O futebol é um
fenômeno social por conta de histórias como a vivida pelo jogador Basílio. Como
um jogador, que todos diziam estar longe de ser um craque, pode ter a vida
completamente alterada por conta de um único gol? Basílio completa, amanhã, dia 4 de fevereiro, 63 anos, e sabe, mais do
que ninguém, como aquele jogo, aquele gol histórico que tirou o Corinthians de
um jejum de mais de duas décadas sem a conquista de um título, mudou para
sempre os destinos de sua vida.
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Basílio no time campeão da Portuguesa, em 1973. |
Antes da decisão
do título paulista de 1977, contra a Ponte Preta, Basílio já havia dado sinais
de que contava com proteção especial, pois quatro anos antes, quando jogava
pela Portuguesa de Desportos, ele estava em campo na decisão de outro título
que também acabou com um jejum ainda maior. A Lusa não conquistava um campeonato havia 37 anos.
Embora o título daquele ano fosse dividido com o Santos, por conta de um erro da arbitragem,
para Basílio começava, sem nem mesmo ele se dar conta, a sina de “milagreiro”.
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Oswaldo Brandão. |
Uma lenda, entre
tantas criadas em torno do técnico corintiano de 1977, Oswaldo Brandão, dava
conta de que mesmo antes de o jogo decisivo começar, Basílio estava
predestinado a virar herói. Sentindo contusões, Basílio e Zé Maria estavam em
tratamento médico e sequer sabiam se poderiam entrar em campo naquela noite de
setembro. Teriam de fazer um teste antes de o jogo começar. Até que Oswaldo
Brandão, de religiosidade exacerbada, teria dito a eles, e, em especial a Basílio
no quarto onde descansavam:
- Vocês não vão fazer teste nenhum, nem aqui
nem no vestiário. Vocês vão entrar, vão jogar, nós vamos ganhar por 1 a 0 e
(apontando para Basílio) você vai fazer o gol. Falou, neguinho? (Revista
Brasileiros, edição setembro/2007)
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Basílio comemorando gol do título de 1977. |
Durante os anos seguintes ao título Basílio
confirmou a veracidade do encontro e da profecia do técnico. Ele entrou em
campo e cumpriu sua sina. E foi exatamente assim que a vida de Basílio mudou
para sempre. A descrição do gol heróico, feita por Marco Piovan
e Newton César, no livro “Corinthians, 100 anos de paixão” (Magma Cultural,
2010) é perfeita:
“Aos 36 minutos
do segundo tempo, Zé Maria, pela direita, bate uma falta. A bola, lá na pequena
área, sobra para Vaguinho, que bate forte e acerta o travessão. A bola volta,
quica no chão e sobe. Wladimir aproveita e cabeceia. Oscar, também de cabeça,
salva a Ponte Preta. No rebote, a bola sobra para Basílio que, de pé direito,
sem piedade, marca. É a consagração de Basílio e do Corinthians”.
Não foi um gol qualquer. Um gol que valeu a Basílio, anos depois, um pedido de canonização para transformá-lo em “São
Basílio”. Ainda na obra “Corinthians, 100 anos de paixão”, o corintianíssimo
publicitário Washington Olivetto não ficou apenas no sonho de transformar um
jogador em santo. Ele escreveu ao arcebispo, também corintianíssimo, Dom Paulo
Evaristo Arns:
“Dom Paulo,
aproveito esta cartinha para lhe fazer um pedido. Já que o senhor é assim lá
com os home, não daria pro senhor conseguir a canonização do nosso Basílio?
Aquele gol contra a Ponte Preta em 1977 é coisa que nem São Tomé acreditaria.
Foi um gol daqueles que faria até São Paulo correr pro abraço com os outros 11.
Um gol que abriu as portas do céu n o melhor estilo São Pedro para milhões de
corintianos. Gol digno de uma anunciação ou narração de São Miguel Arcanjo com
a alegria e a vibração do nosso Osmar Santos. Dom Paulo, meu craque. Basílio é
sem dúvida um santo homem...” (texto que faz parte da orelha do livro Corintiano graças a Deus!, de Dom Paulo
Evaristo Arns, Editora Planeta, 2004).
Basílio não virou
santo, pelo menos não oficialmente para a igreja, porque para os mais de 30
milhões de torcedores corintianos ele está no céu faz muito tempo. Prova disso
é que nem mesmo não tendo conseguido sucesso na carreira de técnico do Timão,
nas diversas passagens que já teve (1985, 1987, 1989/90 e 1992), não teve a
imagem sequer arranhada. Pelo contrário, Basílio, como um santo, parecia “protegido
por forças superiores”. Mesmo assim, não deixou que apenas as forças divinas
fizessem a parte de sua proteção. Em
depoimento à revista Veja SP, em maio
de 2010, ele confessa:
“Quando eu era
treinador, me resguardava um pouco mais. Muitos dos lugares em que eu ando
hoje, eu não andava naquela época. Você passa a ter muita cobrança e, nesta
função, tem que lidar com a razão e o torcedor do Corinthians é pura paixão.
Todas as segundas-feiras eu ia até a Igreja das Almas em Santana acender minhas
velas para pedir proteção. E as pessoas sabiam que mais ou menos no mesmo
horário eu ia lá. Tinha um em especial que foi umas três semanas seguidas e só
ficava me observando. Um dia eu cheguei lá e este torcedor, muito respeitoso,
me esperou terminar a minha oração.
Na saída, me
abordou e perguntou se podia falar comigo um minuto. Primeiro me deu um abraço
e agradeceu por 1977, cheio de carinho. Depois, me deu um terço que, segundo
ele, tinha a bênção especial de um padre de não sei onde. E disse que eu devia
levá-lo sempre para o campo para ter proteção e sorte. Agradeci, guardei o
terço e, quando estava saindo, vi que estava bom demais para ser verdade. Ele
disse: ‘Só mais uma coisinha: fulano está mal, hein? Não está na hora de dar
uma uma chance para o ciclano?’ Enfim, fazia parte. Tem que ter jogo de cintura
e paciência. No final das contas, é sempre um barato. São todos técnicos.”
Confirmando sua
divindade corintiana, Basílio arremata com uma frase genial a “benção” recebida
dos céus:
"Costumo dizer que muitos são chamados,
mas poucos são escolhidos. E eu me sinto escolhido".
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