Como bom mineiro, o escritor Jorge Fernando dos Santos trabalha quieto. Mas trabalha muito, mas
muito mesmo pela literatura brasileira. Já são mais de 40 obras publicadas e só
neste ano tem quatro títulos prontinhos para entrarem em cena. Seu trabalho não
se limita ao mundo dos livros, também faz teatro, música e de vez em quando
ainda ataca como roteirista de televisão.
Entre os livros que deve
lançar nos próximos meses, um deles traz o tema futebol como elemento central
da trama. Literatura na Arquibancada bateu um papo com o escritor Jorge
Fernando, mas antes confira a resenha que a editora SM faz da obra “Alguém tem
que ficar no gol”:
“A derrota da seleção brasileira na Copa do Mundo
de 1950, no Maracanã, foi o maior trauma do nosso futebol.
O escrete nacional
chegou à final contra o Uruguai precisando apenas do empate. O placar estava em
1X1, quando o atacante uruguaio Ghiggia avançou feito um touro bravo pela
grande área brasileira, driblou os beques e chutou uma bomba, enganando o
goleiro vascaíno Barbosa.
Nossa rede sacudiu aos 38 minutos do segundo tempo,
silenciando a torcida e enterrando por 2X1 a esperança de conquistarmos em casa
nosso primeiro campeonato mundial.
O que ninguém esperava, no entanto, é que uma
revanche seria marcada para ter início à zero hora de 21 de dezembro de 2012. O
local escolhido seria o campo gramado da chácara onde Frederico mora com a mãe
e o padrasto, num condomínio-fechado perto de Belo Horizonte. O reencontro das
duas lendárias seleções tem a ver com a profecia maia, povo que praticava um
futebol ritualístico chamado pok-ta-pok. Segundo sua mitologia, o Sol e a Lua
foram criados pelos deuses após uma partida na qual derrotaram o mundo
subterrâneo. Classificado em segundo lugar no 7º Prêmio Baco a Vapor, Alguém
Tem que Ficar no Gol fala do amor pelo futebol, da importância do perdão e da
superação, das relações familiares e das profecias como um alerta para que o
homem aprenda a respeitar a natureza.”
(fonte: editora SM)
Então, vamos ao papo com Jorge
Fernando dos Santos.
Literatura na Arquibancada:
Como surgiu a ideia de utilizar a Copa de 1950 como "ponto de
partida" em seu novo livro?
Jorge Fernando:
Não conheço nenhum livro sobre a Copa de 1950 e julgo que esse foi o
momento mais traumático do nosso futebol. Com a proximidade da Copa de 2014,
fui tentado a resgatar a imagem do grande Barbosa, a figura mais injustiçada do
futebol - segundo Armando Nogueira. Por outro lado, existem poucos livros ou
filme inspirados no futebol. Curiosamente, os americanos têm muitos livros
e filmes sobre os esportes que praticam e essa também foi outra influência.
LA:
Por que a escolha utilizada em sua trama, de um condomínio fechado em
Belo Horizonte, e a data tão específica de 21 de dezembro, para a realização do
jogo revanche da final da Copa de 1950?
JF:
A escolha de um condomínio fechado como cenário da trama obedece a uma
tendência atual. O sonho da classe média é morar num lugar desses, em total
segurança e isolada da poluição da cidade. Mas fico pensando na solidão
das crianças que moram num condomínio. Eu fui criado na rua, jogando bola em
terrenos baldios e campos de várzea, convivendo com gente de todo jeito. Acho
que a vida num condomínio deve ser solitária e antinatural.
LA:
Por que em sua trama o reencontro das duas seleções que disputaram a
final da Copa de 1950, tem a ver com a profecia maia?
JF:
Pois é... Todo dia a gente vê na televisão documentários sobre o fim do
mundo e a profecia dos maias. Curiosamente, esse era um povo que praticava
uma espécie de futebol.
O mundo teria surgido de uma partida na qual os deuses da luz venceram
os senhores do mundo subterrâneo. Imaginei que talvez, durante o alinhamento do
sol com o coração da galáxia, em 21 de dezembro deste ano, os deuses possam
voltar a disputar uma partida. E assim se repetiria o confronto entre as
seleções brasileira e uruguaia da Copa de 1950, dois times de deuses do futebol
que ficaram para sempre na memória dos torcedores.
LA:
Fale um pouco sobre alguns dos personagens da trama, Frederico, sua mãe
e padrasto (e outros que achar necessário).
JF:
Frederico é um garoto que torce para o Clube Atlético Mineiro. O pai
dele é locutor esportivo, a mãe jornalista e o padrasto também foi jornalista,
agora aposentado. Fred é um garoto imaginativo e adora jogar bola. Teve que
deixar a escolinha de futebol para ir morar no condomínio com a mãe separada e
seu novo companheiro. Ele tem imaginação fértil e seu único amigo é o cãozinho
Aranha, que o pai lhe deu ainda filhote. Justamente por se sentir só num lugar
estranho, próximo da natureza, ele desenvolve o dom de ver e ouvir coisas que
os adultos não percebem. E assim se dará seu encontro com o fantasma do goleiro
Barbosa, por ele chamado de gigante.
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Barbosa |
LA:
Qual a justificativa para o título: "Alguém tem que ficar no
gol"?
JF:
Eu sempre fui ruim de bola. Quando era garoto, jogava sempre no
gol. E acho que me punham no gol pelo simples fato de que eu era o dono da bola.
(risos) E quando reclamava, me diziam: Alguém tem que ficar no gol... Por
coincidência, havia terminado o livro que tinha um título provisório. Minha
filha Bárbara, que é estudante de Letras, odiou o título. Enquanto eu estava
mostrando a ela alguns capítulos, ouvia um disco do Erasmo Carlos que tem uma
música sobre corrupção cuja letra diz "alguém tem que ficar no gol".
Ela me olhou e disse: "Olha aí o título do seu livro". Foi tiro e
queda. Acho que os deuses do futebol me ajudaram nessa hora.
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Jorge Fernando dos Santos |
LA:
Você fala em sua obra da importância do perdão e da superação. O futebol
não perdoa?
JF:
A saga do Barbosa é um exemplo de que o torcedor padrão é muito exigente
e pouco dado ao perdão. No entanto, o perdão foi o grande ensinamento de Jesus
e de Buda, que pregava a compaixão. Pouco antes de morrer, Barbosa declarou a
um jornalista que a pena máxima para um criminoso no Brasil é de 30 anos e
que seu calvário já ultrapassava mais de quatro décadas. Isso me sensibilizou e
ali comecei a pensar num livro que pudesse resgatar sua imagem daquela derrota
pela qual ele não teve nenhuma culpa. Foi tudo uma fatalidade, só isso.
LA:
Quando você afirma que sua trama também serve como "alerta para que
o homem aprenda a respeitar a natureza", quer dizer o que com isso?
JF:
Marcelo, o padrasto do Fred, planeja plantar eucaliptos no campo gramado
da chácara onde moram, no condomínio Flor do Campo. O eucalipto é uma planta
alienígena, vinda da Austrália, e o seu plantio tem sido exagerado em alguns
pontos do Brasil, principalmente no Norte de Minas. Daí, essa questão abre
espaço para uma discussão ecológica, tendo a profecia maia como uma espécie de
alerta. Afinal, a humanidade está seguindo um caminho perigoso na medida em que
destrói a natureza. As gerações futuras é que vão pagar o preço dessa
irresponsabilidade.
LA:
Este não é seu primeiro livro onde você usa o tema futebol como viés de
uma trama. Fale sobre o "O Rei da Rua", um livro que fez enorme
sucesso, inclusive com adaptação para uma minissérie de TV.
JF:
"O Rei da Rua" é meu livro que mais vende. Já está na 20ª
edição e foi escrito em 1988. Atualmente está na Editora Atual, do grupo
Saraiva, e tem sido muito adotado em escolas em diferentes cidades do país.
Escrevi esse livro muito depressa, pois remonta às minhas memórias de
infância, quando o futebol realmente fazia parte das nossas vidas. Todo moleque
jogava peladas na rua e sonhava um dia se tornar um craque do futebol. O livro
narra o confronto entre duas turmas do bairro Caiçara, em BH, onde vivi
dos seis aos 55 anos. De certa forma, é um hino de amor ao bom futebol que hoje
se torna cada vez mais raro.
LA:
A literatura esportiva, especialmente os livros relacionados ao futebol,
paixão número um de quase todo brasileiro, poderia explorar melhor as várias
temáticas (conto, poesia, crônicas, romance, etc) como forma de aprendizado da
literatura geral e ainda como forma de tratar diversos assuntos do cotidiano da
sociedade?
JF:
Curiosamente, no Brasil, existem poucos livros e raríssimos filmes sobre
o futebol. No entanto, como você sabe, trata-se da grande paixão dos
brasileiros. Veja o exemplo dos americanos: outro dia contei mais de dez filmes
sobre boxe e uma infinidade sobre futebol americano, basebol e basquete. Não
temos ainda o grande romance do futebol e poucos bons filmes foram feitos a
respeito dele. Talvez fosse uma forma de melhor retratarmos a realidade e os
sonhos do brasileiro médio. Por isso o tema me interessa, embora, mesmo sendo
atleticano, não sou torcedor fanático nem peladeiro de fins de semana. Já passei
da idade. (risos)
LA:
Pensa em utilizar o tema futebol em outras obras que, com certeza, irá
escrever?
JF:
Não sei... Pode ser que sim. Ou talvez fale de outros esportes, por que
não? Mas não sou eu que escolho os temas, eles é que me escolhem. De repente,
vem aquela ideia que começa a corroer minha imaginação.
De uma pra outra, começo a escrever e me surpreendo com o resultado. Tem
sido assim quase o tempo todo. Não sigo métodos e gosto de me arriscar em
gêneros e técnicas narrativas das mais variadas possíveis. Escrevo romances,
novelas, contos, poemas, cordéis, letras de música e até
haicais. Praticamente não tenho muito controle sobre aquilo que escrevo.
Só mesmo nas sucessivas revisões é que me dou conta dos detalhes, dos
gêneros e dos temas sobre os quais escrevo.
Sobre Jorge Fernando dos Santos:
Nasceu e sempre morou em Belo Horizonte. Escritor, compositor e
jornalista, tem 40 livros publicados, entre eles Palmeira Seca (Prêmio
Guimarães Rosa de romance e tese de mestrado na Itália) e O Rei da Rua,
ambos publicado pela Editora Atual e adaptados para minisséries de TV. Seu
livro-disco ABC da MPB, lançado pela Paulus, ganhou
o selo “altamente recomendável” da Fundação Nacional do Livro Infantil e
Juvenil (FNLIJ). Teve 10 peças teatrais encenadas e mais de 60 músicas
gravadas, a maioria em parceria com outros compositores. Escreveu um Você
Decide para a Rede Globo e foi pesquisador e redator do programa Nos
Braços da Viola, pela TV Brasil. Publica este ano Alguém tem que
ficar no gol (Edições SM), Ave Viola - Cordel da viola caipira (Paulus), O
Menino e a Rolinha e O menino que perdeu a sombra (Positivo).
Organizou para a editora Miguilim a antologia de contos Adolescência
& Cia e é curador da Festa Literária de Pouso Alegre, programada
para junho deste ano.
Seu site: www.jorgefernandosantos.com.br
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