Havia anos que o jornalismo
esportivo não tinha um cronista de verdade, como faziam os bons e velhos
jornais brasileiros. E quem poderia imaginar que esse sujeito fosse um ex-craque
do futebol mundial? Tostão quebrou o preconceito existente no meio jornalístico
(e também entre torcedores) de que ex-jogadores de futebol são maus comentaristas
ou que não sabem escrever.
Colunista do jornal Folha de S. Paulo desde 1999, Tostão
reuniu 101 de suas crônicas publicadas no diário paulista até dezembro do ano
passado e que se transformaram no livro “A perfeição não existe”. A editora é o
selo “Três Estrelas”, nova empreitada no
segmento de livros da Empresa Folha da Manhã S.A. O número de crônicas
escolhidas, 101 é um mistério, ou mera coincidência, mas o conteúdo, Tostão
explica: “A grande preocupação foi evitar as
crônicas mais factuais. Abordo muitos aspectos técnicos e táticos do futebol,
mas escolhi algumas em que exprimo opiniões sobre outras coisas, além do
esporte, como relações humanas”. (Folha de S. Paulo, Vaguinaldo Marinheiro,
17/03/2012)
O título, “A perfeição não existe”, é quase o mesmo (“A perfeição
quase existe”) de uma das crônicas de Tostão sobre uma equipe que ele conheceu
muito bem: a seleção brasileira, tricampeã mundial de 1970.
Logo abaixo,
Literatura na Arquibancada a reproduz para você.
Em suas crônicas, Tostão
experimenta algo que poucos jornalistas do presente exploram: a reflexão sobre
o cotidiano dos atletas profissionais, suas virtudes e dramas.
Também fala de esquemas
táticos, mas é crítico ferrenho do atual estágio do futebol brasileiro: "muito feio, medíocre, terrível de assistir”.
(Folha de S. Paulo, Vaguinaldo Marinheiro, 17/03/2012)
Tostão adotou um estilo quando
passou a ser cronista. É leitor voraz de quase todos os gêneros da literatura.
Prefere a quase reclusão em sua casa em Belo Horizonte. É avesso a entrevistas
e dificilmente aparece na mídia. Mas sobre o que escreve tem certeza de que
seus leitores estão divididos: "Gosto de
divagações, de pequenas filosofias. Há leitores que gostam que eu saia do
futebol. Outros não". (Folha de S. Paulo, Vaguinaldo Marinheiro,
17/03/2012)
Na coletânea de Tostão estão também textos sobre
alguns dos maiores craques do futebol mundial como Garrincha, Pelé, Rivellino,
Zagallo, Romário e Maradona.
Artigo de Tostão, na Folha de
S.Paulo, em 16/07/2003 e que faz parte de seu novo livro:
A
perfeição quase existe
Em
uma das colunas anteriores, escrevi que o técnico ideal seria o que tivesse a
calma, a sensatez, a racionalidade e os conhecimentos científicos do Parreira e
a ousadia, a imprevisibilidade, a emotividade e a capacidade de
incendiar e unir os atletas do Felipão. Esse supertécnico existe: é o
Bernardinho.
Numa ocasião, assistia a um
show do João Gilberto, que não parava de reclamar da qualidade do som da casa. Um espectador, lá de trás, perguntou:
"João, existe a perfeição?". Ele respondeu: "Não, mas a
imperfeição me incomoda muito". Assim são os grandes vencedores, como
Bernardinho. Sabem que a perfeição não existe, mas a procura, insistentemente.
Nunca estão satisfeitos. Sofrem e comemoram os títulos.
No
programa "Arena Sportv", Cleber Machado citou uma entrevista do
Bernardinho, em que o técnico dizia: "No vôlei, um atleta pior e que
treina mais se torna muito melhor do que um mais talentoso e que treina
menos".
Isso
parece evidente em qualquer esporte, porém é muito mais verdadeiro e marcante
no vôlei do que no futebol. O vôlei é um esporte muito mais de técnica e de
jogadas ensaiadas do que de habilidade. Os lances são mais previsíveis. Talvez
o levantador seja exceção. A técnica pode ser muito mais aprimorada com treinos
do que a habilidade e a criatividade.
A
técnica, em qualquer esporte, não é somente a execução dos fundamentos básicos.
É também a capacidade de vencer e superar obstáculos. Isso envolve outros
fatores, como a preparação física e emocional, o planejamento fora e dentro de
campo, a disciplina tática, a garra, a atenção, a consciência das virtudes e
das deficiências, a competência da comissão técnica e muitas outras qualidades.
Resumindo,
além de talento, é preciso ter profissionalismo, como acontece no vôlei
brasileiro, dentro e fora da quadra.
Passado e presente
No
futebol do passado, predominava muito mais a habilidade, a fantasia e a
criatividade do que a técnica e a tática. Era mais lúdico, uma gostosa
brincadeira, uma pelada organizada. Os craques repetiam nos gramados o que
faziam na infância, nos campos de terra.
Hoje, há em cada esquina uma escolinha de futebol
e de negócios, tentando ensinar os fundamentos técnicos aos garotos. Não é
momento para isso. A criança precisa se divertir com a bola, sem regras e
professores. Nessa fase é que se descobrem e desenvolvem a habilidade e a
criatividade. Isso acontece brincando.
Além
disso, o menino não tem adequado desenvolvimento psicomotor para aprender os
fundamentos técnicos, as regras e as posições em campo. Isso deve ser feito nas
categorias de base dos clubes.
A
seleção brasileira de 70, ao mesmo tempo em que encantou o mundo pela fantasia,
foi o início do futebol mais técnico, tático e disciplinado. Houve uma grande
preparação científica para o Mundial no México.
Não
é verdade que a seleção de 70 só se preocupava em atacar, que cada um fazia o
que queria em campo e que não precisava de treinador. A equipe unia o talento
individual com o coletivo. Atacava com muitos jogadores, e todos recuavam
quando perdia a bola. É o que fazem hoje as grandes equipes.
A partir daí, houve uma
supervalorização progressiva da tática, do preparo físico, da marcação e do
cientificismo no futebol.
O esporte ficou menos vistoso
e mais competitivo. Há hoje uma tendência ao equilíbrio. A beleza e a
eficiência são fundamentais.
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