Faltam cinco meses para o centenário de Nelson Rodrigues
(23/08) e Literatura na Arquibancada na série especial que começou no início de
2012, traz hoje uma crônica que pode deixar muita gente em dúvida sobre a
existência ou não do personagem de Nelson na história.
Não sou Tricolor e nunca morei no Rio de Janeiro para
confirmar a história que Nelson Rodrigues relata abaixo.
Mas o que gera a
dúvida é que todos sabem que Nelson tinha sérios problemas de visão e, daí,
como grande contador (e “inventor”) de histórias não seria impossível admitir
que o “Ceguinho” de Nelson fosse ele mesmo.
Independentemente da existência do Ceguinho, o texto de
Nelson Rodrigues revela a “humanidade” de seus personagens.
E quando este fosse
um Tricolor assumido e apaixonado como ele, aí que a história ficaria ainda
melhor, sensível e belo.
A crônica foi publicada no Jornal dos Sports, quando se
disputava a Taça Guanabara no ano de 1968.
A grande noite do
ceguinho
Amigos, na minha crônica de ontem, apresentei o único
torcedor ceguinho do mundo. É tricolor de não sei quantas encarnações. E não
perde uma do Fluminense. Mete-se nas arquibancadas com a sua bengalinha branca.
Torce, como ninguém, os noventa minutos. Discute impedimentos, acusa pênaltis
não marcados, é mais opinante do que ninguém. E quando aparece, todos dizem: “Olha
o Ceguinho! Olha o Ceguinho!”. E uma coisa eu digo: todos podem trair o
Fluminense, menos o Ceguinho.
Pois bem. O meu artigo saiu ontem e vocês não imaginam: logo
de manhã, choveram telefonemas.
Todos queriam saber: “Como é? O Ceguinho não
enxerga e vê?”.
Tive de explicar que há uma óptica do amor. Não existe nada
mais límpido do que a visão do sentimento. Uma leitora insinuou a dúvida: “Não
é triste um Ceguinho na torcida tricolor?”. Esclareci que não há ninguém mais
alegre do que o Ceguinho do Fluminense.
A leitora fez espanto: “Alegre?”. E eu, taxativo: “Alegre
como o pardal da manhã”. É esta, justamente, a sensação que me dá o Ceguinho.
Lembro-me de uma passagem de minha infância profunda. Certa manhã, ao acordar,
olhei para a janela e lá estava, pulando no peitoril, um pardal. Era a alegria
da vida em forma de passarinho.
Tanto falei da alegria do Ceguinho que, por fim, a leitora
se convenceu. Outro que, desde o primeiro momento, se interessou pelo comovente
pó-de-arroz foi o Antônio Egídio, da publicidade do Jornal dos Sports. Quando cheguei na Redação, ele veio me falar, e
com vibração. Repetia, de olho rútilo: “E o Ceguinho? E o Ceguinho?”.
Parecia-lhe que o Ceguinho era uma figura tão encantada quanto o Gravatinha.
Também o Antônio quis que eu contasse coisas sobre o Ceguinho.
Fiz-lhe a vontade. Disse ao Antônio que a alegria está ao
alcance de qualquer um. O Ceguinho é feliz e por quê? Há príncipes, reis,
rainhas, duques, potentados que ainda não descobriram a doçura da vida. Eis o
que eu queria dizer: a felicidade do Ceguinho chama-se Fluminense. Com o
Tricolor, sua vida passou a ter um sentido. Não sentiu mais nenhuma solidão.
Foi como se, de repente, a sua treva se enchesse de estrelas.
Por isso, já disse e vivo repetindo que não há torcida como
a do Fluminense. Temos tudo. Há ministros na massa tricolor; paus-de-arara; e
grã-finas; e marias-cachuchas; e presidentes; e veterinários e crioulões.
Fluminense tricampeão de 1919. |
Falei em “presidentes”. Em 1919, quando decidimos com o
Flamengo, lá estava, na Tribuna de Honra, Epitácio Pessoa, de fraque. Era
presidente e, ao lado de dona Guilhermina Guinle, viu o Tricolor golear o
Rubro-Negro por 4 x 0. Se duvidarem, encontraremos um mandarim, ou um esquimó,
entre os que sonham com as nossas vitórias.
Mas faltava um Ceguinho. Por coincidência, sentei-me ao seu
lado, no jogo do Fluminense x Bonsucesso. E, quando o pó-de-arroz entrou em
campo, o Ceguinho gritou: “Ademar está mais magro”. E quando acabou o jogo, o
Ceguinho levantou-se. Vou repetir a imagem que usei acima. O Fluminense ganhara
de 4 x 0. E a noite do Ceguinho encheu-se de estrelas.
Ahahahah adorei a história, e ele foi demais! Um intelectual maluco por futebol e "colega" de muitos de vocês!
ResponderExcluirbj CON