O poeta Vinícius de Moraes
também curtia o futebol. Não era um “fanático” torcedor, mas tinha o coração
botafoguense. No final dos anos 1950, ele compôs o poema "Olhe aqui, Mr.
Buster". Mas para quem pensa que o poeta não era bom de
prosa, vale a dica para conhecer a página de seu site (http://www.viniciusdemoraes.com.br/site/rubrique.php3?id_rubrique=4), por sinal, espetacular, em que vemos várias crônicas
escritas por Vinícius de Moraes. Entre elas, uma em que o poeta prosador deixa
um registro histórico para a literatura esportiva. Se Pelé e Coutinho, uma dupla
que encantou o mundo do futebol, o que dizer da dupla Pelé e Vinícius? Mas o
poeta, humildemente, reconhece o seu lugar...
Um abraço
no Pelé
Por
Vinícius de Moraes
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Pelé recebendo a medalha de Cavaleiro do Barão de Rio Branco. Crédito: Orlando Brito |
Eu ainda não tive o prazer de lhe ser apresentado,
meu caro Pelé, mas agora, com o fato de termos sido condecorados juntos pelo
governo de França – você no grau de Cavaleiro e eu no de Oficial: e mais justo
me pareceria o contrário – vamos certamente nos conhecer e tornar amigos.
Ninguém mais que você merece tão alta distinção, sobretudo por ter sido
conferida espontaneamente – pois ninguém mais que você tem levado o nome do
Brasil para fora de nossas fronteiras. Da Sibéria à Patagônia todo mundo
conhece Pelé; e eu estou certo de que você entraria fácil na lista das dez
personalidades mais famosas de nossos dias.
Não posso disfarçar o orgulho que a condecoração me
causa, embora seja, de natureza, avesso às honrarias; e orgulho tanto maior
porque nela estamos juntos: preto e branco (as cores do meu Botafogo!) e também
as cores irmãs de nossa integração racial. Sim, caro Pelé, nós representamos,
em face da comenda que nos é conferida, o Brasil racialmente integrado, o
Brasil sem ódio e sem complexos, o Brasil que olha para o futuro sem medo
porque, apesar dos pesares, é bom de mulher, bom de música, bom de poesia, bom
de pintura, bom de arquitetura e bom de bola. Particularmente por isso
considero-me feliz de estar a seu lado no momento em que nos colocarem no peito
a condecoração.
Que você tenha sido distinguido pela Ordem Nacional
do Mérito da França nada me parece mais natural. A França sempre deu um alto
valor ao gênio, e você, meu grande Pelé, é um gênio completo, porque o seu
futebol representa um reflexo imediato de sua cabeça nos seus pés. Eu não sou
gênio, não.
Eu tenho que pensar um bocado para que a mão transmita direito o
que a cabeça lucubrou. Meus gols são mais raros que os seus. Você é com justa
razão chamado o Rei. Quanto a mim, que rei sou eu?
Mas nada disso turva a satisfação que sinto em ser o
seu Coutinho nesta nova investida do Brasil na área internacional. Parabéns,
meu caro Pelé. Parabéns e o melhor abraço aqui do seu irmãozinho!
(fonte: www.viniciusdemoraes.com.br)
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Vinícius de Moraes em "La Fusa", o templo da Bossa Nova em Buenos Aires. Crédito: http://blogs.estadao,com.br/ariel-palacios/tag/la-fusa |
E não seria a primeira e nem a última vez que
Vinícius e Pelé se encontraram nas “esquinas” da vida. Em 2010, o repórter
Ariel Palácios, divulgou uma história em seu Blog “Hermanos”, hospedado no
jornal O Estado de S. Paulo, que
define muito bem a relação de respeito e admiração de um pelo outro. Se na
comenda francesa, Vinícius agradece ao rei, em um evento ocorrido em Buenos
Aires, na Argentina, foi a vez do rei do futebol reverenciar um verdadeiro rei
da música e poesia brasileiras. Pelé estava com a equipe do Santos na Argentina
para enfrentar o River Plate e mesmo assim arrumou um jeito para ver seu ídolo.
É Ariel Palácios quem conta:
“Em 1966 o então advogado Daniel
Divinsky – fascinado com a trilha sonora do filme francês “Um homem e uma mulher”(que
incluía várias canções de Vinícius de Moraes) e “Orfeu Negro” – passou 36 horas
em ônibus sem conforto algum de Buenos Aires até o Rio de Janeiro para propor
ao poeta a edição de seus livros na Argentina.
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Vinicius e Toquinho, no "La Fusa". Crédito: http://blogs.estadao.com.br/ariel-palacios/tag/la-fusa |
“Vinícius
topou, mas pediu 15% pelos direitos de autor, quase o triplo do que cobravam os
autores europeus. Aceitei porque queria ter Vinícius entre nossos primeiros
títulos. E assim publicamos ‘Para viver um
grande amor’”. O
livro foi lançado em agosto de 1968. Nos dois primeiros anos Divinsky vendeu
quinze edições da obra. (...)
O desembarque de Vinícius de Moraes ocorreu no dia 8 de
agosto de 1968 em Buenos Aires. Cinco depois, ele faria duas apresentações
no Teatro Ópera.“Vinícius
veio para esta cidade para ser a ponta de lança de uma intensa campanha dos
exportadores brasileiros de café, que queriam divulgar o produto na Argentina
contra seus principais concorrentes, os colombianos, que também estavam fazendo
uma agressiva divulgação. A delegação brasileira era um luxo”,
disse Wenner ao Estado,
citando os integrantes: “Dorival Caymmi, o Quarteto em Cy,
Baden-Powell e Oscar Castro Neves”.
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Teatro Ópera, em Buenos Aires. |
A primeira apresentação estava marcada para as 20:30
horas. Mas, eram as 20:15 e Vinícius não aparecia no teatro. De seu hotel, a 15
quarteirões dali, havia saído às 17:00. Os organizadores ligaram para a
Polícia, temendo que Vinícius teria sido sequestrado. Mas, o poeta simplesmente
não havia percebido que era tarde, e chegou em cima da hora.
Às 22:30 horas o show havia terminado. Mas, o público não
queria sair. Mas, do lado de fora, na avenida Corrientes, mais de 3 mil pessoas
pretendiam entrar para a segunda apresentação da noite.
No meio dessa atribulada “noite mágica”, como define
Wenner, quatro jogadores do Santos, que estavam em Buenos Aires para um
amistoso contra o River Plate, apareceram na porta para tentar entrar no começo
da segunda apresentação. O produtor do show foi abordado pelo lanterninha, que
gaguejava emocionado: “senhor,
senhor..Pelé está aqui!!!!”.
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Vinícius e Pixinguinha. |
Minutos depois, Pelé e seus colegas estavam em cima do
palco. O público, em delírio, aplaudia freneticamente.
Segundo Wenner, “Baden começou a improvisar uma
batida de samba ao estilo Pixinguinha. A bateria acompanhou. Vinícius
aproximou-se para abraçar os jogadores. Pelé começou a chorar como um garoto”.
E se você quiser conhecer o poema de Vinícius, "Olhe aqui, Mr. Buster", citado na abertura
deste post, basta acessar o link abaixo do próprio Literatura na Arquibancada:
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