Para o torcedor do São
Paulo relembrar um dia 13 inesquecível. A conquista do Mundial Interclubes contra o poderoso Barcelona, em dezembro de 1992. Trecho extraído da biografia de Telê Santana, “Fio de
Esperança” (Cia dos Livros, 2011).
A delegação tricolor
embarcou para o Japão, no dia 8 de dezembro, para começar a
preparação para a partida decisiva contra o Barcelona. O avião que levava a
delegação do São Paulo aterrissou no aeroporto de Narita exatamente às 13 horas
e 24 minutos, de 9 de dezembro, uma segunda-feira, com o tempo bastante
nublado.
Foram 26 horas de viagem
e, apesar do cansaço, quatro horas após o desembarque o preparador físico
Moracy Santana já levava os jogadores para uma corrida em torno de uma praça
nas imediações do Hotel Tokyo Prince, local onde o time ficaria hospedado. O
objetivo era desintoxicar o organismo dos jogadores depois da longa viagem e
iniciar a adaptação ao fuso horário japonês.
Nenhum detalhe poderia ser
esquecido na caminhada rumo ao título mundial. Até mesmo a comida dos jogadores
foi levada clandestinamente até o Japão. Eram sacos de arroz, feijão, linguiça,
carne e legumes que seriam especialmente preparados por dona Francisca
Rodrigues, uma brasileira contratada em Tóquio como cozinheira da delegação
brasileira.
Foram quatro dias de
expectativa e ansiedade até o momento da decisão, com uma rotina diária e
adaptação ao fuso horário desgastantes. Os treinos eram feitos no campo do
Tokyo Gas, time da companhia japonesa de gás, localizado em Yokohama, distante quarenta
quilômetros do hotel onde a delegação estava hospedada. A distância parecia não
ser o maior problema na cabeça do treinador. O que o preocupava era uma
possível acomodação de seus jogadores por conta da goleada obtida contra o
Barcelona, em agosto, durante o torneio Tereza Herrera, e também da vitória marcante
por 4 a 2 sobre o Palmeiras, no primeiro jogo da decisão do Campeonato Paulista.
Isso, sim, poderia gerar um clima de “já ganhou” entre os jogadores.
Apesar do ambiente de
festa que cercava a delegação brasileira, Telê previa que o jogo contra o Barcelona
não seria nem um pouco parecido com o da goleada no torneio espanhol. O momento
era outro. O técnico aproveitava para mexer com o brio de seus jogadores e
alertava: “Não estou lembrado de jogadores que tiveram duas oportunidades como
essa que vocês estão tendo. Não foi fácil chegar até aqui. Vocês tiveram de
ganhar o Campeonato Brasileiro e depois a Libertadores. Prestem atenção”.
Para aumentar o clima de
rivalidade entre as duas equipes, o técnico do Barcelona, o ex-jogador Johann
Cruyff, fez declarações que serviram para instigar os jogadores brasileiros.
Disse, por exemplo: “Nenhum jogador do time brasileiro merece atenção especial”.
Os espanhóis pareciam não
estar muito preocupados com o adversário. Aliás, no mundo inteiro a expectativa
devia ser a mesma. O título do Barcelona era considerado uma grande barbada.
Mas como ninguém ganha jogo na véspera, o São Paulo estava confiante e seguro
para entrar em campo, no dia 13 de dezembro de 1992, e enfrentar a poderosa
equipe do Barça e suas estrelas internacionais, como o goleiro Zubizarreta, o
zagueiro holandês Koeman, o dinamarquês Michael Laudrup, e o búlgaro Stoichkov.
Para muitos, o Barcelona era considerado o melhor time do mundo naquele
momento.
Às vésperas do jogo, Telê
tinha motivos para apreensão. Um de seus principais jogadores, o atacante
Palhinha, teve febre de 38 graus durante toda a noite, e Cerezo e Ronaldão
tinham sentido antigas contusões. Estava agitado, também, porque aquele seria o
jogo de sua vida. Seria o momento de tentar superar traumas do passado. As
derrotas sofridas durante as copas da Espanha, em 1982, e do México, em 1986,
seriam intensamente lembradas. Se vencesse, seria a glória; se perdesse, a
velha história do pé-frio e teimoso, com certeza, voltaria à tona.
Pelo menos, a torcida
japonesa parecia estar a favor dos brasileiros. No caminho até o estádio
Nacional de Tóquio, os torcedores tentavam incentivar os jogadores gritando: Kudassai! Kudassai! [Boa sorte! Boa
sorte!].
Era madrugada no Brasil quando
o árbitro da partida, o argentino Juan Carlos Loustau, apitou o início da
decisão do Mundial Interclubes de 1992.
Zetti
Vítor, Adílson, Ronaldo e Ronaldo Luís
Pintado, Toninho Cerezo e Raí
Cafu, Müller e Palhinha.
Esses foram os onze jogadores
que entraram em campo para enfrentar a poderosa equipe do Barcelona.
Foi um encontro de
gigantes. Aos doze minutos, um susto! O búlgaro Stoichkov marcou o primeiro gol
da partida. Telê pedia calma. Nos minutos seguintes seu time passou a pressionar
o adversário com muita eficiência. Foram várias jogadas com perigo de gol.
Primeiro com Palhinha, depois com o zagueiro Ronaldo Luís e, finalmente, com
Müller, que acabou servindo com precisão ao craque do time brasileiro, o
experiente Raí.
O gol do empate tricolor é
lembrado sempre com muita alegria pelos são-paulinos. Meio de barriga, meio de
peito, o jogador empurrou a bola para dentro do gol de Zubizarreta, aos 27
minutos do primeiro tempo.
A torcida tricolor
respirou aliviada, mas faltavam ainda os 45 minutos finais. O São Paulo teria
força para resistir à pressão do time espanhol? No intervalo, Telê não tinha
muito a falar aos jogadores. Não havia muita coisa a pedir naquele momento,
além de bastante concentração e total dedicação. O time estava bem em campo.
Era só manter a calma que o gol do título surgiria naturalmente.
A experiência de Toninho
Cerezo foi decisiva nesse momento. Com a disposição de um menino de 20 anos,
corria atrás dos espanhóis como um “banderilheiro” a estocar e minar a resistência
do touro, para facilitar a tarefa dos “matadores”! A energia do veterano
jogador parecia contagiar a equipe de Telê Santana.
O jogo continuava
disputado palmo a palmo, minuto a minuto. O sufoco só terminou quando Raí
cobrou com perfeição uma falta, aos 34 minutos. Era o gol do título e Raí, mais
uma vez, o herói, marcando os dois gols do São Paulo. Depois que a bola estufou
as redes, uma imagem jamais saiu da memória do torcedor tricolor: Raí correu em
direção ao banco para abraçar Telê Santana, um gesto claro de agradecimento ao
treinador que tanto insistia em cobranças durante os treinos. Nas entrevistas,
após a partida, o jogador atribuiu ao técnico os méritos pela conquista e
explicou seu gesto: “Tinha pensado no agradecimento por tudo o que ele me
ajudou na carreira e por tudo o que ele faz para o futebol brasileiro. Ele é
campeão com muitos méritos. Ninguém mais do que ele merece ser campeão”.
Enquanto Cruyff chorava a
derrota, Telê Santana era só alegria. O treinador brasileiro escancarou um
sorriso poucas vezes visto em seu rosto. O fracasso nos dois Mundiais, de 1982
e 1986, era passado. Na comemoração, em meio a tanta confusão, o treinador, feliz,
nem se deu conta do pequeno hematoma no supercílio, sofrido durante a troca de
abraços com gente que se espalhava por todo o gramado. A festa foi tão grande
que, pela primeira vez, o rígido esquema de segurança dos japoneses foi
quebrado. Os torcedores brasileiros invadiram o gramado do Estádio Nacional e
comemoraram, enlouquecidos, a conquista que parecia impossível.
Depois do Santos, de Pelé, do Grêmio, de Renato, do Flamengo, de Zico,
agora o São Paulo, de Telê, voltava a conquistar um título do Mundial
Interclubes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário