa que carteados
e jogos de azar e que isso seria negativo para os trabalhadores da
fábrica.
Literatura
na Arquibancada:
Quando e por que decidiu ir até a Escócia atrás da história de Donohue?
Clécio Regis:
Em 2010 resolvemos fazer um filme sobre
o pioneiro Thomas, sob direção de Hélios Dutra, morador do bairro, a partir dai
resolvi criar o Monumento ao Pioneirismo em frente ao estádio de Moça Bonita.
A ida à Escócia já está alinhavada
através da internet com familiares e pesquisadores de lá. Assim teremos mais
detalhes a acrescentar.
Literatura na Arquibancada:
Em breve você inaugura um Portal sobre essa história que pode mudar as
origens do futebol no Brasil. Fale sobre o trabalho que você fez e o que espera
dele.
Clécio Regis:
O portal é fato! Vai ser erguido.
Trata-se de uma enorme escultura do Thomas em bronze medindo 4,5m sobre uma
bola de concreto medindo 2m de diâmetro, ladeado por dois enormes painéis
duplos, remetendo tecidos feitos de azulejos gravados com o acontecimento na
ordem cronológica e bem didático.
Não acredito que exista clube no Brasil
com histórias parecidas com a do Bangu, principalmente, no que diz respeito a
pioneirismos e causas sociais.
Este projeto enriquece ainda mais a nossa
história e fará justiça. Melhorando a autoestima de um bairro de verdade que
tem como principal marketing o Bangu Atlético Clube.
Literatura na Arquibancada:
Qual a importância de Bangu na história do futebol brasileiro?
Carlos
Molinari:
Se obtivermos provas cabais da realização dos primeiros jogos aqui no
bairro, a importância de Bangu para a história do futebol brasileiro passa a
ser total. Já provamos por meio de fotografias e notícias de jornais que o
Bangu foi o primeiro clube de futebol do país a aceitar a participação de
atletas negros. Isso em 1905.
Daí, obtivemos a Medalha Tiradentes, dada pela
ALERJ, em 20/11/2001.
Aquela balela do argumento do Vasco de 1923 caiu
totalmente por terra: 18 anos depois ninguém poderia ser pioneiro em nada.
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Diretoria do Bangu recebendo Medalha Tiradentes. Rubens Lopes (E), Noel de Carvalho e Paulo Giancristóforo. Crédito: Márcia Feitosa. |
Lendo o livro "O Negro no futebol brasileiro", de Mário Filho,
fica evidente o pioneirismo e a luta do Bangu neste campo. Isso sem falar na
participação popular, na participação do operário, do pobre em uma associação
para práticas esportivas, o que é uma inovação, já que os clubes eram sempre
destinados ao lazer da elite. O Bangu constituiu, no início do século XX, uma
revolução nos costumes, tal como aponta o historiador Waldenyr Caldas, no seu
livro "O pontapé inicial".
Outros historiadores, tal como Leonardo Affonso de Miranda Pereira, no
livro "Footballmania" também elencam inúmeras lutas do Bangu pela
popularização do esporte e a participação efetiva de negros e operários no jogo
inglês.
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Bangu, 1922. |
Recentemente escrevi uma crônica sobre um antigo jogo Bangu x Flamengo,
ocorrido em 1922. E um leitor do Bangu.net me mandou um e-mail me chamando a
atenção. Vejam os dois times, o Bangu, ao lado, e o Flamengo, abaixo:
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Flamengo, 1922. |
O Bangu com um time mestiço, negros, brancos, mulatos, pardos, todos juntos,
formando uma equipe. Já o Flamengo todo branco, um time unirracial. Daí é
estranho pensar que ele se tornou o time do povo e o Bangu não. O povo, ao meu
ver, não queria se identificar com o preto, o pobre, o operário, quis se
identificar com o vencedor, o que ganhava títulos, jamais com o Bangu, que
sempre foi uma equipe de fábrica, humilde, extremamente amadora.
Fora tudo isso, foi no campo do Bangu, na Rua Ferrer, que as primeiras
placas publicitárias foram expostas em um campo de futebol no país. E foi o
Bangu que, em 1949, iniciou o sistema de patrocínios nas camisas, ao estampar o
losango da Fábrica Bangu no peito dos atletas. Na época, ninguém tinha tido tal
ideia. Como o time tinha o mesmo nome da fábrica, não iria ficar estranho, nem
ninguém iria proibir.
Hoje o Bangu tem toda sua historia registrada em dois livros de minha
autoria: "Nós é que somos banguenses" e o "Almanaque do
Bangu", para que ninguém tenha dúvida sobre os feitos que este clube já
conseguiu desde 1904 até hoje.
Literatura na Arquibancada:
O que é ser banguense? Torcedor e morador.
Clécio Regis:
Um bairro que se confunde com um clube.
Estão intimamente ligados pela história. Símbolo maior. Religião! O Banguense é
fiel, nunca abandonamos o Bangu nos estádios. E a nossa vida; histórias e
glórias.
Somos Bangu, eternamente Bangu !
Sobre os entrevistados
Clécio Regis
Trabalha
na área de cenografia, escultura, pintura de arte, com clientes importantes
como Rede Globo, Oi, MetroRio, Fashion Rio, Fashion Business, incluindo também
vitrines das mais importantes marcas de roupa do Brasil. É autor das
esculturas: Filme “Nosso Lar” (Muralha) maior Escultura do Cinema Brasileiro; Dr.
Roberto Marinho (tamanho natural, TV Globo – Portaria 3); Memorial da Pediatria
Brasileira: Maternidade (tamanho natural); Pasteur (busto, tamanho natural);
Hipócrates (busto, tamanho natural); Zumbi dos Palmares (busto, 80 cm); Domingos
da Guia (busto, tamanho natural). É autor da pintura, Hoje é dia de Maria – Micro Série, 1ª e 2ª
jornada, o maior painel de pintura arte já feito no mundo, com mais de 8000 M²
de área pintada.
Carlos
Molinari
É
pesquisador da história do Bangu, autor dos livros: "Nós é que
somos banguenses" e o "Almanaque do Bangu". É colaborador
permanente do site www.bangu.net
Bangu berço do futebol brasileiro!
ResponderExcluirBangu eternamente Bangu. Que orgulho tenho de torcer por este time...
ResponderExcluirE o título que Bangu ganhou no torneio de NY? Não deeveria ser considerado também um título mundial?
ResponderExcluirParabéns e bola pra frente isto tudo engrandece cada vez mais o nosso querido clube.
ResponderExcluirBangu o berço do futebol brasileiro!
ResponderExcluirLer isso foi uma delícia..... Sempre Bangu!!!
ResponderExcluirEu sou Botafoguense, mas o Bangu sempre esteve presente na minha vida. A primeira vez em que assisti a uma partida no estádio foi num jogo do Bangu, em Moça Bonita. Acompanhei o clube naquela fatídica seletiva do Carioca, que vencemos, mas não deu em nada. Acompanhei o clube em algumas edições da série D. E acompanho até hoje. Não como simpatizante, mas como torcedor mesmo. Aprendi a amar o Bangu quase na mesma medida que amo o Botafogo. Jogo entre os dois clubes é sofrido para mim.
ResponderExcluirCostumo dizer que sou 99% alvinegro e 1% banguense. Parece pouco, não? Mas não é. Meu amor pelo Botafogo é infinito. E 1% do infinito é amor demais para ser contado...