Ele deve estar agora feliz da vida com a
vitória e a exibição magistral do craque menino Neymar contra o Internacional
pela Libertadores. José Roberto Torero, santista “daqueles”, é um dos maiores
cronistas da literatura esportiva brasileira. Utilizando analogias que ele é
mestre em fazer, Literatura na Arquibancada sugere que Torero, no futebol,
seria aquele jogador que todo técnico gosta de ter em campo: um polivalente.
Joga em todas e muito bem. É escritor, cineasta, roteirista, jornalista e
colunista de jornal. Corre 90 minutos e se precisar, mais 30 de prorrogação e não
vai errar o pênalti se for escalado para bater.
Torero é autor de “O Chalaça”, vencedor do
Prêmio Jabuti, de 1995. Escreveu diversos roteiros para o cinema e a tevê, como
“Retrato Falado”, da Rede Globo. Também é blogueiro, no portal UOL onde mantém
o http://blogdotorero.blogosfera.uol.com.br/.
Mas criou
também um personagem inesquecível: o Blog do Lelê (http://blogdolele.blog.uol.com.br/),
um sobrinho fictício criado a partir da Copa do Mundo de 2006. Os dois blogs
merecem estar na lista de favoritos de qualquer apaixonado pelo esporte
brasileiro. Leitura fácil, inteligente e bem-humorada. E o que é melhor, para
todos os públicos, dos marmanjos aos pequenos...
Na literatura esportiva, Torero é autor de vários
livros e mais uma infindável lista de crônicas, contos e textos sobre o
futebol.
Entre os vários livros, evidentemente, o Santos Futebol Clube é
destaque: “Santos, um time dos céus” (com Marcus Aurelius Pimenta), “Futebol é bom pra cachorro” (com Marcus Aurelius Pimenta), “Os cabeças-de-bagre também merecem o paraíso”, “Dicionário Santista”, “Uma história de futebol”
e “Pelé 70” .
Difícil foi escolher um texto na vasta obra
de Torero para homenageá-lo neste humilde espaço da literatura esportiva
brasileira.
Mas como é tradição reverenciarmos os grandes nomes da literatura
brasileira que já escreveram sobre o tema futebol, destacamos a “seleção da
literatura brasileira” escalada por Torero.
DIZE-ME QUEM
ESCALAS QUE TE DIREI QUEM ÉS
Por José Roberto Torero
A seleção de cada torcedor funciona como uma
espécie de espelho.
![]() |
Dorval, Meng[alvio, Coutinho, Pelé e Pepe, a mais perfeita rima da literatura esportiva mundial. |
Assim, se ele escolhe um meio-campo formado
por Dunga, Galeano, Mauro Silva e César Sampaio, fica evidente que se trata de
um precavido, talvez até de um covarde. Por outro lado, se propõe um ataque com
Rivaldo, Ronaldinho e Romário, estamos na frente de um ousado, de um destemido.
Se a linha é Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, falamos com um
saudosista, e se a defesa conta com Carlos Alberto, Figueroa, Domingos da Guia
e Nilton Santos, estamos ao lado de um amante dos clássicos.
Convencido de que escalar uma seleção seria a
forma ideal de me apresentar ao leitor, pus o cérebro para trabalhar e escolhi
meus onze jogadores preferidos:
Goleiro:
Drummond
Um grande time começa por um grande goleiro.
Drummond nasceu em Itabira, mas atuou longo tempo no Rio de Janeiro.
Ele traz
segurança e tranqüilidade para o resto da equipe.
É elástico e seguro, dono de
um estilo que marcou época e fez seguidores.
Lateral
direito: Bandeira
O pernambucano merece a posição apesar dos
problemas respiratórios.
Lateral direito de inegável leveza, caracteriza-se por
criar jogadas aparentemente simples, mas que só parecem tão simples porque ele
faz um complexo trabalho para descomplicá-las.
Zagueiro
central: Érico
Central tem que ser gaúcho. Érico, além de
ter nascido em Cruz Alta, é um beque polivalente: joga com qualquer tempo – e
vento.
Pode atuar com aspereza e rudeza, ou sair jogando com maleabilidade e
graça. Assim como outro central, Domingos da Guia, também possui um filho de
inegável talento.
Quarto
zagueiro: Nelson Rodrigues
Essa é uma posição onde é proibido ter falsos
pudores; tem que se chutar a bola para a arquibancada e, se preciso for, deixar
o inimigo estatelado no chão com fratura exposta.
É o caso de Rodrigues, um
jogador de moral polêmica. Alguns críticos mais ácidos dizem que ele cai muito
pela direita, mas trata-se de um defeito menor que suas qualidades.
Lateral-esquerdo:
Vieira
Começou a carreira timidamente, mas um dia
teve um estalo e passou a jogar como que inspirado pela luz divina.
Seu estilo
é lógico, mas também grandiloqüente.
Às vezes traça caminhos tortuosos, mas
sempre chega ao seu objetivo.
De todos os convocados, é o único atleta de
Cristo.
Médio-volante:
Gregório
Um bom cabeça-de-área tem que saber xingar a
mãe do adversário de doze formas diferentes. Gregório conhece 118. Não é à toa
que o apelidaram de Boca do Inferno. Perguntado sobre as violentas faltas que
comete, diz que são para a glória de Deus, pois, “quanto maior o meu pecar,
maior a graça d’Ele em perdoar”. Não raro, elabora firulas e gongorismos que
surpreendem a torcida.
Meia-direita:
Mário
Um ponta-de-lança tem que ser ao mesmo tempo
clássico e inovador.
Mário consegue as duas coisas: sabe estudar o jogo e
inventar lances com a mesma competência.
Pode-se dizer que é um clássico de
vanguarda.
Meia-esquerda:
Machado
A nobre camisa dez não poderia ser vestida
por outro.
Excelente nos lançamentos em profundidade, é um especialista nos dribles
sutis e no toque refinado.
Estranhamente, está sempre com um riso nos lábios.
Não se sabe, contudo, se ri dos inimigos, de si mesmo ou do público.
Ponta-direita:
Guimarães
É um inventor.
Guimarães cria dribles e
ziguezagueia pelos campos gerais como ninguém.
Seus lances são inesperados,
como se ele sempre tivesse que criar um caminho próprio.
Aprendeu tudo que sabe
na várzea, mas seu jogo é universal.
Centroavante:
Oswald
Um centroavante deve ser imprevisível, e
imprevisibilidade é a única coisa previsível em Oswald.
Seu jogo é feito de
toques curtos e dribles em pequenos espaços.
Tem um temperamento difícil e
costuma polemizar com os adversários.
É um típico rompedor.
Ponta-esquerda:
Graciliano
Vindo de Quebrângulo, Alagoas, este extrema-esquerda
é dono de um estilo duro, sisudo e seco.
O torcedor sempre pode esperar dele um
jogo consistente e seguro.
Odeia concentrações e pretende escrever um livro de memórias
condenando essa prática.
Obs.: Obviamente esta seleção de imortais
conta apenas com jogadores defuntos, o que deixou de fora vários nomes. Em meu
banco de reservas estão Veríssimo, Ubaldo, Millôr e Fonseca. São grandes
atletas, mas desconfio que não têm muita pressa em entrar nesse time.
Fonte:
“Os cabeças-de-bagre também merecem o paraíso”
(Editora Objetiva, 2001, p. 9-12)
Nota do
Literatura na Arquibancada:
Para aqueles que ainda não conhecem os
autores citados por Torero, aí vai a relação com os nomes completos no
respectivo sistema “tático” do “professor” Torero, um time imbatível, idêntico
ao Santos de Pelé e Cia:
Carlos Drummond
de Andrade
Manuel
Bandeira, Érico Veríssimo, Nelson Rodrigues e Padre Antonio Vieira,
Gregório de Matos,
Mário de Andrade e Machado de Assis,
Guimarães Rosa,
Oswald de Andrade e Graciliano Ramos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário