Zico completa 60
anos, domingo, dia 03 de março de 2013. Literatura na Arquibancada
apresenta abaixo uma série especial sobre a vida do Galinho de Quintino,
apresentada no ano passado por aqui. No futebol brasileiro, Zico é uma das figuras mais populares e premiadas por
tudo que fez dentro dos gramados até quando parou de jogar definitivamente no
ano de 1994.
Zico é dono de marcas impressionantes em sua
vida profissional. É quase um Deus para a torcida do Flamengo. E não é à toa.
Tornou-se o maior artilheiro na história do Maracanã com 333 gols.
Foi eleito como o terceiro maior jogador de futebol
brasileiro do século 20, pela Federação Internacional de História e
Estatísticas do Futebol (IFFHS). As honrarias não param por aí. Zico é um dos
quatro brasileiros a figurar no Hall da Fama da Fifa (os outros são Pelé,
Garrincha e Didi). A Fifa também o considerou o oitavo maior jogador do século
20 e no Brasil a revista Isto É colocou-o em nono lugar como Brasileiro do
Século no esporte. Na Inglaterra, a revista World Soccer colocou-o em décimo
lugar no ranking dos melhores jogadores de todos os tempos.
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Estátua de Zico, no Japão. |
Não é pouco. Apesar de todas essas conquistas Zico encerrou a
carreira sem conseguir conquistar um título mundial pela Seleção Brasileira.
No
Japão, onde foi jogador e treinador, ganhou o apelido de “Deus do futebol”. Até
estátua recebeu em homenagem por tudo que fez por lá.
Apesar de todas essas façanhas e o prestígio acumulado ao
longo da carreira, Zico talvez tenha se tornado tão carismático entre os
torcedores brasileiros por conta de uma característica pouco vista no mundo do
futebol: a simplicidade.
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Zico, técnico da Seleção do Iraque. |
A partir de hoje, Literatura na Arquibancada começa uma
pequena série especial em sua homenagem.
A prova de que Zico é um homem que
nunca se deixou levar pelo “poder” e a fama que o futebol traz é a de que ainda
hoje é figura acessível a ponto de trocar e-mails com jornalistas para falar
sobre sua vida. Literatura na Arquibancada encontrou Zico no Catar onde está
concentrado para o jogo de amanhã (quarta-feira) da seleção do Iraque que ele
comanda contra a seleção de Cingapura.
Em breve teremos o “Galinho” por aqui,
respondendo às perguntas que você pode fazer. Envie-as para podermos bater esse
papo com Zico...
Mas para conhecer Zico de verdade, Literatura na Arquibancada
selecionou um texto de sua autobiografia, lançada em 1996, pela editora FTD. É
incrível como esse primeiro capítulo da obra revela traços e características que todos já conhecem em
Zico. Mais do que isso, um texto que revela como o futebol é elemento formador
de posturas e condutas ao longo
da vida. Zico parece ter aprendido muito bem as lições recebidas.
Rua Lucinda
Barbosa, 7
Zico com um ano de idade em sua casa, em Quintino. Crédito: reprodução livro "Zico conta sua história". |
Eu sou o Zico, filho do seu Antunes e da dona
Matilde. Meu pai era um português brabo, de Tondelas, perto de Coimbra.
Trabalhou em padaria, foi alfaiate, e por pouco não seguiu a carreira de
goleiro no futebol profissional. Enfim, deu duro a vida inteira para nunca
deixar faltar nada dentro de casa.
Nasci numa rua chamada Lucinda Barbosa, em
Quintino, um subúrbio do Rio de Janeiro, em 3 de março de 1953. Minha mãe tem
horror a hospital e por isso deu à luz em casa, com a ajuda de uma parteira
amiga da gente – bem como dona Matilde queria e como muita gente da vizinhança
fazia naquele tempo. Sou o caçula de uma família numerosa. Quando nasci, meu
pai tinha cinqüenta e um anos. Minha mãe diz que fui muito preguiçoso – demorei
a falar e mamei até os seis anos de idade.
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Zico e os irmãos boleiros. Crédito: www.ziconarede.com.br |
Nunca liguei muito para comida quando era
criança. Gostava mesmo era de batata frita. Do resto, não fazia questão. Pode
ser por isso, e por ter sido um menino franzino que até parecia meio fraquinho,
que fui protegido demais durante toda a minha infância, inclusive por meus irmãos.
Quando meu pai chegava à noite do trabalho,
encontrava sempre a gente na rua, batendo bola. Daí, do portão, soltava um
berro num fôlego só:
– Zeca-Nando-Edu-Tonico-Zico-pra-dentro!
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Zico com sua mãe, dona Matilde. Crédito: www.ziconarede.com.br |
E a gene obedecia no ato, na mesma corrida.
Meu pai já esperava de cinto na mão, quando ficava sabendo de alguma
desobediência da gente às leis da casa. Malcriação contra minha mãe, então, não
tinha desculpa, nunca, mas também era difícil de acontecer.
O caso é que a fileira de irmãos ia passando,
cada um levando a sua lambada – e eu era sempre poupado. Ou um irmão parava na
frente do meu pai e me dava cobertura, para eu escapulir – mesmo à custa de uma
sobra extra pra cima do meu protetor –, ou meu pai aliviava.
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Zico entre os irmãos Tonico e Antunes. Crédito: www.ziconarede.com.br |
Ele nunca me encostou um dedo. Meu irmão
Antunes, o mais velho, não teve a mesma sorte. Eu ouvia contarem do meu pai
correndo furioso atrás do Antunes, com cinto na mão ou um pedaço de pau, se ele
aprontasse alguma coisa que o desagradasse.
Lembro que ia ver o Antunes jogar bola detrás
do gol dos adversários. Daí, quando o time dele marcava, eu cantava:
– Có-có-ri-cóóóó!
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Zico, na equipe do Juventude, de Quintino, em 1966. Não precisa dizer que ele é o menor da turma (agachado, segundo da direita para a esquerda). Crédito: www.ziconarede.com.br |
Por causa disso, para pegarem a mania de me
chamar de Galinho foi um pulo. E
também para ganhar o apelido que tenho até hoje. Começaram me chamando de
Arturzinho, depois de Artuzico e, para simplificar de vez, Zico, dado por minha
prima Linda.
Meu pai era Flamengo doente! Já gostava de
futebol quando chegou ao Brasil, e certo dia foi assistir a uma partida entre
Flamengo e América. O América ganhou de 4 a 1, mas meu pai adorou a camisa do
Flamengo. Foi paixão mesmo. Cada filho que nascia, comprava para ele um
uniforme completo de jogador do Flamengo e outro da Seleção Brasileira.
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José Antunes Coimbra, pai de Zico. |
Mas nunca quis que filho nenhum virasse
jogador de futebol. Jogador de futebol, naquele tempo, tinha fama de sujeito da
noite, farrista, boêmio...vagabundo. E, além do mais, meu pai teve lá suas
desilusões. Ainda moço, trabalhava numa padaria e agarrava no gol do Municipal,
um time amador. Tinha liga, campeonato e tudo, e a equipe do velho Antunes foi
campeã. Daí, foi chamado para treinar no Flamengo e o patrão dele, o dono da
padaria, que era vascaíno, ameaçou:
– Se você for para o Flamengo, está
despedido!
Ora, meu pai precisava do emprego, então...
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Zico e os pais. Crédito: www.ziconarede.com.br |
Quando meu pai abriu a alfaiataria, eu saía
da escola e, às vezes, ia para lá, me encontrar com ele. Voltávamos juntos para
casa à noite.
Achava sempre que era meio mágica – coisa bonita mesmo! – a
concentração com que ele trabalhava. É como se, a cada ponto que dava, viesse à
cabeça dele que a roupa que estava consertando ou fazendo fosse importante para
a pessoa que iria vesti-la, que poderia ajudá-la a conseguir um emprego ou a
aparecer bem diante de alguém de quem gostasse.
Ou então era por ele mesmo, por
respeito ao ofício que sustentava sua família, respeito até por si próprio,
pelas coisas em que punha a mão e pelo que levava o nome dele.
Fazer tudo com
capricho era o orgulho e a dignidade dele.
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Zico e o irmão Edu. Crédito: www.ziconarede.com.br |
Eu era muito agarrado ao meu irmão mais
velho, o Antunes, que a gente lá em casa chamava de Zeca. Tanto que, para ver
meu irmão jogar, matava aula. Nunca matei aula por nenhuma outra razão, só para
ver o Antunes e o Edu jogarem. E perdi dois anos na escola por causa disso. O
Antunes começou a treinar no Fluminense escondido do meu pai. Costumava ajudar
o velho na alfaiataria, e foi a contragosto que papai deu a ele permissão para
seguir carreira, depois que o Zeca arrasou, num treino do Fluminense.
Parecia que estava adivinhando o que iria
acontecer. De fato, o Antunes sofreu muitas decepções. Foi lesado nos
contratos, nas trocas de clube – e isso apesar de ser considerado um craque
pela torcida e pela imprensa.
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Zico e Edu. Crédito: www.ziconarede.com.br |
Mais tarde, o Edu também ia apanhar da vida,
como jogador profissional. E vi tudo isso acontecer. Jogar com um time formado
por mim e meus irmãos, lá na rua, ou mesmo em campeonatos de futebol de salão,
era uma delícia. Sonhar em jogar no Flamengo, também. Mas logo deu para notar
que futebol não era nem apenas brincadeira, nem coisa que garantisse sucesso na
vida de ninguém. Era meio assustador aquele bando de dirigentes que passava lá
por casa tentando convencer o Zeca a participar de falcatruas, a assinar
contratos só para constar, nos quais o clube saía perdendo, meu irmão ganhava
um trocado e ele, o cartola, embolsava uma fortuna. Um deles meu pai
pessoalmente botou para correr.
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Dida |
Mas futebol era o que mais me dava prazer na
vida. Conta lá em casa que, depois de papai e mamãe, a primeira palavra que eu
disse foi Dida – meu primeiro e até hoje meu maior ídolo no futebol. Não era
para menos.
Foi o ano do tricampeonato do Flamengo, e o Dida foi o artilheiro
da competição. O Dida, com sua postura elegante, chutando bem com as duas
pernas e com aquela imensa alegria que passava ao comemorar o gol – jogar, para
ele, era decididamente uma satisfação.
E eu, de criança, já adorava bater bola,
assistir às partidas, tudo o que dizia respeito a futebol me encantava.
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Zico e seu maior ídolo, Dida. |
Um amigo do bairro, o seu Ivo, trabalhava no
Maracanã. Um dia – eu tinha doze anos –, ele passou lá por casa e me chamou
para pisar no gramado. Era meu maior sonho!
Seu Ivo me levou ao Maracanã, e mais a um
amigo meu da rua, e me deixou entrar no gramado pelo túnel central, de onde
saem os árbitros. Esfreguei o pé naquela gramazinha gostosa, olhei em volta,
para as arquibancadas vazias, sem conseguir dizer coisa nenhuma, como se
estivesse vendo coisas acontecendo. Daí...
...Senti um arrepio.
Fonte:
“Zico conta sua história” (Editora FTD, 1996)
Para saber mais sobre a carreira e a vida de
Zico, acessar o site: www.ziconarede.com.br/
Continuação da série especial sobre Zico:
Continuação da série especial sobre Zico:
Eu sou feliz, eu vi Zico jogar!!!
ResponderExcluirNunca fui tão feliz antes nem depois de Zico jogar....
ResponderExcluirNunca fui tão feliz antes nem depois de Zico jogar....
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